Viciados em crises
Pedro
J. Bondaczuk
A palavra “crise” (e
suas correspondentes em vários idiomas) é uma das mais utilizadas mundo afora.
Desde que aprendi a falar e comecei a entender o que os outros falavam – isso
em torno dos dois anos de idade – ouvia, vezes sem conta, os adultos falarem a
respeito, posto que não entendesse o que significava. Atualmente, com mais de
sete décadas nas costas, não passo um único dia sem ouvir ou ler essa
palavrinha pernóstica, indicativa de que alguma coisa não anda bem com alguém,
ou com alguma atividade ou com algum país. O Brasil, por exemplo, é viciado em
crises. Viciadíssimo. Sempre há alguma delas pairando no ar.
Muito já se escreveu,
se escreve e, certamente, se escreverá a esse respeito, na imprensa, na
literatura e, sobretudo, nos jornais, variando no tom e na expectativa a
propósito do seu desfecho. Os otimistas crêem em sua superação e que disso
advirá algum benefício para quem sofreu ou sofre a crise. Já os pessimistas...
O certo é que a tal palavrinha nunca saiu de evidência. Também já escrevi bastante
a respeito e em variados contextos. Por questão de temperamento (sou otimista
compulsivo) sempre busco enfatizar o aspecto da oportunidade de evolução
existente em toda crise, embora não perca de vista o lado do perigo que ela
representa. Afinal, otimismo não é sinônimo de alienação. E não é prudente e
nem sábio não só subverter a realidade, mas até mesmo camuflá-la.
Não faz muito escrevi a
respeito, em editorial que intitulei “Crise, mudança, liderança e demagogia”,
que abri da seguinte forma: “As palavras crise e mudança, certamente, estão
entre as mais utilizadas por todos os povos no decorrer da História, pelo menos
da escrita. Problemas econômicos, de diversas naturezas e intensidades, foram
causas de grandes conflitos, de imensas injustiças e de uma fartura infindável
de retórica e de demagogia milênios afora. Basta que uma determinada sociedade
nacional revele incompetência para produzir e distribuir os bens que sua
população necessita, ou os que possam ser trocados por elas com outros povos, para
que surjam os charlatães que posam de salvadores da pátria. Aparecem, por
sinal, sempre com a mesma conversa, não importa em que lugar ou em qual idioma.
Atacam, via de regra, a febre, nunca a infecção. Atuam sobre as conseqüências,
jamais sobre as causas dos desequilíbrios econômicos. Pura irracionalidade!”.
Óbvio que não esgotei o
assunto, que me parece inesgotável, embora não mude uma única palavra, uma só
vírgula ou ponto do que escrevi. Não há porque mudar. Até porque ninguém me
convenceu que eu estava errado nas opiniões que expus. Crises não faltam no
Brasil. E elas não são, apenas, políticas ou econômicas, mas abrangem
praticamente todas as atividades, como educação, saúde, segurança pública (as
três que reputo mais graves), embora não se possa e nem se deva subestimar
outras tantas, como as de credibilidade, de falta de ética, de exacerbado
individualismo, de ausência de solidariedade e vai por aí afora. Como se vê,
somos mesmo viciados em crises. Se não houvesse nenhuma, imediatamente
criaríamos uma para ser foco de nossas preocupações e opiniões. Ou acaso estou
exagerando?
Crises políticas, por
exemplo, são comuns nas autênticas democracias, imaginem na nossa,
relativamente muito jovem, após vinte e dois anos de arbítrio e de desmandos,
sob duríssima ditadura militar que desperta saudades nos insensatos e
alienados. Quanto a esses, não há o que fazer. Sempre foram, são e serão massa
de manobra de espertalhões e de caudilhos de plantão. Nas democracias com
tradição, as crises resolvem-se civilizadamente, sem comprometimento das
instituições. Para isso, existem as leis. Basta que sejam aplicadas e, pronto.
Tudo se resolve. As instituições nunca chegam sequer a ser arranhadas e nem
remotamente ameaçadas. Entre nós, todavia... não é bem assim.
Basta que alguma
pequena crise se esboce no ar para que todos tremam. Nossos escândalos mais graves, para os quais
se requer solução urgente, são os de sempre: carência educacional, subnutrição,
desemprego, miséria, sistema de saúde medieval e violência quase incontrolável.
Resolvidas estas questões e o povo se habituando a respeitar e exigir respeito
às leis, tudo o mais acabaria entrando nos eixos. Acabaria. Mas no Brasil não é
assim que as coisas acontecem. Não podemos assumir o papel de meros
expectadores passivos. A maioria assume. Temos que fazer a nossa parte, sem
esperar recompensa ou sequer reconhecimento. A maioria não faz. E é aí que as
coisas pegam.
Não podemos delegar
nossos destinos a terceiros. Contudo, delegamos. Reitero que temos que fazer a
nossa parte. Não nos esqueçamos que esta é a terra em que nascemos e que,
provavelmente, um dia vai acolher nossos restos mortais. Trabalhar pelo seu
progresso, com justiça social, é atuar em próprio proveito e dos nossos
descendentes. Ou não é? Apesar de se tratar de um país viciado em crises, que
não as solucione, mas deixe que se extingam de “morte natural”, creio num
Brasil justo, humano, solidário e próspero. Quando? Sei lá! Um dia! Por isso,
não abro mão da tarefa de fazer a minha parte, por mais que isso me custe, me
doa ou me prejudique! E de exortar quantos compartilhem de minhas idéias a
fazerem o mesmo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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