Uma frota espanhola inteira naufraga no Triângulo das Bermudas
Pedro J. Bondaczuk
Um
dos maiores desastres marítimos do século XVI foi o naufrágio de
uma frota espanhola, composta de 26 navios, dos quais 21 foram
destroçados e pararam no fundo do mar, ocorrido em 1502, nas
traiçoeiras águas da região que ficou, mais tarde, conhecida como
“Triângulo da Morte”. Trata-se de uma área que varia,
aproximadamente, de 1,1 milhão de quilômetros quadrados, até 3,95
milhões de quilômetros quadrados, no Atlântico Norte. Tal variação
deve-se a fatores físicos, químicos, climáticos, geográficos e
geofísicos. A região situa-se entre as ilhas Bermudas, Porto Rico,
Fort Lauderdale (na Flórida) e as Bahamas.
Sabe-se
hoje, com base em estudos e em análise de documentos da época,
contendo depoimentos das raras testemunhas que sobreviveram, que a
causa do meganaufrágio – que poderia ter sido evitado, caso o
comandante da esquadra, Francisco Fernandez de Bobadilla, fosse menos
arrogante e desse ouvidos a quem conhecia, melhor do que ele, os
perigos dessa misteriosa área – foi um devastador furacão. A
prepotência do teimoso homem do mar, membro da nobreza espanhola, ao
fim e ao cabo custou, além da perda de 21 navios, abarrotados de
tesouros, surrupiados dos nativos do Novo Mundo, a vida de cerca de
800 marinheiros e, sobretudo, a dele também, que não teve como
escapar do desastre.
Bem
que Cristóvão Colombo, de quem Bobadilla era desafeto, tentou
preveni-lo do perigo iminente naqueles mares traiçoeiros, que o
navegador genovês conhecia muito bem. Sabe-se que a uns dias os
ventos vinham soprando do Oeste das Caraíbas, quando deveriam vir do
Leste. Isso era um indicativo bastante seguro de apenas uma coisa: da
iminência de um furacão na área. Colombo, que sabia disso, bem que
poderia passar ao largo da frota, comandada pela nau “El Dorado”,
que tinha como capitão o citado Bobadilla. Se o fizesse, sequer
seria censurado. Fosse vingativo, certamente agiria assim. Afinal,
dois anos antes, esse mesmo nobre, investido pela corte espanhola da
autoridade de juiz, mandara o navegador genovês preso a ferros, no
porão de um navio, de regresso à Espanha, ficando ele com todas as
glórias e vantagens materiais da descoberta do Novo Mundo.
Mas
Colombo era, sobretudo, homem do mar. Como tal, preocupava-se com a
vida das centenas de marinheiros, ameaçados pela fúria da natureza,
mais do que com qualquer outra coisa. Por isso, teve o cuidado de
abordar o “El Dorado” para comunicar sua previsão ao arrogante
Bobadilla, que não lhe deu ouvidos e simplesmente zombou de seu
aviso. Além disso, apesar do almirante Torres ter mostrado
preocupação, o governador aposentado da Ilha Hispaniola (onde hoje
localizam-se o Haiti e a República Dominicana) convenceu-o de que
tais ventos do Oeste seriam até benéficos. Fariam, conforme disse,
com que os navios chegassem mais depressa à Espanha. E Bobadilla
acreditou.
Para
o leitor ter uma ideia de quão preciosa era a carga transportada
pela frota, basta dizer que apenas o “El Dorado” transportava
tesouros em ouro e prata avaliados em US$ 2 milhões. Mas havia 25
outros navios, todos abarrotados de riquezas de igual ou até de
maior valor. Cristóvão Colombo, que já tivera experiência
dramática na área, escapando de uma tragédia por muito pouco,
evidentemente tinha razão ao fazer o alerta. Bobadilla, contudo,
ignorou seu aviso. E quando a esquadra chegou próxima a Porto Rico,
foi colhida por uma tempestade como jamais marinheiro algum daquela
frota já tinha visto. Chovia, por exemplo, em sentido horizontal, o
que, convenhamos, era bastante raro e estranho. O vento, a uma
velocidade incrível, estimada em mais de 300 quilômetros por hora,
rasgava velas como se fossem de papel e rompia mastros com incrível
facilidade. Os cascos quebraram-se como cascas de ovo, despejando
toneladas de ouro no mar. Repentinamente, tudo se acalmou. Só as
ondas continuaram agitadas e enormes. Até o sol surgiu, brilhante e
quente, como se nada houvesse acontecido. Porém vagalhões
gigantescos seguiam rolando em direções opostas, chocando-se
estrondosamente umas com as outras, num espetáculo aterrador.
Àquela
altura, metade da esquadra já havia desaparecido, provavelmente
tragada pelo mar. As caravelas restantes eram atiradas de um lado
para outro, como frágeis cascas de nozes. De repente, sem qualquer
aviso, o vento voltou mais furioso ainda do que antes e do lado
exatamente oposto de onde viera anteriormente. Uma sucessão de raios
riscou os céus. Não se ouviam os trovões, contudo. O assobio do
furacão os abafava. A chuva caia com tal intensidade, que os pingos
de água arrancavam a tinta dos cascos dos barcos. Cabos arrebentados
decapitavam pessoas e os marinheiros, aterrorizados, ajoelhavam-se
nos navios pedindo clemência aos céus e morriam indefesos,
esmagados pelos mastros que ruíam.
O
vento era tão forte que arrancava os olhos das órbitas das pessoas,
os jogando longe. Os marinheiros estavam nus. Suas roupas haviam sido
estraçalhadas e feridas profundas eram feitas na carne. Muitos
abriam a boca para gritar e só conseguiam cuspir sangue. Ao final da
tormenta, apenas cinco barcos haviam, milagrosamente, escapado do
temporal. Vinte e um outros desapareceram sem deixar nenhum vestígio.
Inclusive o “El Dorado”, com a sua preciosa mesa de ouro maciço
de três mil arráteis.
Esses
seriam os primeiros desaparecimentos oficialmente registrados no
“Triângulo do Diabo”. E foi um dos poucos desastres marítimos
na área em que restaram testemunhas para narrar tudo o que
aconteceu. Mas, reitero, essa tragédia poderia ter sido evitada,
caso Francisco Bobadilla fosse só um pouco humilde, ou se, na
verdade tivesse um mínimo de bom senso, e desse ouvidos aos alertas
de Cristóvão Colombo. Ao contrário do desastre que dizimou aquela
frota espanhola, em quase um milhar de outros tantos naufrágios
ocorridos posteriormente, ninguém sobrou para contar a história e
relatar o que aconteceu. E como o que é inexplicável aguça a
imaginação, surgiram centenas de lendas envolvendo essa porção do
Atlântico, que volta e meia vêm à tona.
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