Realismo na Constituinte
Pedro J. Bondaczuk
A proposta
para a instituição, no Brasil, do sistema de governo
parlamentarista, quer ele seja o modelo clássico, como adotado na
maioria das democracias europeias (Grã-Bretanha, Portugal, Espanha,
Itália, Alemanha Ocidental, etc.), onde o presidente (ou o monarca,
quando é o caso) tem um papel meramente protocolar; quer o chamado
“misto” (como na França), é um tanto romântica, para não
dizer irreal.
Para
que essa forma de condução dos negócios do Estado funcione a
contento, se pressupõe, em primeiro lugar, a existência de partidos
políticos fortes, com pelo menos alguma tradição, programa e
filosofia e que contem com a estrita fidelidade de seus integrantes.
E
o País precisa estar apto a exercer o jogo democrático sem farsas,
burlas e nem “mágicas”. A manifestação da vontade popular nas
urnas deve ser soberana e sobretudo livre. Mas não é o que acontece
entre nós.
Nós
pecamos já no primeiro dos pressupostos. Nossas agremiações
políticas, é lamentável constatar, não passam de meras siglas,
que abrigam toda a sorte de pensamentos, e de interesses, os mais
heterodoxos possíveis.
O
exemplo mais típico disso é o PMDB (embora não seja o único, mas
que apareça mais, pela sua dimensão), que acolhe a toda a gama
ideológica atual, desde extremistas de esquerda e de direita, aos
centristas de diversos graus de pendência para um e outro lado do
espectro ideológico.
Quanto
à fidelidade partidária, como se pode falar dela, quando nem o
atual presidente da República, que presidiu por muito tempo o PDS, a
manteve, passando para o outro lado, ao sabor das conveniências?
Imagine
o leitor o seguinte. Um dos 29 partidos que o País tem na atualidade
vence uma eleição geral, por maioria absoluta de votos (que teriam
que ser distritais, necessariamente), como aconteceu com os
peemedebistas em 1986, por exemplo. Com isso, teria condições de
indicar o primeiro-ministro e compor todo o gabinete.
Teoricamente,
manteria intacto um mandato completo de cinco anos, sem
possibilidades de nenhuma moção de censura, que dissolvesse o
governo e implicasse na convocação antecipada de nova votação.
Isto, porém, ocorreria entre nós?
Veja-se
o que acontece hoje com o Centrão, que é composto em boa parte por
parlamentares do PMDB, mas que se opõem ao anteprojeto
constitucional aprovado pela Comissão de Sistematização da
Assembleia Constituinte, integrada por gente desse partido em sua
maioria, e presidida por um deputado de sua bancada: Bernardo Cabral.
A
um simples ato do gabinete que contrariasse os interesses de fulano,
sicrano ou beltrano, o contrariado, sem dúvida nenhuma, aderiria à
oposição para censurar o governo do seu próprio partido. E seriam
quedas após quedas de gabinetes. Eleições sobre eleições
antecipadas. E tudo a que preço? Quem pagaria essa conta pelo
“privilégio” de votar quase que a todos os meses?
Os
defensores do parlamentarismo podem contra-argumentar com o exemplo
da Itália, que somente no pós-guerra já elegeu e empossou 46
gabinetes e nem por isso deixou de ser uma democracia estável, com
uma economia das mais prósperas do mundo.
Ocorre
que ali os partidos têm tradições. E os parlamentares não ficam
trocando de siglas, como a gente troca de camisa. E, por outro lado,
é impossível de se comparar a situação econômica italiana, cujo
país está incluído entre os sete mais industrializados do mundo
ocidental, com a nossa, praticamente falida e penhorada com o
Exterior.
Por
isso, seria prudente que os constituintes esquecessem um pouco do seu
romantismo e atuassem com os pés plantados no solo da realidade. Que
não ficassem inventando modas (de fantasias já estamos fartos)
sabendo que num prazo muito curto, esse aventureirismo poderá
redundar em alteração (provavelmente traumática) dessa ordem
institucional artificiosa.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 16 de
janeiro de 1988).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment