Saturday, August 02, 2014

Generais ameaçam perestroika


Pedro J. Bondaczuk


O presidente Mikhail Gorbachev, em sua visita ao Japão, analisada como sendo mal sucedida pela mídia do Ocidente, fez uma declaração, no Parlamento japonês, que mostra bem o grau de liberdade que há hoje em seu país, por obra e mérito seus. Ao referir-se à questão das Ilhas Kurilas, ponto central das discórdias entre os dois Estados, há 46 anos, disse que "a opinião pública" soviética o impede de negociar a soberania do arquipélago.

Para a maioria dos analistas, a afirmação passou absolutamente em branco. Todavia, ela é importantíssima, por mostrar a nova mentalidade que hoje há no Cremlin. Jamais, em tempo algum, um governante da URSS se preocupou com o que realmente o seu povo pensava. Afinal, sabia o que era.

A cabeça da população vivia repleta daquilo que os todo-poderosos colocavam nela, através de um enorme aparato de propaganda. E ai daquele que ousasse pensar diferente, por conta própria.

Todavia, os mesmos pseudo-arautos da democracia, que por tanto tempo condenaram --- com razão --- o desrespeito aos direitos humanos na União Soviética, vêem nessa atitude de Gorbachev um sinal evidente de fraqueza. Já há apostas até em muitos lugares do mundo sobre quando o presidente soviético irá cair.

Ameaçado disso ele sempre esteve. Mesmo antes do lançamento da perestroika sua situação não era segura. Um editorial do "Izvéstia", o jornal oficial do governo, constatou, em 23 de janeiro de 1990: "As forças de direita, junto com a esquerda radical, tentaram desestabilizar o governo e levaram a sociedade a acreditar que a União Soviética precisa de um poder forte, capaz de dirigir o país com mão de ferro". É evidente que Gorbachev não se presta a esse papel.

A manchete de um dos mais prestigiosos jornais alemães, de sexta-feira, o "Frankfurter Allgemeine Zeitung", foi: "Luta pelo poder na União Soviética: KGB e generais contra Gorbachev". O país está tomado por greves e agitações em toda a parte. Centenas de milhares de trabalhadores estão sabotando o presente e o futuro de seu próprio país, apenas para exigir a renúncia do único político que, objetivamente, os pode tirar do buraco onde 73 anos de comunismo os meteram.

O ex-ministro de Relações Exteriores, Eduard Shevardnadze, fez, recentemente, uma denúncia, a uma revista alemã, alarmante e que dá bem conta do tipo de obstáculo que Gorbachev está enfrentando. O ex-chanceler disse que o Cremlin foi fortemente pressionado, e até ameaçado, para não permitir a abertura no Leste europeu e principalmente a reunificação alemã.

Os conservadores chegaram a propor, inclusive, "intervenções militares" nos países que procuravam se libertar do comunismo, o que fatalmente conduziria a uma Terceira Guerra Mundial, evidentemente nuclear. Esse é o tipo de adversário que a perestroika tem pela frente.

Trata-se de gente que não está disposta a nenhum confronto de idéias, mas quer o poder a todo o custo, mesmo que para isso seja preciso sacrificar toda a humanidade. E, convenhamos, para enfrentar esse pessoal insensível, Gorbachev conta com pouquíssima ajuda, virtualmente nenhuma e hoje não pode contar com nada que não seja somente o seu incrível talento de sobrevivência política. É muito pouco para um risco de tamanhas proporções.

(Artigo publicado na página 22, Internacional, do Correio Popular, em 21 de abril de 1991).

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