A culpa é do mordomo
Pedro J. Bondaczuk
A
impunidade – até os mais tolos já perceberam – é o maior
incentivo para a delinquência. A constatação vale tanto para
crimes comuns (roubo e latrocínio), quanto para assaltos “mais
sutis”, advindo de negociatas envolvendo políticos, funcionários
administrativos e os que orbitam ao seu redor.
Em
virtude do escândalo PC, uma irregularidade, provavelmente bastante
comum, mas nunca antes mencionada em público, a abertura de “contas
fantasmas” em bancos, esteve na crista da onda. O episódio
desencadeado pelas denúncias de Pedro Collor cresceu, ganhou em
dramaticidade, produziu uma Comissão Parlamentar de Inquérito que
trouxe à luz da opinião pública casos escabrosos e desembocou no
impeachment do presidente Fernando Collor.
Durante
algum tempo, a peça-chave da tragicomédia passou a ser o empresário
alagoano Paulo César Farias, cuja prisão era exigida e que
protagonizou cinematográfica fuga, via Argentina (ou Paraguai, dizem
alguns), rumo à Europa e posteriormente à Tailândia, onde acabou
preso e extraditado para o Brasil, para ser mantido em cárcere até
o julgamento.
Depois
de capturado, no entanto, tornou-se o bode expiatório de todo o
escândalo e não se falou mais sobre os detentores de “contas
fantasmas” e muito menos dos gerentes que foram coniventes com a
irregularidade que, no mínimo, mereceriam demissão e um processo
por falsidade ideológica. Não aconteceu nada disso.
Quando
o tesoureiro de Collor ainda estava foragido, o jornalista, escritor
e acadêmico João Ubaldo Ribeiro, num lúcido artigo publicado em “O
Globo” do Rio de Janeiro, em 11 de julho de 1993, assinalou: “A
condenação individual de PC não serve à Justiça, antes a
desserve, a longo prazo. Satisfaz a sofreguidão às vezes um tanto
trêfega, de ver um importante na cadeia. Como sempre estamos
procurando um salvador, achamos um PC, um ‘salvador às avessas’.
Condenando-o, algemando-o, reunindo caras-pintadas na frente da
cadeia e fazendo pronunciamentos altissonantes sobre o primado da lei
e da justiça, estamos salvos do antigo primado da impunidade e da
injustiça. Salvos nada”.
Não
foi o que aconteceu? Agora, os bancos são forçados a recadastrar
todos os seus clientes, no País inteiro, mobilizando seus
funcionários (já sobrecarregados, como nos confidenciou um
bancário, nosso leitor), nessa tarefa burocrática, possivelmente
inútil, na tentativa de detectar e cancelar as “contas fantasmas”.
Seria
este o caminho? Trata-se de um procedimento dispendioso e que
desagrada os correntistas. Não que estes tenham o que esconder, mas
têm mais o que fazer do que ficar perdendo seu tempo. A maioria dos
brasileiros, que age com lisura e correção, acaba tratada como
suspeita, só por causa de alguns “gatos pingados”, que cometeram
o crime de falsidade ideológica, e que, provavelmente, sairão
impunes.
O
caso lembra aqueles contos policiais populares, em que o culpado é
sempre “o mordomo”. No citado artigo, João Ubaldo diz mais:
“Para resolver alguma coisa, a condenação de PC teria que ser
estendida a todos os seus cúmplices, todos os coarquitetos dessa
mutreta que se armou para eleger um presidente da República, todo
esse esquema que não sofreu mais que arranhões superficiais...”
E
conclui: “Acreditar que PC saiu do nada, é acreditar em geração
espontânea, mas pelo visto, Pasteur ainda não foi muito estudado
por aqui”. E não foi mesmo. Ele e muitos mais.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 23 de
outubro de 1994).
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