Mundos desiguais
Pedro J. Bondaczuk
“O ridículo está tão próximo do sublime!”.
Esta exclamação do escritor francês George Bernanos (que residiu
no Brasil, mais especificamente na cidade mineira de Barbacena, no
período de 1940 a 1945) me vem de imediato à mente, a propósito da
Semana da Criança. Mais especificamente, em decorrência de
informações que colhi, nos últimos dias, na internet, sobre a
situação de milhões de meninos e meninas pelo País afora.
Não se trata de achar que haja algo de errado nesse tipo de comemoração. Pelo contrário! Seria fantástico, por exemplo, se todas as nossas crianças tivessem o que comemorar nesta semana que lhe é dedicada. Se vivessem em lares bem estruturados. Se não lhes faltasse uma boa alimentação, para o seu desenvolvimento físico e mental saudável. Se tivessem acesso à educação continuada e de primeira qualidade. Enfim, se recebessem o tratamento que a Declaração Universal dos Direitos do Homem preceitua. Claro que isso não passa de delirante utopia e não é o que ocorre!
Há,
por exemplo, estimativas bastante confiáveis da Unicef que apontam a
possibilidade de 20% (ou seja, duas em cada dez!!!) das meninas
brasileiras, entre 10 e 19 anos, exercerem a prática da
prostituição! Mesmo proibido por lei, um número bastante alto
crianças, com menos de 14 anos, que deveriam estar freqüentando a
escola e gozando as delícias de uma infância normal e equilibrada,
ainda trabalham no País.
Muitos
podem argumentar, com certa dose de razão: “O trabalho enobrece. É
melhor um garoto (ou garota) estar empenhado em uma atividade
produtiva, do que perambular pelas ruas, aprendendo a fazer (e
fazendo) o que não deve”. Só que boa parte desse contingente é,
virtualmente, escrava de pessoas inescrupulosas, que só enxergam
cifrões à sua frente.
A
maioria desses trabalhadores mirins ganha (quando ganha) menos de um
salário mínimo para exercer, não raro, jornadas de dez ou mais
horas de labor! É normal, portanto, no Brasil, a situação que
Charles Dickens descreveu, com tanta crueza, dos meninos e meninas
das classes mais carentes da Inglaterra, no século XIX, em seus
magistrais romances (como “Oliver Twist”, entre outros). No caso,
a realidade supera, em brutalidade e cinismo, em muito a ficção!
Muitos
desses menores, frise-se, são escravos em carvoarias, canaviais e
fazendas. Grandes empresas nacionais e multinacionais lucram, e
muito, com a exploração infantil. Campanhas e mais campanhas tentam
acabar com essa aberração, em vão. Este é o lado mais abjeto e
cruel da, embora condenável, cada vez mais praticada exploração do
homem pelo homem. Ou, como queiram, e o que é pior, da criança pelo
homem.
Porém,
esta ainda não é a face mais contundente (e perigosa) da questão.
O pior é a exploração impune, e sequer observada com atenção
pela sociedade, de menores de rua, sem a mínima estrutura ou
proteção, por traficantes, ladrões e marginais de toda a sorte.
Li, há uns 12 anos, na Folha Online, em sua seção Cotidiano, uma
notícia chocante, revoltante, sobre crianças, que nunca consegui
esquecer. E não se tratava na época (e nem se trata hoje, tanto
tempo depois) de nenhuma exceção. Pelo contrário. Ainda ŕ uma
triste e escabrosa regra. O título da matéria já choca de per si.
Diz: “Com pirulito na boca, menino participa de assalto no Rio”.
E
o texto revela a realidade nua e crua de um país que ainda faz
questão de desperdiçar o que tem de melhor: as suas crianças, ou
seja, o seu futuro. É o seguinte: “Um menino aparentando 8 anos de
idade, com um pirulito na boca, participou de um assalto ao
condomínio Golden Coast, na Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), na
madrugada de 2 de outubro de 2005.
O
assalto ocorreu por volta das 3h30. Armado com uma faca, o menino,
que fazia dupla com um jovem que aparentava cerca de 20 anos, teria
ameaçado Regina Wyggoda, 44, dona de um apartamento no condomínio e
funcionária da TV Globo.
`Ele
(o menino) estava com uma faca e disse que iria me matar depois que
viu meu crachá da Globo’, disse a vítima. Ela foi amarrada e
amordaçada pelos ladrões, que fugiram com R$ 2 mil, aparelhos
eletrônicos, um cordão de ouro avaliado em R$ 10 mil, outras joias,
seis relógios e roupas”.
Sem
comentários... E é preciso?! O sublime (a criança) está ou não
está próximo demais do ridículo (a violência, o abandono, a
exploração, a omissão e a criminalidade)? Só posso concluir como
iniciei estas considerações. Ou seja, com outra citação do mesmo
Bernanos, que assino embaixo: “Como estamos desarmados diante dos
homens, diante da vida! Que infantilidade absurda!”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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