Monday, October 30, 2017

Perdas irreparáveis

Pedro J. Bondaczuk

A aliança que dá sustentação ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de sofrer duas perdas irreparáveis, embora ninguém seja insubstituível, ou não deveria ser. O ministro das Comunicações, Sérgio Motta, além de ser um dos homens da maior confiança de FHC, na qualidade de seu amigo pessoal, era tido como peça-chave na campanha para a reeleição, que a despeito de pesquisas (prematuras neste momento), promete ser das mais acirradas dos últimos tempos.

Já o líder do governo na Câmara, o deputado Luís Eduardo Magalhães, era um dos principais articuladores na votação das reformas do Estado, em andamento no Congresso desde o início da atual administração (que caminhou com extrema lentidão, nos quatro anos em que vem sendo debatida). Aos 43 anos de idade, era uma figura política em franca e veloz ascensão, para quem se previa um futuro dos mais brilhantes e promissores, não apenas no âmbito do Legislativo, mas principalmente do Executivo.

Era candidatíssimo ao governo da Bahia onde, só por uma dessas incríveis surpresas (raras por sinal), que muitas vezes emergem das urnas e atropelam os favoritos, deixaria de ser eleito, dada a inegável preponderância do seu pai, o senador Antonio Carlos Magalhães, nesse Estado. Mas aspirava voos muito mais altos do que esse. Queria o Planalto. Era consenso, em Brasília, que o parlamentar baiano vinha sendo cuidadosamente preparado para ser o sucessor do próprio Fernando Henrique, nas eleições presidenciais de 2002.

Com as mortes, e enquanto não encontra substitutos à altura, o próprio presidente assume a coordenação política das reformas, virtualmente paralisadas antes mesmo das duas infaustas ocorrências. Fica sobrecarregado num momento crítico, quando as campanhas presidenciais estão em vias de ganhar as ruas e o País --- notadamente São Paulo --- vê-se mergulhado no maior desemprego dos últimos 50 anos.

Apesar de FHC contar, a seu favor, com a estabilização da economia, é visível o descontentamento nacional diante da atual paralisia econômica e da falta de perspectiva, a curto prazo, de uma reversão da situação. Nestas circunstâncias, qualquer candidato que tiver um programa minimamente consistente de geração de empregos, que não seja inflacionário e que se afigure factível, tem condições de "atropelar" o presidente, na reta final, e frustrar seu sonho de reeleição. Difícil? Pode ser! Impossível? De forma alguma!

A história recente, aqui mesmo na América do Sul, apresenta vários exemplos de favoritos nas pesquisas e que acabaram derrotados por francos "azarões". O caso mais notável foi o do escritor Mário Vargas Llosa, no Peru, em fins da década passada. Durante mais de um ano, os vários institutos peruanos davam-lhe mais de 70% das intenções de votos do eleitorado. Mesmo às vésperas das eleições, detinha 65% das preferências, o dobro de todos seus adversários somados. Tudo indicava que a votação seria apenas um "passeio", mera formalidade. Mas não foi.

Eis que surgiu um candidato desconhecido, descendente de japoneses, com uma campanha bastante agressiva, embora carente de recursos e visto com desconfiança tanto pela esquerda, quanto pela direita, com uma plataforma confusa de governo, eivada de populismo, motivo de chacota na imprensa.

Para surpresa geral, no entanto, Alberto Fujimori, ridicularizado por expressiva parcela da opinião pública, conseguiu votos suficientes para provocar um segundo turno. E neste, foi eleito presidente. Em eleições, portanto, nunca se pode menosprezar os adversários e se julgar ganhador por antecedência. FHC já tem uma experiência amarga nesse sentido quando, favorito à prefeitura de São Paulo --- tendo inclusive tirado fotos na cadeira de prefeito --- foi batido, na reta final, pelo ex-presidente Jânio Quadros.

(Artigo escrito em 27 de abril de 1998)


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