Monday, October 16, 2017

Aos mestres, com carinho



Pedro J. Bondaczuk


O escritor H. G. Wells, autor, entre tantas outras obras, do célebre romance de ficção científica "Guerra dos Mundos", afirmou, em um de seus tantos textos, que "a história da humanidade é mais uma competição entre a educação e a catástrofe". Em períodos, (e em países), em que multidões ficam privadas desse supremo bem do espírito, a barbárie, a violência e a ignorância prevalecem. O processo civilizatório, por conseqüência, estagna, quando não sofre enormes e perigosos retrocessos.

Poucos personagens em nossa vida têm importância maior e mais decisiva do que os nossos professores. São eles que na verdade moldam o nosso caráter e direcionam nossas vocações. Uns nos influenciam mais do que outros, o que é normal. Mas todos têm o seu quinhão, a sua parcela de contribuição, por ínfima que seja, na nossa formação profissional e humana.

Raros de nós, no entanto, reconhecemos (ao menos publicamente), essa influência, fundamental e decisiva. Se alcançamos os objetivos a que nos propusemos, se logramos realizar os nossos sonhos e nos tornamos figuras de destaque no contexto social, atribuímos o êxito apenas à nossa suposta capacidade mental, à nossa pretensa acuidade intelectual e/ou aos nossos consolidados valores morais. Se fracassamos, a tendência é procurarmos culpados para os fracassos e mazelas. E, em geral, encontramos muitos.

Faço questão, no entanto, de reconhecer, de público, a benfazeja influência dos professores que tive na determinação daquilo que hoje sou. O pequeno e relativo sucesso que obtive (só não consegui mais em virtude das minhas limitações e defeitos), devo aos mestres que me guiaram os primeiros passos em direção ao saber. Lembro-me de todos, de cada um deles, seja de que curso ou escola que tenha freqüentado, desde as humildes e abnegadas professorinhas do primário ( Dona Helena e Dona Ester Freeman), aos ilustres e doutos catedráticos que tive na universidade.

Cada um moldou um pouco desta "estátua", que eu sou – um órgão, uma característica particular, um detalhe, por imperceptível que pareça. No aspecto intelectual, portanto, todos somos uma espécie de composição coletiva, de vários "artistas", muitos dos quais sequer se conhecem e que, no entanto, não "assinam" a obra. É uma pena. E principalmente uma enorme injustiça.

Entre meus mestres, um teve influência um pouquinho maior do que os outros na determinação do meu rumo profissional. Trata-se do professor Eduardo Portela, que lecionou Português no terceiro científico (atual curso colegial), no Colégio Ateneu-Cesário Motta, quando as duas tradicionais instituições campineiras se fundiram, em 1966, antes de fecharem suas portas. Se hoje sou jornalista e se me aventuro, com relativo sucesso, pelos intrincados e obscuros meandros da literatura, muito devo aos seus lúcidos ensinamentos.

Sua extraordinária didática e sua maneira de despertar o interesse dos alunos para que, não somente tolerassem, mas até apreciassem tão complexa e complicada matéria, fizeram fama na cidade, na época. Como eu, certamente a maioria dos meus colegas de classe tinham (e devem ter ainda) a mesma apreciação (e disfarçada veneração), por esse mestre. Tanto que, na ocasião, ele era o professor mais popular da escola.

Pudera! Carioca, sempre bem-humorado, capaz de entender a rebeldia de alguns e de direcioná-la para atitudes criativas (todo escritor, no fundo, é um rebelde), e de acabar com a apatia de muitos, que encaravam os estudos como enfadonha obrigação e não como privilégio, fazia de cada uma das suas inesquecíveis aulas, mesmo nos dias de provas de avaliação, um "show" de cultura e de bom gosto.

O programa de Português do último ano do científico, na ocasião, centralizava-se em noções de literatura portuguesa. Eram aulas bastante teóricas, abordando a história das várias escolas literárias, que todo o mundo reclamava. O professor Portela, no entanto, decidiu inovar. Ensinou-nos preciosas lições de estilo, enfatizando as virtudes e os vícios de linguagem de cada um de nós, contribuindo para que os eliminássemos. E, o que era o melhor, as aulas eram todas práticas. Teoria, nem pensar. Essa estudávamos em casa, nos livros que ele que nos recomendava. Nós, alunos, aprendemos, portanto, a escrever da melhor forma que existe: "escrevendo".

Na figura do professor Portela rendo, com carinho, singelas e comovidas homenagens, num preito de profunda gratidão, a todos os mestres do mundo, criaturas abnegadas, pacientes e preciosas, que mesmo no anonimato, não valorizadas devidamente pela sociedade, à qual servem tão bem, contribuem, no seu dia a dia, para que a humanidade fique, nem que seja só um pouquinho, mais distante da catástrofe, que é fruto da ignorância. Idel Becker escreveu: "Duas pessoas olham para fora através da mesma janela: uma vê o pântano e a outra as estrelas". Esta outra, estejam certos, é o professor.


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