Vigor das línguas
Pedro J. Bondaczuk
O povo é quem faz a língua, seja qual for o idioma a que venhamos a
nos referir, para desespero e inveja dos letrados, dos eruditos, dos
doutos e sisudos guardiões do conhecimento e do saber. É ele que
nomeia, de maneira clara, viva e simples, o concreto e o abstrato e
cria verbos de originalidade sem par, nascidos espontaneamente, das
suas necessidades de comunicação no cotidiano.
Tanto isso é verdade que, por exemplo, o português que falamos (e
que tanto admiro e amo por seus recursos e sua expressividade)
originou-se do latim vulgar, o falado pela soldadesca, pelos escravos
e pela plebe de Roma e não do utilizado por seus poetas, filósofos
e oradores. E não somente nosso idioma teve essa origem plebeia, no
modo de se expressar do povo simples e rude, como seus “irmãos”,
o francês, o espanhol, o italiano e o romeno, também tiveram.
Aos eruditos restaram os campos da filosofia, da psicologia, da
psiquiatria, da sociologia, da antropologia e tantos outros, eivados
de jargões, compreensíveis apenas aos iniciados, que criaram, criam
e continuarão criando em profusão. Ler textos dessas
especialidades, sem um dicionário à mão, é o mesmo que tentar
decifrar o sânscrito sem nenhuma noção a respeito ou procurar
entender, sem o ínfimo conhecimento do idioma, páginas escritas em
japonês, árabe ou chinês. São impenetráveis, herméticos,
criptografados, como se escritos de propósito para serem entendidos
por pouquíssimas pessoas. É provável que o sejam, sabe-se lá.
Sempre que o povo cria uma nova gíria, alguma maneira diferente e
pitoresca de identificar determinado objeto, conceito ou ação, a
reação inicial dos gramáticos é a de horror. É a de torcer o
nariz e determinar o veto imediato, a liminar proibição, a
peremptória interdição daquela palavra ou expressão.
Os professores apressam-se em segui-los e corrigem seus alunos que as
utilizem. Consideram errado seu emprego, por exemplo, em provas, o
que influencia nas notas que atribuem aos pupilos e, muitas vezes, os
reprovam por isso, fazendo com que percam um ano inteiro de esforços.
Mas a força do povo é maior, muito maior do que ele próprio possa
sequer suspeitar (os poderosos de plantão sabem seu alcance e, por
isso, esmeram-se em táticas de manipulação, para impedir que as
multidões amorfas se unam em torno de alguma liderança
carismática). A constância do uso popular consagra o que foi antes
vetado pelos gramáticos e, quase sempre a contragosto, estes têm
que se dar por vencidos e acrescentar, o que repudiaram com tamanho
ímpeto e vigor, aos dicionários e à semântica.
Note-se que não é o povo que cria expressões ridículas e
desnecessárias que, estas sim, conspurcam e avacalham o idioma.
Nunca vi, por exemplo, nenhum gari, ou pedreiro, ou faxineiro etc.
utilizar o horrendo “a nível de”, que até recentemente
circulava na boca de ministros, secretários de Estado e
pesquisadores com vasta coleção de diplomas, sempre que tentavam
explicar o que quer que fosse.
Verbos como “alavancar”, “otimizar” e tantas outras
excrescências vocabulares são comuns nos setores de comunicação
das empresas e corporações, mas nunca na boca dos seus operários.
Claro que essas “expressões da moda” não pegam, e jamais serão
incorporadas a nenhum dicionário, pois não emergem das camadas
populares, as verdadeiras artífices dos idiomas. Não tardam a cair
em desuso, substituídas que são por outras tantas asneiras de igual
teor.
O Prêmio Nobel de Literatura de 1921,. Anatole France, escreveu a
respeito: “O povo faz bem às línguas. Fá-las imaginosas e
claras, vivas e expressivas. Se fossem os sábios a fazê-las, elas
seriam baças e pesadas”. Vocês já pensaram se, em nosso
cotidiano, no bate-papo informal com os amigos no fim de tarde, por
exemplo, ou no namoro, na boate, no campo de futebol, no pátio das
escolas nos horários de recreio etc. usássemos a linguagem pesada e
baça dos eruditos?!
As conversas seriam, certamente, de uma chatice abissal.
Consagraríamos bobagens, risíveis e dispensáveis, como o “a
nível de” (que não suporto sequer mencionar, mesmo que para a
ridicularizar), e os tais “alavancar”, “otimizar” e
quejandos, como o suprassumo da perfeição em termos de comunicação.
Não, não e não! Nem pensar! Prefiro a ação do povão,
revigorando, oxigenando, clareando, vivificando e destacando a
selvagem beleza desta “última flor do Lácio, inculta e bela...”
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