Valor do bom conceito
Pedro J. Bondaczuk
A trajetória no poder do
presidente Fernando Collor, de dois anos e meio, completados na
quarta-feira, ressalta a importância do bom conceito de qualquer
pessoa, especialmente quando se trata de um homem público. Essa
importância se multiplica caso se trate do governante do País.
Diz a sabedoria popular que a
fama sobrevive ao seu detentor. Desde que alguém caia no descrédito,
não importa o que ele faça para mudar isso, o que fica é o
conceito firmado. Aliás, é das pessoas mal faladas que surgiu a
expressão "maldito", que hoje tem significado muito mais
forte do que aquele original.
Atualmente, o termo quer dizer
"uma pessoa condenada pela divindade", a exemplo do que
ocorreu a Caim, logo após haver matado seu irmão, que viveu quase
um milênio atormentado pela consciência, ou algo pior.
Quando o presidente foi
eleito, despertou intensas esperanças na sociedade, por diversos
motivos. Por exemplo, era um político jovem, escolhido livremente
nas urnas por 35 milhões de brasileiros, com uma proposta
moralizante e modernizadora.
O encanto, contudo, começou a
ser quebrado logo no dia seguinte ao da posse, quando do confisco da
poupança. Ainda assim, os níveis de popularidade de Collor
permaneceram altos, com boa parte da população, embora repudiando o
bloqueio de suas economias pessoais, dando um crédito de confiança
ao seu eleito, depois de 30 anos sem exercer essa prerrogativa, a de
votar para a Presidência.
O pretenso "caçador de
marajás", que prometia matar o "tigre da inflação"
com um único e certeiro tiro, se perdeu entre os meandros do poder.
Cometeu desmandos e destemperos. Não tardou muito para que os
primeiros escândalos aparecessem.
Nenhum deles, todavia,
envolvia a figura do presidente ou a colocavam em suspeição. Quando
muito, criticava-se o seu critério de escolha de auxiliares (ou
falta dele). Todavia, não passava nem de leve pela cabeça até do
seu mais ferrenho adversário que Collor estivesse, de alguma forma,
metido nas falcatruas que desfilavam diariamente pelas manchetes.
Muito pelo contrário, a
opinião pública estava segura de que o presidente tomaria as
devidas providências para punir os culpados. E ele agiu, trocando
ministros, afastando funcionários sobre os quais pesavam suspeitas,
buscando substitutos de consenso. Convenceu, em parte, pelo menos os
que o elegeram.
Todavia, depois da Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre o caso PC Farias, tudo mudou. Foi uma
ducha gelada sobre a cabeça daqueles que confiavam no político
moço, com uma proposta moralizadora e modernizante, que vendia
energia e vigor.
Hoje, sequer é necessário
fazer qualquer pesquisa de opinião para saber o que o povo pensa do
seu presidente. Seu conceito, no prazo de um único mês, sofreu
profunda e irreparável erosão. Pode até ser --- embora pareça
improvável --- que Collor seja, de fato, inocente de envolvimento no
escândalo de tráfico de influências e outros delitos.
É até possível que a
história um dia resgate o seu prestígio. Todavia agora, neste
momento, é praticamente consenso nacional que o jovem político só
tem uma saída honrosa para não passar pela humilhação do
impeachment: a renúncia e, quanto antes, melhor.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de setembro de 1992).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment