Saturday, October 28, 2017

A culpa é do mordomo



Pedro J. Bondaczuk



A impunidade – até os mais tolos já perceberam – é o maior incentivo para a delinquência. A constatação vale tanto para crimes comuns (roubo e latrocínio), quanto para assaltos “mais sutis”, advindo de negociatas envolvendo políticos, funcionários administrativos e os que orbitam ao seu redor.

Em virtude do escândalo PC, uma irregularidade, provavelmente bastante comum, mas nunca antes mencionada em público, a abertura de “contas fantasmas” em bancos, esteve na crista da onda. O episódio desencadeado pelas denúncias de Pedro Collor cresceu, ganhou em dramaticidade, produziu uma Comissão Parlamentar de Inquérito que trouxe à luz da opinião pública casos escabrosos e desembocou no impeachment do presidente Fernando Collor.

Durante algum tempo, a peça-chave da tragicomédia passou a ser o empresário alagoano Paulo César Farias, cuja prisão era exigida e que protagonizou cinematográfica fuga, via Argentina (ou Paraguai, dizem alguns), rumo à Europa e posteriormente à Tailândia, onde acabou preso e extraditado para o Brasil, para ser mantido em cárcere até o julgamento.

Depois de capturado, no entanto, tornou-se o bode expiatório de todo o escândalo e não se falou mais sobre os detentores de “contas fantasmas” e muito menos dos gerentes que foram coniventes com a irregularidade que, no mínimo, mereceriam demissão e um processo por falsidade ideológica. Não aconteceu nada disso.

Quando o tesoureiro de Collor ainda estava foragido, o jornalista, escritor e acadêmico João Ubaldo Ribeiro, num lúcido artigo publicado em “O Globo” do Rio de Janeiro, em 11 de julho de 1993, assinalou: “A condenação individual de PC não serve à Justiça, antes a desserve, a longo prazo. Satisfaz a sofreguidão às vezes um tanto trêfega, de ver um importante na cadeia. Como sempre estamos procurando um salvador, achamos um PC, um ‘salvador às avessas’. Condenando-o, algemando-o, reunindo caras-pintadas na frente da cadeia e fazendo pronunciamentos altissonantes sobre o primado da lei e da justiça, estamos salvos do antigo primado da impunidade e da injustiça. Salvos nada”.

Não foi o que aconteceu? Agora, os bancos são forçados a recadastrar todos os seus clientes, no País inteiro, mobilizando seus funcionários (já sobrecarregados, como nos confidenciou um bancário, nosso leitor), nessa tarefa burocrática, possivelmente inútil, na tentativa de detectar e cancelar as “contas fantasmas”.

Seria este o caminho? Trata-se de um procedimento dispendioso e que desagrada os correntistas. Não que estes tenham o que esconder, mas têm mais o que fazer do que ficar perdendo seu tempo. A maioria dos brasileiros, que age com lisura e correção, acaba tratada como suspeita, só por causa de alguns “gatos pingados”, que cometeram o crime de falsidade ideológica, e que, provavelmente, sairão impunes.

O caso lembra aqueles contos policiais populares, em que o culpado é sempre “o mordomo”. No citado artigo, João Ubaldo diz mais: “Para resolver alguma coisa, a condenação de PC teria que ser estendida a todos os seus cúmplices, todos os coarquitetos dessa mutreta que se armou para eleger um presidente da República, todo esse esquema que não sofreu mais que arranhões superficiais...”

E conclui: “Acreditar que PC saiu do nada, é acreditar em geração espontânea, mas pelo visto, Pasteur ainda não foi muito estudado por aqui”. E não foi mesmo. Ele e muitos mais.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 23 de outubro de 1994).



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