Wednesday, October 25, 2017

Realismo na Constituinte



Pedro J. Bondaczuk



A proposta para a instituição, no Brasil, do sistema de governo parlamentarista, quer ele seja o modelo clássico, como adotado na maioria das democracias europeias (Grã-Bretanha, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha Ocidental, etc.), onde o presidente (ou o monarca, quando é o caso) tem um papel meramente protocolar; quer o chamado “misto” (como na França), é um tanto romântica, para não dizer irreal.

Para que essa forma de condução dos negócios do Estado funcione a contento, se pressupõe, em primeiro lugar, a existência de partidos políticos fortes, com pelo menos alguma tradição, programa e filosofia e que contem com a estrita fidelidade de seus integrantes.

E o País precisa estar apto a exercer o jogo democrático sem farsas, burlas e nem “mágicas”. A manifestação da vontade popular nas urnas deve ser soberana e sobretudo livre. Mas não é o que acontece entre nós.

Nós pecamos já no primeiro dos pressupostos. Nossas agremiações políticas, é lamentável constatar, não passam de meras siglas, que abrigam toda a sorte de pensamentos, e de interesses, os mais heterodoxos possíveis.

O exemplo mais típico disso é o PMDB (embora não seja o único, mas que apareça mais, pela sua dimensão), que acolhe a toda a gama ideológica atual, desde extremistas de esquerda e de direita, aos centristas de diversos graus de pendência para um e outro lado do espectro ideológico.

Quanto à fidelidade partidária, como se pode falar dela, quando nem o atual presidente da República, que presidiu por muito tempo o PDS, a manteve, passando para o outro lado, ao sabor das conveniências?

Imagine o leitor o seguinte. Um dos 29 partidos que o País tem na atualidade vence uma eleição geral, por maioria absoluta de votos (que teriam que ser distritais, necessariamente), como aconteceu com os peemedebistas em 1986, por exemplo. Com isso, teria condições de indicar o primeiro-ministro e compor todo o gabinete.

Teoricamente, manteria intacto um mandato completo de cinco anos, sem possibilidades de nenhuma moção de censura, que dissolvesse o governo e implicasse na convocação antecipada de nova votação. Isto, porém, ocorreria entre nós?

Veja-se o que acontece hoje com o Centrão, que é composto em boa parte por parlamentares do PMDB, mas que se opõem ao anteprojeto constitucional aprovado pela Comissão de Sistematização da Assembleia Constituinte, integrada por gente desse partido em sua maioria, e presidida por um deputado de sua bancada: Bernardo Cabral.

A um simples ato do gabinete que contrariasse os interesses de fulano, sicrano ou beltrano, o contrariado, sem dúvida nenhuma, aderiria à oposição para censurar o governo do seu próprio partido. E seriam quedas após quedas de gabinetes. Eleições sobre eleições antecipadas. E tudo a que preço? Quem pagaria essa conta pelo “privilégio” de votar quase que a todos os meses?

Os defensores do parlamentarismo podem contra-argumentar com o exemplo da Itália, que somente no pós-guerra já elegeu e empossou 46 gabinetes e nem por isso deixou de ser uma democracia estável, com uma economia das mais prósperas do mundo.

Ocorre que ali os partidos têm tradições. E os parlamentares não ficam trocando de siglas, como a gente troca de camisa. E, por outro lado, é impossível de se comparar a situação econômica italiana, cujo país está incluído entre os sete mais industrializados do mundo ocidental, com a nossa, praticamente falida e penhorada com o Exterior.

Por isso, seria prudente que os constituintes esquecessem um pouco do seu romantismo e atuassem com os pés plantados no solo da realidade. Que não ficassem inventando modas (de fantasias já estamos fartos) sabendo que num prazo muito curto, esse aventureirismo poderá redundar em alteração (provavelmente traumática) dessa ordem institucional artificiosa.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 16 de janeiro de 1988).



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