Generais
ameaçam perestroika
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente Mikhail Gorbachev, em sua visita ao Japão, analisada como sendo mal
sucedida pela mídia do Ocidente, fez uma declaração, no Parlamento japonês, que
mostra bem o grau de liberdade que há hoje em seu país, por obra e mérito seus.
Ao referir-se à questão das Ilhas Kurilas, ponto central das discórdias entre
os dois Estados, há 46 anos, disse que "a opinião pública" soviética
o impede de negociar a soberania do arquipélago.
Para
a maioria dos analistas, a afirmação passou absolutamente em branco. Todavia,
ela é importantíssima, por mostrar a nova mentalidade que hoje há no Cremlin.
Jamais, em tempo algum, um governante da URSS se preocupou com o que realmente
o seu povo pensava. Afinal, sabia o que era.
A
cabeça da população vivia repleta daquilo que os todo-poderosos colocavam nela,
através de um enorme aparato de propaganda. E ai daquele que ousasse pensar
diferente, por conta própria.
Todavia,
os mesmos pseudo-arautos da democracia, que por tanto tempo condenaram --- com
razão --- o desrespeito aos direitos humanos na União Soviética, vêem nessa
atitude de Gorbachev um sinal evidente de fraqueza. Já há apostas até em muitos
lugares do mundo sobre quando o presidente soviético irá cair.
Ameaçado
disso ele sempre esteve. Mesmo antes do lançamento da perestroika sua situação
não era segura. Um editorial do "Izvéstia", o jornal oficial do
governo, constatou, em 23 de janeiro de 1990: "As forças de direita, junto
com a esquerda radical, tentaram desestabilizar o governo e levaram a sociedade
a acreditar que a União Soviética precisa de um poder forte, capaz de dirigir o
país com mão de ferro". É evidente que Gorbachev não se presta a esse
papel.
A
manchete de um dos mais prestigiosos jornais alemães, de sexta-feira, o
"Frankfurter Allgemeine Zeitung", foi: "Luta pelo poder na União
Soviética: KGB e generais contra Gorbachev". O país está tomado por greves
e agitações em toda a parte. Centenas de milhares de trabalhadores estão sabotando
o presente e o futuro de seu próprio país, apenas para exigir a renúncia do
único político que, objetivamente, os pode tirar do buraco onde 73 anos de
comunismo os meteram.
O
ex-ministro de Relações Exteriores, Eduard Shevardnadze, fez, recentemente, uma
denúncia, a uma revista alemã, alarmante e que dá bem conta do tipo de
obstáculo que Gorbachev está enfrentando. O ex-chanceler disse que o Cremlin
foi fortemente pressionado, e até ameaçado, para não permitir a abertura no
Leste europeu e principalmente a reunificação alemã.
Os
conservadores chegaram a propor, inclusive, "intervenções militares"
nos países que procuravam se libertar do comunismo, o que fatalmente conduziria
a uma Terceira Guerra Mundial, evidentemente nuclear. Esse é o tipo de
adversário que a perestroika tem pela frente.
Trata-se
de gente que não está disposta a nenhum confronto de idéias, mas quer o poder a
todo o custo, mesmo que para isso seja preciso sacrificar toda a humanidade. E,
convenhamos, para enfrentar esse pessoal insensível, Gorbachev conta com
pouquíssima ajuda, virtualmente nenhuma e hoje não pode contar com nada que não
seja somente o seu incrível talento de sobrevivência política. É muito pouco
para um risco de tamanhas proporções.
(Artigo
publicado na página 22, Internacional, do Correio Popular, em 21 de abril de
1991).
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