Pés no chão
Pedro J. Bondaczuk
Os “pés”, com os quais
deveríamos caminhar sobre a Terra e justificar plenamente nossa
condição de seres racionais, únicos animais com capacidade de
julgamento e entendimento dos nossos atos, são a fé e um profundo
senso de valores. Bem ou mal, foram estas as características que
permitiram o surgimento desse ainda pálido e caricato arremedo de
civilização que, convenhamos, é muito melhor do que a absoluta
barbárie.
Alguns dos valores mais
conhecidos e ostentados pelas pessoas são mal-compreendidos e, por
isso, efetivamente pouco exercitados. Exemplo? A solidariedade.
Sermos solidários com alguém não significa, somente, entendermos
seus fracassos e aflições e lhe manifestarmos nosso apoio formal.
Isso pode, até, trazer-lhe algum conforto, mas não resolverá sua
situação. Seremos, de fato, solidários apenas se fizermos algo
prático, se lhe prestarmos o máximo de ajuda que nos for possível,
para que esse indivíduo reverta seu insucesso ou se livre do que o
aflige.
Outro valor amiúde citado,
mas pouco entendido, é a justiça. Pensamos nela somente em termos
de punição a alguém que infrinja alguma norma legal e/ou moral.
Raramente, todavia, cogitamos em premiar, de alguma forma, os méritos
e as ações positivas alheios. Quando agimos assim, óbvio, não
estamos sendo justos (mesmo que estejamos convictos que sim).
Outros tantos valores, como
liberdade, altruísmo, piedade, ética etc. são amiúde poluídos e
distorcidos por discursos maravilhosos e por mera retórica sem
conteúdo, deixando de gerar, por conseqüência, os efeitos
benéficos que deles se espera. Praticarmos benemerência, por
exemplo, acompanhada de farta divulgação do nosso ato, não
caracteriza, propriamente, um ato altruístico, mas se constitui em
mera propaganda pessoal.
Sentirmos dó de alguma
pessoa, por sua fraqueza, ou por suas carências (materiais e/ou
espirituais) ou, pior, por sua absoluta indigência, não somente não
é o sublime valor da piedade, como descamba para a soberba, que
humilha o destinatário dessa atitude e, claro, multiplica seus
sofrimentos. Constitui-se em suprema crueldade! Muitos agem assim sem
nem mesmo se darem conta e julgam-se virtuosos. Evidentemente, não
são!
Não basta, no entanto, nos
restringirmos a cultivar valores. Precisamos disseminá-los,
popularizá-los, transformá-los em rotina na vida cotidiana não
apenas da nossa família, mas de toda a sociedade. Quanto mais
pessoas cultivarem-nos e, sobretudo, os praticarem, maior será a
evolução social de uma comunidade, de um povo, de uma nação e,
por extensão, do mundo.
Temos a obrigação de
instruir as novas gerações nesse aspecto. Trata-se da única
fórmula que irá garantir a evolução mental e espiritual da
espécie e distanciá-la, mais e mais, da sua animalidade latente,
aproximando-a, por conseqüência, da divindade.
É com esses “pés” que
devemos caminhar sobre a Terra. Esta é a nossa principal missão. Ou
seja, a de sermos, em termos de cultivo e de prática de valores,
melhores do que as gerações que nos antecederam.
Concordo, pois, plenamente,
com o que afirma o humanista Daisaku Ikeda, em seu livro “Vida, um
enigma, uma jóia preciosa”: “As fundações da existência
humana são a fé e o senso dos valores. Somente participando na
construção desses alicerces é que uma vida pode enfrentar os
julgamentos a que estão sujeitos os seres humanos e gozar de
completa paz e tranqüilidade. Num sentido muito realístico, habitar
a Terra significa "ter os pés no chão"“.
Convenhamos, com a cabeça
voltada para as três maiores ilusões que existem, glória, poder e
fortuna, a humanidade não os tem. Daí o mundo ser este “vale de
lágrimas”, com tanto sofrimento, violência, cupidez, aberrações
e dor.
Enquanto o homem não aprender
a “habitar a Terra”, no sentido lato, não passará de animal,
com ligeiro verniz de civilização que lhe é conferido por este
instrumento poderoso e nobre (que ele pouco utiliza): a razão.
Caminhemos, portanto, com os
“pés” corretos e adequados (os da fé e dos valores) por este
miraculoso planeta. Pisemos, hoje e sempre, com confiança o solo de
uma nova realidade, a que viermos a construir com nosso talento,
habilidade e aquilo que nos faz “semelhantes” (posto que jamais
iguais) a Deus: a plena racionalidade.
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