Crise vem de longa data
Pedro J. Bondaczuk
"O que me amedronta é a
míngua de ideal que nos abate. Sem ideal, não há nobreza de alma,
não há desinteresse, sem desinteresse, não há coesão; sem
coesão, não há pátria. Uma onda desmoralizadora de desânimo
avassala todas as almas".
De quem é essa afirmação
acerca da crise política, econômica, social e principalmente moral
do Brasil? E esta?: "Nos rudes sertões, os homens não são
brasileiros, nem ao menos são verdadeiros homens: sem viventes sem
alma criadora e livre, como as feras, como os insetos, como as
árvores. A maior extensão do território está povoada de
analfabetos; a instrução primária, entregue ao poder dos governos
locais, é, muitas vezes, apenas uma das rodas da engrenagem
eleitoral de campanário, um dos instrumentos da maroteira política".
Seriam trechos do discurso de
algum político de oposição ou líder sindicalista? Teriam sido
extraídos de editorial de algum jornal? Conteriam observações de
algum dos tantos banqueiros internacionais que vêm nos ditar regras
e criticar nosso modo de ser?
Não! Os conceitos expressos
acima integram um discurso que Olavo Bilac pronunciou em 9 de outubro
de 1915, portanto há 77 anos, na Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco, em São Paulo. Pela atualidade do tema, porém, os
trechos transcritos poderiam integrar algum pronunciamento de hoje,
ou de amanhã, ou do mês que vem.
Passadas quase oito décadas,
o País em nada mudou no que diz respeito à coesão social, à
injustiça para com a maioria dos cidadãos --- os imensos
continentes de miséria cercando minúsculas ilhas de prosperidade
--- e ao desamparo desse povo sofrido, desesperançado e que
atravessa outra de suas cíclicas crises de ausência (ou redução)
de autoestima.
O grande mal nacional foi
sempre esperar por soluções "milagrosas", vindas do alto
para baixo. Foi o fato das pessoas, na maioria das vezes de forma até
inconsciente, abrirem mão de sua cidadania, do seu direito de
protestar, de sugerir, de intervir, de propor e principalmente de
agir na condução dos negócios de Estado.
Quantos brasileiros, dos 145
milhões de habitantes que o País possui, têm condições de
consumir? O mercado interno é estimado por volta de 21 milhões de
consumidores. E os demais? Cerca de 80% ganham a indecência de um
salário mínimo por mês, que, teoricamente, deveria suprir suas
necessidades de moradia, alimentação, transporte, educação,
saúde, higiene e lazer, entre outras.
Isto, convenhamos, somente
seria possível se este bando crescente de "descamisados"
tivesse o dom de fazer o milagre da multiplicação. Os cerca de 12
milhões de aposentados e pensionistas, por seu turno, são tratados
com extremo desrespeito, depois de terem gerado riquezas para os
outros no correr de quase toda uma vida. Também não integram o
mercado, portanto. Muito menos os 7,3 milhões de menores
abandonados, caçados e abatidos como animais nas ruas das grandes
cidades.
Era assim em 1915, quando
Olavo Bilac fez o discurso transcrito no início destas
considerações. Continua da mesma forma agora, quase na virada do
século XXI. E continuará da mesma maneira enquanto os brasileiros
não decidirem assumir sua cidadania.
Para encerrar, nada melhor do
que o conselho do publicitário Luís Sales: "Para nós, no
Brasil de hoje, vivendo um especial momento de dúvidas e incertezas,
de urgências e emergências, a reflexão mais lúcida talvez seja
aquela capaz de nos convencer de que não temos mais direito a
insistir no erro apaixonado, na neurose política com todas as
libidos da cólera contestadora".
(Artigo publicado na página
3, Opinião, do Correio Popular, em 26 de janeiro de 1992).
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