O desamparo da perda
Pedro J. Bondaczuk
As perdas, sejam quais forem, causam terríveis sensações em nossa
mente, cuja intensidade varia de acordo com o que foi perdido. Quando
se trata de um objeto de estimação, por exemplo, nos frustramos
bastante, pois não haverá nenhum similar que o substitua. E nem
precisa ser algo de alto valor pecuniário. Isso é o que menos
importa. Não se trata de contabilizar, no caso, o prejuízo
material, mas o sentimental.
Senti isso quando perdi uma caneta que havia ganhado de uma namorada,
a quem amei com intensa paixão e cuja imagem jamais se apagou da
minha retina. O valor intrínseco desse objeto, a rigor, não era,
sequer, considerável. Na verdade, era irrisório. Dava para comprar
dúzias deles em qualquer lojinha de bairro por alguns reles
cruzeiros (a moeda da época). Não era, pois, dessas canetas que são
autênticas jóias e que, de tão preciosas, sequer ousamos utilizar
naquilo para o que elas são fabricadas: escrever. Longe disso.
Aliás, até que era uma canetinha muito ruim, que soltava tinta em
demasia e borrava o papel. Mas, para mim, era uma preciosidade, maior
do que o diamante “Cruzeiro do Sul”. Não tinha preço. Por que?
Pela pessoa que ma havia dado. E pela gravação que continha: dois
corações entrelaçados, com nossos nomes e a palavra “Amor”.
Não haveria, pois, caneta no mundo que substituísse aquela, de
valor monetário tão irrisório.
Quem já perdeu algum objeto de estimação, sabe do que estou
falando. Conhece essa frustração, esse desespero em procurar,
procurar e procurar, sem nunca achar. A pior sensação que fica é a
de desamparo.
Tempos atrás, perdi um carro, quase zero quilômetro, de preço dos
mais elevados (equivalente ao custo de um bom apartamento), após um
acidente besta de trânsito, em que a família (felizmente) escapou
(milagrosamente) ilesa. Mas o veículo... Transformou-se em sucata.
Tanto que o vendi para o ferro-velho. Não compensava mandar
consertá-lo. Sairia mais barato comprar um novo, e foi o que fiz.
Claro que lamentei o prejuízo, nada pequeno (não sou desses malucos
que saem por aí rasgando dinheiro). Mas a lamentação nem durou
muito tempo. Passou logo, uns parcos dez a quinze dias, se tanto.
Consolei-me, acima de tudo, com o fato de que ninguém se feriu.
Quanto ao prejuízo material... Pensei, comigo, “estou vivo, tenho
saúde, sou competente no que faço e vou recuperar, em três tempos,
a perda”. E recuperei, sem mais lamentações. Sequer me senti
desamparado. A sensação de perda não foi, nem de longe, parecida
com a que tive com o desaparecimento da tal canetinha, que não
valia, sequer, o equivalente ao preço do acendedor de cigarros do
veículo.
Se perder um objeto de estimação já nos causa tanto sofrimento e
frustração, imaginem o que é ficar sem uma pessoa que amamos sem
restrições! Quando a perdemos por mera separação, decorrente
dessas briguinhas bestas, que poderiam ser evitadas (e que quase
nunca são) e que na hora não nos damos conta das conseqüências
que terão, a sensação é horrível, o desamparo é imenso, mas
ainda temos um consolo. Resta-nos a esperança da reconquista (que
quase nunca ocorre), a nos atenuar as mágoas.
O duro é a perda em decorrência de morte. Essa nós sabemos que é
irreversível. Por mais que desejemos, por mais que façamos, por
maiores que sejam o nosso empenho, a nossa esperança e a nossa fé,
logo nos conscientizamos que é tudo inútil. Essa perda não tem
volta. Por mais que eu tente, não consigo descrever, sequer
proximamente, a sensação que nos acomete nessas circunstâncias. Só
posso assegurar que é a pior que conheço! .
Sigmund Freud escreveu, se não me falha a memória em carta à filha
Anna: “Nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando
perdemos um amor”. E nunca mesmo. E notem que ele nem especificou a
natureza da perda. Não disse se estava se referido à decorrente da
morte da amada ou à da separação, pura e simples, causada por
eventual briga ou, o que é muito pior, por termos sido preteridos
por outra pessoa.
Neste último caso, a sensação, claro, é muitíssimo pior.
Junta-se um conjunto de emoções ruins, como ciúmes, amor próprio
ferido, despeito e tantos e tantos outros sentimentos amargos e
negativos, além do tremendo vazio que fica, provocado pela ausência
de quem amamos de paixão.
Isso tudo me remete aos seguintes versos, do excelente poeta
maranhense, Luís Augusto Cassas, que integram seu poema “Da
bioquímica do amor”:
“amor ó amor
quanto mais te rebaixam
à impura anilina
fabricas na bilirrubina
a própria vacina!”.
Pena que não haja como nos vacinar contra a sensação do mais
absoluto desamparo causado pela perda de alguém que elegemos para
ser nossa parceira e cúmplice pelo resto da nossa vida.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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