Êxitos surpreendentes
Pedro J. Bondaczuk
A
América Latina, com a restauração da democracia em vários países, em especial
do chamado “Conre Sul”, aos poucos vai tomando consciência de que, a despeito
de suas monumentais carências, é bastante forte, desde que seus povos atuem
unidos por ideais comuns.
O melhor exemplo disso é o chamado Grupo de
Cartagena. Quando ele se reuniu pela primeira vez, na cidade colombiana que lhe
empresta o nome, no ano passado, o encontro foi recebido com menosprezo em
diversos círculos. E o que é pior, a maioria deles são latino-americanos mesmo,
pois entre nós há muita gente que, no afã de defender intoleráveis privilégios,
acaba sendo mais realista do que o próprio rei.
O grupo foi apelidado, então, de “Cartel da
Miséria”, “Clube dos Devedores”, “Associação de Caloteiros” e outros tantos
epitetos desabonadores. Mesmo os mais moderados, conhecendo a enorme propensão
que temos para a retórica e a baixa eficiência na adoção de medidas práticas,
não acreditavam que dessas reuniões saísse qualquer espécie de resultado útil.
Enganaram-se todos os que assim pensavam. Mesmo que
doravante o Grupo de Cartagena não obtenha mais qualquer sucesso, apenas o fato
de fazer com que os credores entendessem que a questão da dívida externa da América
Latina era muito mais política, do que meramente financeira, já foi uma vitória
nada desprezível.
De quebra, graças a uma ação diplomática inteligente
(e por isso moderada) os países integrantes dessa associação informal
convenceram vários círculos governamentais dos países industrializados que se
não houvesse pelo menos uma expectativa de crescimento entre os endividados, os
débitos que estes tinham corriam o risco de não serem pagos jamais.
Não porque sejamos caloteiros, irresponsáveis e
descumpridores de nossas obrigações. Afinal, a generalidade dos
latino-americanos é favorável ao cumprimento desse compromisso que, mesmo
assumido à revelia da população (geralmente por governos surgidos através da
força), certamente será honrado. O que ninguém concorda é que para isso se
coloque em risco a própria sobrevivência nacional. Como dizia Tancredo, “dívida
se paga com dinheiro, e não com a fome do povo”.
Os empréstimos, que ora preocupam os países da
América Latina, foram tomados justamente para a promoção de seu
desenvolvimento. Não se justifica, pois, que esse venha a ser abruptamente
interrompido para o pagamento da dívida assumida. Se assim for feito,
inexistirá qualquer lógica mínima no endividamento.
O sacrifício acabará não valendo para absolutamente
nada. É isso o que os integrantes do Grupo de Cartagena querem que os credores
entendam. Ninguém está defendendo renegociações em bloco, até porque isso seria
impossível. As características de cada um dos devedores são bem diferentes uma
da outra. Os bancos, para os quais devem, nem sempre são os mesmos, como
diversas foram, também, as aplicações dos empréstimos contraídos.
A própria sugestão do chamado Plano Baker,
apresentada pelo secretário do Tesouro dos EUA, na reunião conjunta do Fundo
Monetário Internacional e do Banco Mundial, realizada em outubro, em Seul, na
Coréia do Sul, é uma vitória de todos. Dos credores e dos devedores.
Uns, porque, sem desviarem os olhos da sadia noção
do lucro, já começam a perceber também a função social que deve ter a riqueza.
Outros, porque, embora sem desejar comprometer o futuro de milhões de pessoas,
e cientes da cordilheira de problemas sociais a transpor, reafirmam a
disposição de honrar seus débitos e de evitar um caos econômico mundial, caldo
de cultura propício para o desenvolvimento de perigosos aventureirismos.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 17 de dezembro de 1985).
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