A detecção de limites
Pedro
J. Bondaczuk
“O exercício contínuo e
disciplinado desenvolve, enquanto a falta de uso atrofia”. Quem nunca ouviu
essa afirmação? Ela é verdadeira e é comprovada pela experiência. Vale tanto
para o corpo, quanto para a mente. Claro que para ser eficaz e produzir os resultados
esperados, certas condições têm que ser satisfeitas. Exercícios são saudáveis,
sim, desde que cada um detecte, conheça e respeite seus limites. Qualquer
candidato a atleta tem, antes de começar a correr (ou a saltar, arremessar,
jogar, não importa), que ser submetido a rigoroso exame médico, para conhecer
suas condições físicas e determinar, por conseqüência, até onde pode chegar.
Ultrapassar esses limites é o suprassumo da burrice..
Afinal, só um sujeito
muito burro, que nunca tenha praticado com assiduidade sequer caminhadas, sairá
por aí tentando imitar um Usain Bolt, ou algum desses resistentes atletas
quenianos, acostumados a vencer maratonas, que nos parecem sequer se esforçar
para tanto. Esforçam-se. Suas performances são frutos, muitas vezes, de anos de
treinamento. Se o marinheiro de primeira viagem tentar imitar esses super
corredores, corre o risco de sofrer algum problema cardíaco (não raro, algum,
infarto), ou de agravá-lo, se já tiver algum, podendo até morrer em
conseqüência disso. Tem que começar do be-a-bá atlético, passo a passo, por
etapas e sempre respeitando os limites do seu corpo.
O mesmo vale para
freqüentadores de academias, cada vez mais populares nesta época de culto ao
físico. Ninguém vai, em um ou dois dias de malhação, modelar um corpo sarado,
com uma barriga tipo “tanquinho” e bíceps de causar inveja a qualquer
fisioculturista. Não deve, pois, chegar a esses institutos pretendendo
levantar, por exemplo, logo de cara, pesos que até halterofilistas bem
treinados e medalhistas olímpicos teriam dificuldades em erguer. Se o fizer...
certamente terá severos comprometimentos físicos.
E esse princípio, de
que “o exercício contínuo e disciplinado desenvolve e a falta de uso atrofia” é
válido, também, para o cérebro? Sim, e talvez mais até do que para o corpo.
Exige, todavia, que também sejam adotadas certas cautelas, ditadas pelo bom
senso. Antes de tudo, igualmente, é necessário que cada um detecte seus limites
e não tente, jamais, em nenhuma circunstância, ultrapassá-los, sob pena de, em
vez de desenvolver a mente e o raciocínio, provocar uma estafa, de
conseqüências imprevisíveis, mas sempre desastrosas ou, quem sabe, enlouquecer.
Existe esse risco? Não posso jurar que sim, mas presumo que exista
Ler, por exemplo, é
saudabilíssimo, em qualquer aspecto que se analise essa atividade. Mas a
leitura, para ser útil e desenvolver o raciocínio, requer certas cautelas. O
que, estão surpresos? Pois não deveriam! O primeiro cuidado, óbvio, a se adotar
refere-se à iluminação adequada, para não comprometer os olhos. Quase ninguém
tem essa preocupação, que considero elementar. Outra cautela é restringir a
leitura a certo número de horas, em que seja possível manter a concentração,
sem se tornar distraído ou dispersivo. Se o sujeito ler, por exemplo, por doze,
quinze ou vinte horas consecutivas, não só não conseguirá apreender tudo o que
o texto tem de bom a lhe oferecer, como corre o risco de ficar com uma baita
dor de cabeça, quando não coisa pior.
Todo exercício,
portanto, requer uma série de cautelas para, de fato, desenvolver, tanto o
corpo quanto a mente. E para ter o efeito que desejarmos, exige (respeitadas as
condições e cuidados que apontei), assiduidade. Não podem ser feitos só
ocasionalmente, quando nos der na veneta. Além do que, a carga de exercícios,
quer física quer mental, não pode ser cumulativa. O sujeito que deixou de
correr algum dia, ou de se exercitar em uma academia (quando for o caso) ou de
ler, escrever ou meditar, não pode fazê-lo em dobro, no dia seguinte, achando que
poderá repor o que não fez quando deveria fazer. Não é assim que as coisas
funcionam. Tem que ter autodisciplina e constância para se exercitar
diariamente. Poucos têm.
No meu caso, embora não
seja sequer esboço de atleta, não permito que meu corpo se atrofie. Não pratico
corridas e muito menos malho em alguma academia, é verdade. Limito-me a
caminhadas, estritamente nos limites do meu organismo. Mas faço-o todos os
dias. Isso, óbvio, no que se refere a exercícios físicos. No aspecto mental,
mantenho rígido programa de leituras, com duração máxima de duas horas diárias,
todavia sem interrupção em nenhum dia, seja sábado, domingo ou feriado. Nem
sempre me sinto disposto a ler, e ainda mais por esse prazo fixo de tempo. É
aí, porém, que entra o fator autodisciplina. Com vontade ou sem ela, acomodo-me
em uma cadeira, nem muito confortável e nem com falta de conforto, providencio
a iluminação adequada, e leio, pelas programadas duas horas, que é (suponho) o
meu limite.
Não sou, porém,
paradigma de constância e muito menos de disciplina, que possa ou deva ser
imitado, pelo menos no que se refere a outra atividade que exerço com
constância: à escrita. Bem, escrever, escrevo, rigorosamente, todos os dias (e
vocês são testemunhas disso, pelo menos quem vem me dando a honra de me seguir
nos últimos oito anos). Quando diante da telinha em branco do computador, perco
as estribeiras, esqueço toda noção de tempo, ignoro quaisquer limites e boto a
prudência para escanteio. Escrevo, escrevo e escrevo, obsessiva e compulsivamente,
enquanto me der na veneta. Deveria determinar meu limite para isso, claro. Não
determino. Já houve ocasiões em que escrevi por oito horas consecutivas. Claro
que foi contraproducente. Não raro, tive que refazer esses textos por completo,
com calma, em dias em que adotei a desejável moderação, por serem malucos e
incoerentes. Não respeitar limites, portanto,
é, no mínimo, contraproducente. Pense nisso.
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