Donos? Do que?
Pedro
J. Bondaczuk
"O homem
concebera-se, por muitos séculos, no centro de um universo limitado no espaço e
no tempo e criado em seu benefício. Imaginara-se habitante, desde a Criação, de
uma Terra imutável no tempo. Construíra-se uma história de poucos milhares de
anos que identificava a humanidade e a civilização às nações do Oriente Próximo
e, depois, à Grécia e Roma. Pensara-se diferente, em essência, dos animais;
senhor do mundo e dono de seus próprios pensamentos. Em breve, no novo século,
ele terá de defrontar-se com a destruição de todas essas certezas, com uma
diversa, menos narcisista mas decerto mais dramática, imagem do homem".
Esta afirmação não é minha (embora concorde, em termos, com ela). É do italiano
Paolo Rossi.
Antes que alguém me
questione, ou que algum desavisado confunda, aviso que a personalidade citada
não é o centroavante da seleção da Itália, carrasco da equipe de Telê Santana
na Copa do Mundo de 1982 na Espanha. Não é, pois, o autor dos três gols da
“Azurra”, naqueles fatídicos 3 a 2, episódio futebolístico que ficou conhecido
como “Desastre do Sarriá” (desastroso para nós, brasileiros, obviamente). Esse
Paolo Rossi não tem nada a ver com futebol. É um filósofo italiano, e dos mais
respeitados, que faleceu recentemente, em 14 de janeiro de 2012.
A citação foi “pinçada”
de seu livro “Os sinais do Tempo”. A obra em questão foi lançada no Brasil pela
Companhia das Letras e pode ser facilmente encontrada em qualquer boa livraria.
Sua abordagem é não apenas pertinente, mas fascinante. Centra-se,
principalmente, em três eixos temáticos: nas histórias da Terra e das nações e
nas teses sobre a origem da linguagem e do pensamento abstrato. Trata-se, como
se vê, de um livro precioso, diria imperdível, que lhe recomendo sem
pestanejar, curioso leitor.
Porventura, o
pensamento do homem contemporâneo mudou, a esse propósito? Entendo que não.
Pelo menos não o da maioria, que ainda pensa que é o “centro do universo”, que
acha que já entende essa misteriosa e monstruosa grandiosidade, convicto que
esta seria restrita, ou seja, limitada no tempo e no espaço. Estaria certo
nesta convicção (ou presunção, como queiram)? Obviamente que não! Em relação ao
universo, somos menos, até, que o menor dos infinitamente pequenos microorganismos.
Estamos limitados em um planeta de dimensões tão ínfimas, que a certa distância
(para nós incomensurável, mas que em termos universais é pequeníssima), é
impossível de ser localizado. É como se sequer existisse.
Estamos submetidos a
fatores aleatórios que, em fração de segundos, podem destruir, sem deixar o
menor vestígio, tudo o que somos e construímos. No entanto... quem pensa nisso?
Quem cogita da própria efemeridade? Quem está consciente, mas consciente de
fato, de que no minuto seguinte pode estar morto? Agimos como se dotados de
vida eterna. Somos arrogantes ao ponto de “achar” que compreendemos este
mistério que se refere à nossa existência, ou seja, ao o que somos, por que
vivemos e onde, de fato, estamos, entre tantos outros questionamentos.
Paolo Rossi, embora em
princípio pareça pessimista aos desavisados, mostra um otimismo incomparável.
Afinal, acredita que o homem (ou seja, cada um de nós) irá mudar seus
paradigmas já neste século e cair na realidade.
Não sou pessimista, mas não creio que isto virá a acontecer. E não só
nesta geração, como em nenhuma outra. Isso se não nos destruirmos antes, ou se
algo além da nossa capacidade de defesa não o fizer em um piscar de olhos.
Rossi, no trecho que selecionei de seu livro, afirma que o homem “pensara-se
diferente, em essência, dos animais, senhor do mundo e dono de seu próprio
pensamento”. O notável filósofo fez essa constatação como se fosse coisa do
passado. Mas é? Essa arrogante convicção foi alterada, posto que minimamente?
Óbvio que não.
O homem contemporâneo,
com todo o acervo de informações que conseguiu reunir, com as facilidades de
transporte e de comunicação que a tecnologia colocou a seu dispor, continua tão
arrogante e insensível como sempre foi. Aliás, é mais, muito mais do que os das
gerações que o antecederam. Não dá a mínima para os animais. Age como se o
mundo fosse só seu e que, por isso, pode fazer com ele o que quiser;
comporta-se como se fosse viver para sempre, sem atentar para o fato de que é
mortal e que no momento seguinte pode estar morto e que horas a seguir começará
a se decompor. Não se preocupa, de fato, sequer com os semelhantes, quanto mais
com outras espécies, com os outros seres vivos.
Pitigrilli traçou um
perfil humano genérico, não de alguém específico, mas do tipo médio, no qual a
maioria se enquadra. Escreveu, no livro "Lições de Amor": "O
homem não é nem anjo, nem fera, ou é ambas as coisas em proporções desiguais. A
beneficência, a moral, a caridade não podem fabricar homens e mulheres ideais.
Devem servir-se daqueles que encontram". Caso o homem mude todas suas
certezas atuais, substituindo-as por “uma diversa, menos narcisista, mas
decerto mais dramática”, como prevê, com extremo otimismo, o filósofo Paolo
Rossi, essa nova imagem será a real? Terá, pelo menos, a mais leve das
proximidades com a verdade? Ou a subjetividade e o preconceito continuarão
determinando seus (na verdade, nossos) julgamentos? Sabe-se lá!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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