Monday, October 09, 2017

Crise vem de longa data


Pedro J. Bondaczuk


"O que me amedronta é a míngua de ideal que nos abate. Sem ideal, não há nobreza de alma, não há desinteresse, sem desinteresse, não há coesão; sem coesão, não há pátria. Uma onda desmoralizadora de desânimo avassala todas as almas".

De quem é essa afirmação acerca da crise política, econômica, social e principalmente moral do Brasil? E esta?: "Nos rudes sertões, os homens não são brasileiros, nem ao menos são verdadeiros homens: sem viventes sem alma criadora e livre, como as feras, como os insetos, como as árvores. A maior extensão do território está povoada de analfabetos; a instrução primária, entregue ao poder dos governos locais, é, muitas vezes, apenas uma das rodas da engrenagem eleitoral de campanário, um dos instrumentos da maroteira política".

Seriam trechos do discurso de algum político de oposição ou líder sindicalista? Teriam sido extraídos de editorial de algum jornal? Conteriam observações de algum dos tantos banqueiros internacionais que vêm nos ditar regras e criticar nosso modo de ser?

Não! Os conceitos expressos acima integram um discurso que Olavo Bilac pronunciou em 9 de outubro de 1915, portanto há 77 anos, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Pela atualidade do tema, porém, os trechos transcritos poderiam integrar algum pronunciamento de hoje, ou de amanhã, ou do mês que vem.

Passadas quase oito décadas, o País em nada mudou no que diz respeito à coesão social, à injustiça para com a maioria dos cidadãos --- os imensos continentes de miséria cercando minúsculas ilhas de prosperidade --- e ao desamparo desse povo sofrido, desesperançado e que atravessa outra de suas cíclicas crises de ausência (ou redução) de autoestima.

O grande mal nacional foi sempre esperar por soluções "milagrosas", vindas do alto para baixo. Foi o fato das pessoas, na maioria das vezes de forma até inconsciente, abrirem mão de sua cidadania, do seu direito de protestar, de sugerir, de intervir, de propor e principalmente de agir na condução dos negócios de Estado.

Quantos brasileiros, dos 145 milhões de habitantes que o País possui, têm condições de consumir? O mercado interno é estimado por volta de 21 milhões de consumidores. E os demais? Cerca de 80% ganham a indecência de um salário mínimo por mês, que, teoricamente, deveria suprir suas necessidades de moradia, alimentação, transporte, educação, saúde, higiene e lazer, entre outras.

Isto, convenhamos, somente seria possível se este bando crescente de "descamisados" tivesse o dom de fazer o milagre da multiplicação. Os cerca de 12 milhões de aposentados e pensionistas, por seu turno, são tratados com extremo desrespeito, depois de terem gerado riquezas para os outros no correr de quase toda uma vida. Também não integram o mercado, portanto. Muito menos os 7,3 milhões de menores abandonados, caçados e abatidos como animais nas ruas das grandes cidades.

Era assim em 1915, quando Olavo Bilac fez o discurso transcrito no início destas considerações. Continua da mesma forma agora, quase na virada do século XXI. E continuará da mesma maneira enquanto os brasileiros não decidirem assumir sua cidadania.

Para encerrar, nada melhor do que o conselho do publicitário Luís Sales: "Para nós, no Brasil de hoje, vivendo um especial momento de dúvidas e incertezas, de urgências e emergências, a reflexão mais lúcida talvez seja aquela capaz de nos convencer de que não temos mais direito a insistir no erro apaixonado, na neurose política com todas as libidos da cólera contestadora".

(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 26 de janeiro de 1992).



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