À margem da edição
Pedro J. Bondaczuk
O
artista é o sujeito que lança mão apenas da imaginação para
criar obras nascidas exclusivamente da sua fantasia. Já o cientista
se atém ao concreto, ao comprovável, àquilo que pode ser
racionalizado e repetido quantas vezes se desejar, desde que certas
regras sejam rigorosamente respeitadas, certo? Errado!
O
que entendemos por ciência não é mais do que fruto da especulação.
O que hoje é tido como dogma incontestável, amanhã pode estar
totalmente ultrapassado por novas "descobertas", que por
sua vez talvez sejam superadas por outras, e mais outras e mais
outras, em um número de vezes que pode se perder no infinito.
O
artista, porém, e em especial o poeta (mas também o cronista, o
contista, o romancista, o ensaísta etc.) desenvolve, com anos de
exercício, a aptidão de explorar sutilmente o subconsciente à cata
de emoções que lhe sirvam de matéria-prima para maravilhosas obras
de arte. Sons, imagens, odores, sensações agradáveis ditadas pelos
cinco sentidos, são transformados por esses criadores (que valorizam
e dão nobreza à vida humana) em melodias, telas, esculturas,
palavras que formam metáforas bem ajustadas e harmoniosas. Com o
talento de que são dotados, nos transmitem suas emoções, às quais
agregamos as nossas, ditadas por nossa própria experiência pessoal.
Todos
temos, a rigor, em nós, um artista adormecido, embora muitas vezes
não pareça que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor
natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais
importantes, mais "sérias" e que, na verdade, quando
submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas,
triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá
dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele
verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência.
Esse
imenso preâmbulo, esse enorme “nariz de cera” (e aí está a
vantagem de redigir um texto não-jornalístico) vem a propósito de
abordar a experiência singular que tenho o privilégio de viver, há
já onze anos e meio,
de ser o editor do Literário, sábia criação da direção do
Comunique-se, que em
2009 ganhou “casa própria” e que abre
espaço diariamente
a jornalistas e
escritores de todo o
País para que mostrem outro lado do seu talento: os
jornalistas, de
escritores e os
escritores, de jornalistas.
Ou seja, ambos,
o de artistas que
enxergam além da realidade e “criam” um mundo, paralelo ao real,
mas que extrapola a realidade, pintado com as tintas do imaginário.
Quando
fui convidado a assumir essa tarefa, de tamanha responsabilidade,
assustei-me. Embora com décadas “de janela”, como editor, e uma
“quilometragem” imensa em literatura, como leitor e produtor de
textos (que ascendem a dezenas de milhares), cheguei a duvidar que
fosse capaz de encarar tamanho desafio. Antes de responder ao
convite, resolvi consultar colegas jornalistas e amigos que considero
de muito bom-senso sobre se deveria, ou não, aceitar a proposta.
A
tônica geral dos comentários foi esta: “Sai dessa, Pedrão!
Imagina! Jornalista não sabe escrever, a não ser utilizando
fórmulas preestabelecidas, preso que está aos tais manuais de
redação. Além disso, está acostumado a sempre ver só o lado
ruim, vicioso e corrupto da vida. Jornalistas são pessimistas por
natureza. Veem catástrofes medonhas em tudo, até numa simples queda
de bicicleta!”. Apesar dessas “recomendações”, decidi seguir
meus instintos e encarar o desafio. E, para minha felicidade,
constato que meus conselheiros estavam redondamente enganados!
Generalizaram e descambaram para a burrice. Deveriam atentar para o
que disse Nelson Rodrigues, ao constatar que “toda generalização
é burra!”. E como é.
Editei
e encaminhei para publicação, nesse período, mais de 20 mil
textos. A grande maioria constituída de trabalhos excepcionais, e em
praticamente todos os gêneros: crônicas, ensaios, poesias, peças
teatrais, contos e até um romance inteiro, publicado em capítulos
semanais. O leitor do Literário, portanto, tem o privilégio do
acesso a textos de altíssima qualidade literária (basta acessar os
arquivos para verificar que não exagero) e de graça. Boa parte,
frise-se, obras de jornalistas!
Recebo,
semanalmente, por volta de uma centena de colaborações, de todo o
País, cada uma melhor do que a outra. Até o momento, um percentual
baixíssimo, coisa em torno de menos de 10%, foi recusado, por “falta
de qualidade literária”. Claro que alguns textos precisaram ser
editados, para corrigir alguns erros – notadamente de estilo,
caracterizado, principalmente, pela mistura de tratamento “tu” e
“você” e alguns de concordância, de pontuação, de acentuação
e de crase – antes de serem programados para publicação. Afinal,
esta é a principal tarefa do editor (posto que não a única), não
é mesmo?
Houve
quem reclamasse das mudanças efetuadas no que escreveram, o que me
deixou pasmo. Como jornalistas, essas pessoas deveriam saber que nos
grandes jornais, raramente, são publicadas matérias rigorosamente
como são escritas. Nas editoras, livros passam, via de regra, por
profundas revisões. Se fossem divulgados exatamente como são
redigidos... seria um Deus nos acuda! Tanto os redatores, quanto os
editores, em pouco tempo, seriam demitidos! Os textos são
submetidos, sempre, invariavelmente, a um copydesk, para se adequarem
tanto ao espaço que o editor dispõe, quanto à qualidade exigida.
Mas foram poucos, pouquíssimos, mínimos, os problemas dessa ordem.
Só
tenho uma queixa, nesses onze anos e meio em que tenho o privilégio
de ser o editor do “Literário”: a pequena quantidade de
comentários nos textos postados. Afinal, a melhor característica da
internet é a possibilidade de se estabelecer interatividade entre
autor e leitor. Mais do que isso, porém, fico furioso, possesso até,
quando algum participante desse espaço é tratado de forma
desrespeitosa. Quem tem acesso a essas obras deveria, isto sim, se
conscientizar do privilégio que tem. Afinal, recebe, absolutamente
de graça, produções de alta qualidade que, de outra forma, teria
que pagar (e muito) para poder ler.
A
grande maioria dos participantes é de escritores consagrados e,
simultaneamente, jornalistas vencedores. São pessoas que,
generosamente, “doam” a quem quiser o fruto do seu talento. O
mínimo que merecem, portanto, é respeito. Claro que críticas bem
fundamentadas e comentários educados são sempre bem-vindos. Servem
como balizadores, como referenciais, como parâmetros para os
autores. Fico frustradíssimo quando algum texto meu passa em
“brancas nuvens”. Minha decepção, porém, é maior, muitíssimo
maior quando os dos nossos ilustres colunistas, e dos nossos
generosos colaboradores, não são comentados.
Noam
Chomsky constatou, em um artigo publicado há algum tempo nos Estados
Unidos, que “um
grande escritor ou pensador pode modificar o caráter da língua e
enriquecer seus meios de expressão sem afetar a estrutura
gramatical”. É isso que aqueles que dão vida ao Literário fazem.
Ou seja, modificam (para melhor, claro) o caráter do idioma e
enriquecem os meios de expressão com o seu talento, sua
inteligência, sua percepção e, sobretudo, sua generosidade. Por
isso, merecem todo o nosso prestígio e nossa total consideração,
se não nossa comovida gratidão!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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