Friday, December 19, 2014

Futuro comprometido


 Pedro J. Bondaczuk


O presidente dos EUA, Ronald Reagan, em seu debate pela TV norte-americana, no domingo passado, com o democrata Walter Mondale, fez uma apologia apaixonada do sistema de defesa espacial, chamado um tanto poeticamente de “guerra nas estrelas”. O mecanismo consistiria, basicamente, de potentíssimos canhões de raios laser e de raios-x instalados no espaço, que teriam a capacidade de desativar mísseis balísticos intercontinentais do inimigo, impedindo a explosão de suas ogivas nucleares nos alvos predeterminados.

Reagan salientou, na oportunidade, que esse sistema defensivo tornaria as armas nucleares obsoletas, pela impossibilidade delas cumprirem seu objetivo de destruição. Esqueceu de dizer (esqueceu mesmo?), que para isso ser possível, as duas superpotências teriam que contar com o mesmo dispositivo. Se contassem, que bom seria se as coisas fossem realmente assim tão simples! Todos sabem, no entanto, ou pelo menos pressentem, que não são.

Entretanto, os autores do livro “Contagem Regressiva para a Guerra Espacial” rebatem as afirmações do presidente norte-americano (que inclusive, no debate, foi acusado por Mondale de estar desinformado a esse respeito) e garantem que, na verdade, os canhões de laser seriam até mesmo mais perigosos para o país que os possuir, por obrigarem o inimigo a se utilizar de todos os mísseis do seu arsenal simultaneamente, já que o sistema teria a capacidade de deter somente 40% deles.

Isso representa que seis mil balísticos soviéticos (dos dez mil que a superpotência possui), atingiriam o alvo, quantidade suficiente para arrasar, não apenas os EUA, mas o próprio mundo em pelo menos 40 vezes. Ou seja, teriam um potencial para destruir 40 planetas do porte do nosso.

Surge, naturalmente, uma pergunta lógica diante dessa informação: compensaria o investimento que o sistema vai requerer (orçado, muito por baixo, em US$ 1 trilhão, ou Cr$ 2,5 quatrilhões) para tão pequeno resultado? De onde viria tanto dinheiro (o equivalente a quase duas vezes toda a dívida externa mundial, que anda pela casa dos US$ 850 bilhões), se, como todos sabem, nenhum recurso tem geração espontânea e não brota simplesmente do nada, como num passe de mágica?

Os leitores já adivinharam de onde será tirado tanto dinheiro, não é mesmo? Levando-se em conta que os russos também estão trabalhando em sistema semelhante (embora para consumo externo queiram posar de bonzinhos), com custos certamente em nada inferiores aos dos EUA, concluímos que praticamente a metade de toda a riqueza gerada pela humanidade será empatada nessas engenhocas, cujos resultados práticos ainda são incertos.

Não seria mais sensato, então, destinar insignificante 1% dessa quantia para socorrer, por exemplo, a população etíope, morrendo, literalmente, de fome? Ou para educar quase 50% da humanidade, mergulhada num irreversível analfabetismo? Ou para reduzir os alarmantes índices de mortalidade infantil registrados no Terceiro Mundo?

Há um meio muito mais simples e racional de acabar com o perigo das armas nucleares. Mas esse é lógico demais para seres ilógicos, como provaram ser os homens.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 26 de outubro de 1984).


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