Leitura às avessas
Pedro J. Bondaczuk
O universo, com sua
incomensurável vastidão – tão grande que a mente humana sequer
consegue conceber tamanha grandeza – e esta poeirinha cósmica no
espaço, que é nossa Terra, rigorosamente invisível na comparação
com o gigantismo universal, mas que para nós, seus habitantes, se
nos afigura imensa, além de tudo o que nos cerca, se constituem em
um insondável mistério. Não me furto de sorrir diante da
arrogância dos cientistas que acham que conhecem tudo isso,
arriscam-se, até, a determinar, não somente seu tamanho, como forma
e limite, além de “explicarem”, com ares de entendidos, seu
complexo funcionamento. Não conhecem.
Formulam especulações,
hipóteses e teorias, e logo dão a entender que são “leis”,
rigorosas, exatas, inflexíveis e incontestáveis. Ainda assim,
admiro sua capacidade de tentar explicar o que, minha intuição diz,
é inexplicável. Tudo o que nos cerca, inclusive nós, somos um
intrincado e nebuloso mistério. É impossível conhecer, posto que
razoavelmente, tudo isso, com os escassos meios de observação com
que contamos.
E por que carecemos de
compreensão? Por infinitas razões. Uma delas é a exposta pelo
poeta indiano Rabindranath Tagore, nestes inspirados versos: “Lemos
o mundo às avessas e queixamo-nos de não o compreender”. E como é
“lê-lo” de modo correto? Claro que não sei. Se soubesse, não
seria este simples jornalista e projeto de escritor, mas seria o
gênio dos gênios, o guru não apenas desta, mas de todas as
gerações que vierem (se é que virão) a me suceder.
Uma das coisas que nós,
únicos seres racionais e pensantes da natureza, pelo menos deste
obscuro recanto do universo (creio na existência de trilhões, quiçá
quatrilhões ou dez vezes isso em outras partes dessa absurda
imensidão) ainda não aprendemos a valorizar o que possibilita nossa
existência, nosso raciocínio, nossos sonhos, fé, esperanças,
ações etc.: a vida. Vivemos fantasiando outras dimensões, que não
esta, numa suposta condição imaterial. Provavelmente, isso não
passa, mesmo, de fantasia. Claro que não garanto. Vá se saber!! E
se isso consola as pessoas, tudo bem. Que acreditem. Mas que não
coloquem essa crença como dogma, como algo comprovável.
Recorro, mais uma vez, a um
célebre poema de Tagore para, de novo, concordar com ele, quando
afirma: “A vida revela-se ao mundo como uma alegria. Há alegria no
jogo eternamente variado dos seus matizes, na música das suas vozes,
na dança dos seus movimentos”. Engraçado, muitos não entendem
assim Não é dessa forma que a maioria das pessoas a encara. Ela é
vista como sucessão de dores, sofrimentos e desgastes, como uma
forma de expiação por suposto “pecado original” dos nossos
primeiros ancestrais. Para os religiosos (e de inúmeras religiões)
a vida é apenas necessária passagem para hipotética eternidade da
“alma”. Quem, todavia, pode comprovar que isso tenha o mínimo
fundo de verdade? Ninguém! Absolutamente ninguém!
Suponho que não encaramos a
morte na sua real condição. Ao morrermos, não nos extinguimos,
como estamos convictos, nos transformamos. Em seres imateriais?
Talvez! Afinal, “na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se
transforma”. O cientista alemão Werner Von Braun, “pai” do
projeto Apolo, que colocou os Estados Unidos na vanguarda na corrida
espacial, sentenciou, com a objetividade do homem de ciências: “A
natureza desconhece a extinção. Só conhece a transformação”. É
possível que num tempo incontável (que pode ser de milênios ou,
até mesmo, de dias), nossa espécie desapareça da Terra, e sem
deixar o menor vestígio. Tudo indica que estamos caminhando para
isso.
Tal evento, todavia, não
alterará em nada o curso do universo. Nosso planeta um dia deixará
de existir, engolido pelo sol, quando este iniciar seu processo de
expansão antes de explodir. Essa estrelinha de quinta grandeza, que
nos dá vida e sustentação, também um dia haverá de esgotar todo
o seu combustível e desaparecer. Ainda assim, o universo,
caracterizado por contínua construção (de galáxias, estrelas e
planetas) e destruição seguirá seu curso, sempre se transformando.
Isso não é fantasia que dependa de quem a engendre.
Uma das melhores observações
que já li a esse propósito foi feita por um economista e não um
cientista (físico, astrônomo ou de outra disciplina qualquer),
Geraldo de Camargo Vidigal. Ele escreveu, na introdução do seu
livro “Teoria Geral do Direito Econômico”: “Participamos de um
universo em permanente devir. Os movimentos internos de nossas
células, os impulsos pelos quais nos comandamos, os registros que
acumulamos em nossas memórias, o processamento, em nossa
inteligência e em nossa imaginação, dos dados que dia a dia vamos
registrando – são fluxos de devir nunca interrompidos, aos quais
correspondem, no mundo exterior, o incessante movimento de átomos e
o implacável desenvolvimento de energias que vão, a cada instante,
alterando o caleidoscópio de um universo apreendido sob categorias
de tempo em permanente marcha, de espaço em constante reorganização.
No plano biológico, o não-devir corresponderia à inexistência de
vida. No plano físico, à ausência de som, de luz, de gravidade ou
magnetismo, de qualquer ondulação ou impulso, de quaisquer forças,
energias ou movimento”. E não está certo? Pelo menos, “se non
é vero é ben trovato”.
Valorizemos a vida, que é
experiência única e sem reprise. Se lhe dá consolo, não há mal
nenhum em acreditar em outra existência, incorpórea, espiritual e,
sobretudo, eterna. Só não se pode abrir mão desta, terrena, frágil
e efêmera, mesmo acreditando em uma futura, de gozo e de perfeição.
Érico Veríssimo escreveu, em seu romance “Olhai os lírios do
campo”, um de seus livros, no meu entender, mais reflexivos e
profundos, na página 255, parágrafo 5 do capítulo 21: “Pensemos
apenas nisto: não fomos consultados para vir para este mundo e não
seremos consultados quando tivermos de partir. Isto dá bem a medida
da nossa importância material na Terra. Mas deve ser um elemento de
consolo e não de desespero”. Porquanto, como Henrik Ibsen escreveu
em uma de suas peças, colocando a afirmação na boca de um dos
personagens: “Viver é combater contra os seres fantásticos que
nascem nas câmaras secretas de nosso coração e de nosso cérebro”.
Combatamo-los, pois, e sem tréguas.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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