Sunday, August 17, 2014

A detecção de limites

Pedro J. Bondaczuk

O exercício contínuo e disciplinado desenvolve, enquanto a falta de uso atrofia”. Quem nunca ouviu essa afirmação? Ela é verdadeira e é comprovada pela experiência. Vale tanto para o corpo, quanto para a mente. Claro que para ser eficaz e produzir os resultados esperados, certas condições têm que ser satisfeitas. Exercícios são saudáveis, sim, desde que cada um detecte, conheça e respeite seus limites. Qualquer candidato a atleta tem, antes de começar a correr (ou a saltar, arremessar, jogar, não importa), que ser submetido a rigoroso exame médico, para conhecer suas condições físicas e determinar, por conseqüência, até onde pode chegar. Ultrapassar esses limites é o suprassumo da burrice..

Afinal, só um sujeito muito burro, que nunca tenha praticado com assiduidade sequer caminhadas, sairá por aí tentando imitar um Usain Bolt, ou algum desses resistentes atletas quenianos, acostumados a vencer maratonas, que nos parecem sequer se esforçar para tanto. Esforçam-se. Suas performances são frutos, muitas vezes, de anos de treinamento. Se o marinheiro de primeira viagem tentar imitar esses super corredores, corre o risco de sofrer algum problema cardíaco (não raro, algum, infarto), ou de agravá-lo, se já tiver algum, podendo até morrer em conseqüência disso. Tem que começar do be-a-bá atlético, passo a passo, por etapas e sempre respeitando os limites do seu corpo.

O mesmo vale para freqüentadores de academias, cada vez mais populares nesta época de culto ao físico. Ninguém vai, em um ou dois dias de malhação, modelar um corpo sarado, com uma barriga tipo “tanquinho” e bíceps de causar inveja a qualquer fisioculturista. Não deve, pois, chegar a esses institutos pretendendo levantar, por exemplo, logo de cara, pesos que até halterofilistas bem treinados e medalhistas olímpicos teriam dificuldades em erguer. Se o fizer... certamente terá severos comprometimentos físicos.

E esse princípio, de que “o exercício contínuo e disciplinado desenvolve e a falta de uso atrofia” é válido, também, para o cérebro? Sim, e talvez mais até do que para o corpo. Exige, todavia, que também sejam adotadas certas cautelas, ditadas pelo bom senso. Antes de tudo, igualmente, é necessário que cada um detecte seus limites e não tente, jamais, em nenhuma circunstância, ultrapassá-los, sob pena de, em vez de desenvolver a mente e o raciocínio, provocar uma estafa, de conseqüências imprevisíveis, mas sempre desastrosas ou, quem sabe, enlouquecer. Existe esse risco? Não posso jurar que sim, mas presumo que exista

Ler, por exemplo, é saudabilíssimo, em qualquer aspecto que se analise essa atividade. Mas a leitura, para ser útil e desenvolver o raciocínio, requer certas cautelas. O que, estão surpresos? Pois não deveriam! O primeiro cuidado, óbvio, a se adotar refere-se à iluminação adequada, para não comprometer os olhos. Quase ninguém tem essa preocupação, que considero elementar. Outra cautela é restringir a leitura a certo número de horas, em que seja possível manter a concentração, sem se tornar distraído ou dispersivo. Se o sujeito ler, por exemplo, por doze, quinze ou vinte horas consecutivas, não só não conseguirá apreender tudo o que o texto tem de bom a lhe oferecer, como corre o risco de ficar com uma baita dor de cabeça, quando não coisa pior.

Todo exercício, portanto, requer uma série de cautelas para, de fato, desenvolver, tanto o corpo quanto a mente. E para ter o efeito que desejarmos, exige (respeitadas as condições e cuidados que apontei), assiduidade. Não podem ser feitos só ocasionalmente, quando nos der na veneta. Além do que, a carga de exercícios, quer física quer mental, não pode ser cumulativa. O sujeito que deixou de correr algum dia, ou de se exercitar em uma academia (quando for o caso) ou de ler, escrever ou meditar, não pode fazê-lo em dobro, no dia seguinte, achando que poderá repor o que não fez quando deveria fazer. Não é assim que as coisas funcionam. Tem que ter autodisciplina e constância para se exercitar diariamente. Poucos têm.

No meu caso, embora não seja sequer esboço de atleta, não permito que meu corpo se atrofie. Não pratico corridas e muito menos malho em alguma academia, é verdade. Limito-me a caminhadas, estritamente nos limites do meu organismo. Mas faço-o todos os dias. Isso, óbvio, no que se refere a exercícios físicos. No aspecto mental, mantenho rígido programa de leituras, com duração máxima de duas horas diárias, todavia sem interrupção em nenhum dia, seja sábado, domingo ou feriado. Nem sempre me sinto disposto a ler, e ainda mais por esse prazo fixo de tempo. É aí, porém, que entra o fator autodisciplina. Com vontade ou sem ela, acomodo-me em uma cadeira, nem muito confortável e nem com falta de conforto, providencio a iluminação adequada, e leio, pelas programadas duas horas, que é (suponho) o meu limite.

Não sou, porém, paradigma de constância e muito menos de disciplina, que possa ou deva ser imitado, pelo menos no que se refere a outra atividade que exerço com constância: à escrita. Bem, escrever, escrevo, rigorosamente, todos os dias (e vocês são testemunhas disso, pelo menos quem vem me dando a honra de me seguir nos últimos oito anos). Quando diante da telinha em branco do computador, perco as estribeiras, esqueço toda noção de tempo, ignoro quaisquer limites e boto a prudência para escanteio. Escrevo, escrevo e escrevo, obsessiva e compulsivamente, enquanto me der na veneta. Deveria determinar meu limite para isso, claro. Não determino. Já houve ocasiões em que escrevi por oito horas consecutivas. Claro que foi contraproducente. Não raro, tive que refazer esses textos por completo, com calma, em dias em que adotei a desejável moderação, por serem malucos e incoerentes. Não respeitar limites,  portanto, é, no mínimo, contraproducente. Pense nisso.


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