Talvez um dia
Pedro J. Bondaczuk
A extensão das nossas vidas é medida em anos, mas deveria sê-lo em
dias. Claro que isso traria alguns inconvenientes, digamos,
numéricos. Os números ascenderiam à casa das dezenas de milhar,
em vez de somente 7, 8 ou 9 dezenas e, quando muito, uma centena.
Isso se não formos a patriarca bíblico Matusalém, que se aproximou
do milhar de anos.
Supõe-se, contudo, que a contagem dos aniversários, naqueles tempos
remotos, era feita de forma bem diferente da de hoje. Claro que se
trata de suposição. Pode até ser que esse personagem bíblico
tenha vivido, de fato, novecentos e tantos anos. Vai saber! Devemos
pesquisar para saber se ele deixou alguma “receita” dessa
façanha. Provavelmente não deixou.
Deveríamos aniversariar a cada dia que vivêssemos. Seria uma forma
justa de valorização do nosso tempo de vida. Quem sabe, assim,
daríamos o devido valor a esse espaço de 24 horas, que equivale a
uma volta completa da Terra em relação ao seu eixo imaginário.
Quase nunca damos. Pior, jogamos fora muitos deles, com nossa
inércia, indolência e falta de visão de conjunto.
Se você já completou, digamos, 30 anos de idade, calcule a quantos
dias isso corresponde. Calculou? Se não errei nas contas, a cifra
chega a quase 11 mil, ou, mais precisamente, a 10.957. O cálculo é
fácil. Leve em conta, por exemplo, que nesse período você teve
sete anos bissextos, de 366 dias cada. Ou seja, 2.562 dias. Os outros
23 anos foram de 365 dias, portanto. Ou de 8.395 dias. Some os dois
totais. Você chegará à conclusão que já viveu 10.957 dias.
Pouco? Talvez. É possível que tenha, contudo, ainda, “muita lenha
para queimar”.
Desses milhares de dias, de quantos você se recorda com especial
carinho? De poucos, pouquíssimos, com certeza. Não mais do que duas
dezenas, se tanto. Com data precisa, então, se lembra de menos
ainda. E mesmo esses dias especiais – quando você foi pela
primeira vez à escola, por exemplo, ou quando fez a primeira
comunhão, ou conquistou a primeira namorada, ou deu o primeiro
beijo, ou passou pela experiência da primeira transa e vai por aí
afora – embora se recordando deles, não sabe precisar sequer em
que ponto da semana caíram – se foi numa segunda-feira, numa sexta
ou num domingo.
Não se preocupe, contudo. Todas as pessoas agem assim. Algumas, mais
organizadas, escrevem diários para registrar o que lhes acontece, o
que fazem, o que sentem, pensam ou planejam diariamente. Mas assim,
de chofre, de memória, não se lembram de nenhum detalhe (por menor
que seja) dos pouquíssimos dias especiais das dezenas de milhares
que viveram.
No entanto, todos, absolutamente todos foram importantes, até
aqueles modorrentos e tediosos, em que as horas tardaram a passar e
você achava que não tinha o que fazer (sempre temos alguma tarefa a
cumprir; nós é que decidimos quando as executar e adiamos,
estranhamente, as mais importantes, “sine die” e, não raro, não
as executamos nunca). Afinal, você iniciou e terminou cada um desses
dias vivo. E provavelmente com saúde (caso contrário, sequer
chegaria aos 30 anos). Mas, convenhamos, não os aproveitou como
poderia (ou deveria).
Fôssemos mais sábios no aproveitamento do tempo, soubéssemos o que
fazer de cada dia que temos o privilégio de viver, e nossa vida
seria, se não mais prazerosa (e acredito que sim), pelo menos mais
produtiva. Afinal, saibamos ou não, queiramos ou não, passaremos
por este caminho uma única vez. Não haverá chance alguma de
retorno.
Você, leitor amigo, que me faz companhia espiritual neste momento,
valorize este dia, embora não tenha nascido ensolarado e com céu
azul, apesar de nuvens cinzentas lhe trazerem um clima de melancolia
e do frio enregelar-lhe os músculos. Decida-se a vivê-lo
plenamente, mesmo que tenha dormido mal e acordado com insuportável
mau humor.
Saia do quarto com um sorriso nos lábios e cumprimente, jovialmente,
a todos com os quais cruzar – mulher, marido, filhos, sogra,
empregada, não importa quem – desejando-lhes um caloroso “bom
dia!”, a despeito disso lhes cause estranheza por não ser este seu
comportamento matinal habitual. Verá como seu dia começará
diferente dos demais.
Aja de igual forma ao se dirigir ao trabalho, ou à escola.
Cumprimente a todos com os quais cruzar, conhecidos ou estranhos.
Pense positivamente. Mentalize que tudo dará certo nas atividades
que for executar. E embora algo dê errado, não se desespere.
Procure a melhor solução, sem se irritar, ofender alguém e muito
menos achar que é vítima das circunstâncias.
Nas horas de lazer, faça só o que lhe agrade. Leia, ouça música,
dance, assista a uma peça de teatro, as um filme, a um jogo de
futebol. Ame! Se puder transar, transe e dê o seu melhor nessa
transa.
E, ao se recolher, verá como “construiu”, do nada, um desses
raros dias especiais que merecem ser lembrados. Quem sabe, então,
você repita (caso o conheça) aquele famoso verso do poeta romano
Virgílio, no poema “Elegia”: “Talvez um dia seja bom relembrar
este dia”. Talvez... Ou melhor, provavelmente. Sempre é, inclusive
dos dias que classificamos como “negativos” ou dramáticos.
Afinal, vivemo-los!!! E você quer mais do que isso?!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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