Tuesday, December 16, 2014

Fato político mais previsível de 1988



Pedro J. Bondaczuk


O general Augusto Pinochet, que certa feita afirmou que ocupava o governo do Chile para cumprir uma missão divina, parece ter levado demasiadamente a sério sua própria afirmação. Ontem, os comandantes militares indicaram-no para ser o candidato único no plebiscito que deverá ocorrer em outubro próximo, onde 7,3 milhões de eleitores (número recorde de inscrição nesse país) deverão dizer se querem ou não que ele permaneça por mais oito anos no poder, a partir de 1989, quando expira seu atual "mandato". Desta forma, tudo leva a crer que os chilenos terão que conviver com a atual situação de falta de liberdade e leis de exceção até o final deste século. Isto, se o general não cismar de estender a sua "missão divina" para além do ano 2000.

Sua indicação, embora todo o suspense que se procurou fazer em torno dela, foi o fato político internacional mais previsível deste ano. Só mesmo alguém muito ingênuo, ou desinformado acerca do drama quotidiano mundial, poderia acreditar que as coisas pudessem se passar de forma diferente da que se passaram. Dentro da previsibilidade, também, estão as reações, em especial dos jovens, quanto a essa escolha. Manifestações de rua nunca faltaram neste regime, em nenhum momento dele, a tal ponto de várias delas sequer terem sido noticiadas, por não se constituírem mais em novidade. Como também abundaram denúncias, feitas pelas organizações mais sérias e mais idôneas em nível internacional, de torturas a presos políticos, assassinatos de opositores e desaparecimento de pessoas.

Ainda assim, com todo esse retrospecto, é bastante previsível que o general Pinochet vença o próximo plebiscito, a despeito das pesquisas de opinião que assinalam um índice massacrante de rejeição à sua permanência no poder. Não que os chilenos, num rasgo de masoquismo, optem pela continuidade daquilo que os incomoda.

Mas a vitória deverá vir mediante a mesma "mágica" que fez o general vencer o plebiscito de 1980, numa época em que as prisões viviam repletas (até o Estádio Nacional de Santiago chegou a fazer papel de penitenciária, tamanha era a quantidade dos que o regime estava punindo por causa de suas convicções). Aliás, a manutenção da presidência, mediante o expediente do referendo, sequer é novidade.

O ex-ditador filipino, Ferdinand Marcos, esmerou-se nessa prática. E continuaria torturando a população das Filipinas até hoje se não tivesse cometido o erro de cálculo de mandar assassinar o líder opositor, Benigno Aquino, para lançar a culpa sobre os comunistas. O "bode expiatório" não foi "engolido" por ninguém e ele acabou onde está. Gozando o delicioso ócio nas praias de Honolulu. Por isso, que ninguém espere novidades das urnas, na consulta de outubro próximo, no Chile. Seria uma ingenuidade imperdoável de quem agisse assim.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 31 de agosto de 1988)


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: