Thursday, August 07, 2014

Êxitos surpreendentes


Pedro J. Bondaczuk


A América Latina, com a restauração da democracia em vários países, em especial do chamado “Conre Sul”, aos poucos vai tomando consciência de que, a despeito de suas monumentais carências, é bastante forte, desde que seus povos atuem unidos por ideais comuns.

O melhor exemplo disso é o chamado Grupo de Cartagena. Quando ele se reuniu pela primeira vez, na cidade colombiana que lhe empresta o nome, no ano passado, o encontro foi recebido com menosprezo em diversos círculos. E o que é pior, a maioria deles são latino-americanos mesmo, pois entre nós há muita gente que, no afã de defender intoleráveis privilégios, acaba sendo mais realista do que o próprio rei.

O grupo foi apelidado, então, de “Cartel da Miséria”, “Clube dos Devedores”, “Associação de Caloteiros” e outros tantos epitetos desabonadores. Mesmo os mais moderados, conhecendo a enorme propensão que temos para a retórica e a baixa eficiência na adoção de medidas práticas, não acreditavam que dessas reuniões saísse qualquer espécie de resultado útil.

Enganaram-se todos os que assim pensavam. Mesmo que doravante o Grupo de Cartagena não obtenha mais qualquer sucesso, apenas o fato de fazer com que os credores entendessem que a questão da dívida externa da América Latina era muito mais política, do que meramente financeira, já foi uma vitória nada desprezível.

De quebra, graças a uma ação diplomática inteligente (e por isso moderada) os países integrantes dessa associação informal convenceram vários círculos governamentais dos países industrializados que se não houvesse pelo menos uma expectativa de crescimento entre os endividados, os débitos que estes tinham corriam o risco de não serem pagos jamais.

Não porque sejamos caloteiros, irresponsáveis e descumpridores de nossas obrigações. Afinal, a generalidade dos latino-americanos é favorável ao cumprimento desse compromisso que, mesmo assumido à revelia da população (geralmente por governos surgidos através da força), certamente será honrado. O que ninguém concorda é que para isso se coloque em risco a própria sobrevivência nacional. Como dizia Tancredo, “dívida se paga com dinheiro, e não com a fome do povo”.

Os empréstimos, que ora preocupam os países da América Latina, foram tomados justamente para a promoção de seu desenvolvimento. Não se justifica, pois, que esse venha a ser abruptamente interrompido para o pagamento da dívida assumida. Se assim for feito, inexistirá qualquer lógica mínima no endividamento.

O sacrifício acabará não valendo para absolutamente nada. É isso o que os integrantes do Grupo de Cartagena querem que os credores entendam. Ninguém está defendendo renegociações em bloco, até porque isso seria impossível. As características de cada um dos devedores são bem diferentes uma da outra. Os bancos, para os quais devem, nem sempre são os mesmos, como diversas foram, também, as aplicações dos empréstimos contraídos.

A própria sugestão do chamado Plano Baker, apresentada pelo secretário do Tesouro dos EUA, na reunião conjunta do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, realizada em outubro, em Seul, na Coréia do Sul, é uma vitória de todos. Dos credores e dos devedores.

Uns, porque, sem desviarem os olhos da sadia noção do lucro, já começam a perceber também a função social que deve ter a riqueza. Outros, porque, embora sem desejar comprometer o futuro de milhões de pessoas, e cientes da cordilheira de problemas sociais a transpor, reafirmam a disposição de honrar seus débitos e de evitar um caos econômico mundial, caldo de cultura propício para o desenvolvimento de perigosos aventureirismos.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 17 de dezembro de 1985).


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk     

No comments: