Crédito para os cem dias da Nova República
Pedro J. Bondaczuk
O primeiro
governo da Nova República completou cem dias ao longo desta semana e
num rápido balanço dos resultados que obteve, a despeito das
compreensíveis vacilações iniciais, ditadas pelo infortúnio que
acometeu seu principal mentor, o presidente eleito Tancredo Neves, o
saldo apurado é bastante positivo. Isto ocorreu tanto no plano
político, quanto no econômico, embora seja ainda muito cedo para
avaliar as conseqüências de determinadas medidas neste último.
Politicamente
ocorreu, por exemplo, a legalização dos partidos ilegais, medida
reivindicada há muito para que o País possa ter todas as correntes
de pensamento representadas na Assembleia Nacional Constituinte.
As
capitais de Estado, estâncias hidrominerais e cidades consideradas
áreas de segurança nacional foram “anistiadas”, recuperando o
direito de escolher, através do voto livre e soberano, os seus
dirigentes.
O
analfabeto, pela primeira vez em nossa história, recebeu plena
cidadania e, doravante, vai ser, também, coparticipante, e não mais
mero indefeso expectador, do seu próprio destino. E muitas outras
conquistas políticas poderiam ser desfiadas, mostrando que nesse
plano o País avançou, em apenas cem dias, muito mais do que em duas
décadas anteriores.
No
campo econômico, mercê do controle de preços de produtos
estratégicos e de um providencial congelamento das tarifas de
combustíveis e de vários serviços administrados pelo governo, a
inflação, que caminhava a passos largos para índices
estratosféricos, acabou sendo contida. Até mesmo apresentou
regressão. É verdade que lentamente, penosamente, quase que
dolorosamente.
Mas
desceu de um acumulado de 12 meses de 240%, em março, para 211% no
encerramento do primeiro semestre. A taxa do mês que começa amanhã
será decisiva para que se possa avaliar com mais segurança se a
tendência inflacionária é, realmente, declinante, ou se tudo não
passou de um balão de ensaio, de uma pausa antes que o País se
encaminhe para uma indesejável hiperinflação.
No
correr de julho, por exemplo, teremos o reajuste dos combustíveis,
sabidamente um fator tendente a “inflar” as taxas. Caso essas
registrem qualquer coisa abaixo dos 10,3% do mesmo período do ano
passado, a sociedade pode se preparar para dias realmente melhores.
Os salários não serão erodidos, o consumo vai melhorar e haverá
mais empregos.
Aí,
certamente, haverá maior crédito por parte dos hoje céticos
cidadãos na possibilidade da inflação ser vencida. E o governo vai
ganhar um novo aliado nessa guerra sem quartel à alta dos preços: a
confiança plena da população, hoje ainda um tanto descrente dessa
possibilidade, tantas foram as vezes que foi lograda no passado.
Mas
num ponto as autoridades da Nova República frustraram uma classe
que, até aqui, pagou todos os ônus dessa crise que ela não causou,
originada de uma política com a qual nunca esteve de acordo e que só
lhe impôs sacrifícios e privações: as dos operários.
Tancredo
Neves, logo após eleito, prometeu, solenemente, não exigir mais
qualquer espécie de sacrifício do trabalhador. José Sarney
ratificou esse compromisso há poucos dias. Mas em não reajustando a
tabela de descontos do Imposto de Renda na Fonte, a tornando
compatível com os reajustes salariais, voltou a penalizar justamente
a quem o governo dizia que não teria ônus sobressalentes a pagar,
pela aventura do nosso “milagre econômico”.
Mal
o salário foi corrigido (e não aumentado), já está sendo corroído
por uma despesa inesperada, com os descontos destinados a cobrir os
estratosféricos déficits do Tesouro. Correm rumores de que a
tendência das autoridades econômicas é manter a atual tabela até
setembro. Ou seja, pelo menos até lá, os operários continuarão a
ser penalizados, quando o justo seria que houvesse, na verdade,
recomposição dos seus ganhos.
O
que se espera é que o governo considere o ônus político de uma
medida dessa natureza e que busque outros caminhos para cobrir os
rombos de seu orçamento. Isto para que todo um projeto, que vinha
caminhando até que razoavelmente bem, até aqui, não acabe
comprometido pelo descumprimento de uma promessa, a principal de
todas, feita publicamente a toda a sociedade. E que, com isso, a Nova
República não fique desprovida do seu principal capital: a
credibilidade.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de junho
de 1985).
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