Fato
político mais previsível de 1988
Pedro J. Bondaczuk
O general Augusto Pinochet, que certa feita afirmou
que ocupava o governo do Chile para cumprir uma missão divina, parece ter
levado demasiadamente a sério sua própria afirmação. Ontem, os comandantes
militares indicaram-no para ser o candidato único no plebiscito que deverá
ocorrer em outubro próximo, onde 7,3 milhões de eleitores (número recorde de
inscrição nesse país) deverão dizer se querem ou não que ele permaneça por mais
oito anos no poder, a partir de 1989, quando expira seu atual
"mandato". Desta forma, tudo leva a crer que os chilenos terão que
conviver com a atual situação de falta de liberdade e leis de exceção até o
final deste século. Isto, se o general não cismar de estender a sua "missão
divina" para além do ano 2000.
Sua indicação, embora todo o suspense que se
procurou fazer em torno dela, foi o fato político internacional mais previsível
deste ano. Só mesmo alguém muito ingênuo, ou desinformado acerca do drama
quotidiano mundial, poderia acreditar que as coisas pudessem se passar de forma
diferente da que se passaram. Dentro da previsibilidade, também, estão as
reações, em especial dos jovens, quanto a essa escolha. Manifestações de rua
nunca faltaram neste regime, em nenhum momento dele, a tal ponto de várias
delas sequer terem sido noticiadas, por não se constituírem mais em novidade.
Como também abundaram denúncias, feitas pelas organizações mais sérias e mais
idôneas em nível internacional, de torturas a presos políticos, assassinatos de
opositores e desaparecimento de pessoas.
Ainda assim, com todo esse retrospecto, é bastante
previsível que o general Pinochet vença o próximo plebiscito, a despeito das
pesquisas de opinião que assinalam um índice massacrante de rejeição à sua
permanência no poder. Não que os chilenos, num rasgo de masoquismo, optem pela
continuidade daquilo que os incomoda.
Mas a vitória deverá vir mediante a mesma
"mágica" que fez o general vencer o plebiscito de 1980, numa época em
que as prisões viviam repletas (até o Estádio Nacional de Santiago chegou a
fazer papel de penitenciária, tamanha era a quantidade dos que o regime estava
punindo por causa de suas convicções). Aliás, a manutenção da presidência,
mediante o expediente do referendo, sequer é novidade.
O ex-ditador filipino, Ferdinand Marcos, esmerou-se
nessa prática. E continuaria torturando a população das Filipinas até hoje se
não tivesse cometido o erro de cálculo de mandar assassinar o líder opositor,
Benigno Aquino, para lançar a culpa sobre os comunistas. O "bode
expiatório" não foi "engolido" por ninguém e ele acabou onde
está. Gozando o delicioso ócio nas praias de Honolulu. Por isso, que ninguém
espere novidades das urnas, na consulta de outubro próximo, no Chile. Seria uma
ingenuidade imperdoável de quem agisse assim.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 31 de agosto de 1988)
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