Sunday, October 15, 2017

Mundos desiguais




Pedro J. Bondaczuk


O ridículo está tão próximo do sublime!”. Esta exclamação do escritor francês George Bernanos (que residiu no Brasil, mais especificamente na cidade mineira de Barbacena, no período de 1940 a 1945) me vem de imediato à mente, a propósito da Semana da Criança. Mais especificamente, em decorrência de informações que colhi, nos últimos dias, na internet, sobre a situação de milhões de meninos e meninas pelo País afora.

Não se trata de achar que haja algo de errado nesse tipo de comemoração. Pelo contrário! Seria fantástico, por exemplo, se todas as nossas crianças tivessem o que comemorar nesta semana que lhe é dedicada. Se vivessem em lares bem estruturados. Se não lhes faltasse uma boa alimentação, para o seu desenvolvimento físico e mental saudável. Se tivessem acesso à educação continuada e de primeira qualidade. Enfim, se recebessem o tratamento que a Declaração Universal dos Direitos do Homem preceitua. Claro que isso não passa de delirante utopia e não é o que ocorre!

Há, por exemplo, estimativas bastante confiáveis da Unicef que apontam a possibilidade de 20% (ou seja, duas em cada dez!!!) das meninas brasileiras, entre 10 e 19 anos, exercerem a prática da prostituição! Mesmo proibido por lei, um número bastante alto crianças, com menos de 14 anos, que deveriam estar freqüentando a escola e gozando as delícias de uma infância normal e equilibrada, ainda trabalham no País.

Muitos podem argumentar, com certa dose de razão: “O trabalho enobrece. É melhor um garoto (ou garota) estar empenhado em uma atividade produtiva, do que perambular pelas ruas, aprendendo a fazer (e fazendo) o que não deve”. Só que boa parte desse contingente é, virtualmente, escrava de pessoas inescrupulosas, que só enxergam cifrões à sua frente.

A maioria desses trabalhadores mirins ganha (quando ganha) menos de um salário mínimo para exercer, não raro, jornadas de dez ou mais horas de labor! É normal, portanto, no Brasil, a situação que Charles Dickens descreveu, com tanta crueza, dos meninos e meninas das classes mais carentes da Inglaterra, no século XIX, em seus magistrais romances (como “Oliver Twist”, entre outros). No caso, a realidade supera, em brutalidade e cinismo, em muito a ficção!

Muitos desses menores, frise-se, são escravos em carvoarias, canaviais e fazendas. Grandes empresas nacionais e multinacionais lucram, e muito, com a exploração infantil. Campanhas e mais campanhas tentam acabar com essa aberração, em vão. Este é o lado mais abjeto e cruel da, embora condenável, cada vez mais praticada exploração do homem pelo homem. Ou, como queiram, e o que é pior, da criança pelo homem.

Porém, esta ainda não é a face mais contundente (e perigosa) da questão. O pior é a exploração impune, e sequer observada com atenção pela sociedade, de menores de rua, sem a mínima estrutura ou proteção, por traficantes, ladrões e marginais de toda a sorte. Li, há uns 12 anos, na Folha Online, em sua seção Cotidiano, uma notícia chocante, revoltante, sobre crianças, que nunca consegui esquecer. E não se tratava na época (e nem se trata hoje, tanto tempo depois) de nenhuma exceção. Pelo contrário. Ainda ŕ uma triste e escabrosa regra. O título da matéria já choca de per si. Diz: “Com pirulito na boca, menino participa de assalto no Rio”.

E o texto revela a realidade nua e crua de um país que ainda faz questão de desperdiçar o que tem de melhor: as suas crianças, ou seja, o seu futuro. É o seguinte: “Um menino aparentando 8 anos de idade, com um pirulito na boca, participou de um assalto ao condomínio Golden Coast, na Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), na madrugada de 2 de outubro de 2005.

O assalto ocorreu por volta das 3h30. Armado com uma faca, o menino, que fazia dupla com um jovem que aparentava cerca de 20 anos, teria ameaçado Regina Wyggoda, 44, dona de um apartamento no condomínio e funcionária da TV Globo.

`Ele (o menino) estava com uma faca e disse que iria me matar depois que viu meu crachá da Globo’, disse a vítima. Ela foi amarrada e amordaçada pelos ladrões, que fugiram com R$ 2 mil, aparelhos eletrônicos, um cordão de ouro avaliado em R$ 10 mil, outras joias, seis relógios e roupas”.

Sem comentários... E é preciso?! O sublime (a criança) está ou não está próximo demais do ridículo (a violência, o abandono, a exploração, a omissão e a criminalidade)? Só posso concluir como iniciei estas considerações. Ou seja, com outra citação do mesmo Bernanos, que assino embaixo: “Como estamos desarmados diante dos homens, diante da vida! Que infantilidade absurda!”.


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