Monday, August 18, 2014

Maior problema mundial

Pedro J. Bondaczuk

O escritor, muito mais do que o jornalista, é o guardião e a grande testemunha dos costumes e comportamentos do seu tempo. Faz seus registros tanto mediante ficção – posto que baseada na realidade que vive ou que constata – quanto por não ficção. No primeiro caso, coloca suas opiniões sutilmente, na boca dos personagens que cria. Não raro, porém, manifesta-se, também, mediante ensaios e outros tipos de textos opinativos em livros que, quanto mais velhos ficam, mais preciosos se tornam. Ao contrário do trabalho do jornalista, cujas notícias que traz ao público “morrem” no dia seguinte, o do escritor sobrevive e serve de fonte aos historiadores do futuro.

Como escritor, atento ao que ocorre ao meu redor, pergunto: Qual o maior problema do nosso tempo? Bem, são tantos, que sua simples enumeração preencheria páginas e mais páginas. Em termos quantitativos, porém, o que envolve maior número de pessoas, entendo que seja a miséria e o cada vez mais profundo fosso que divide os que têm demais a ponto de esbanjar o que têm, sem consciência e nem receio, e as hordas, que ascendem aos bilhões, de miseráveis.

Os norte-americanos, por exemplo, são extremamente sensíveis a críticas ao sistema capitalista, a base e a razão de ser de toda a prosperidade dos Estados Unidos, que levou esse país, disparadamente, a se situar entre as sociedades mais ricas já existentes no Planeta em todos os tempos. E têm razão. Afinal, conquistaram a posição que ostentam com muito trabalho. Apenas para que o leitor tenha uma idéia, sua população, estimada, em julho de 2011 em pouco mais de 313 milhões de habitantes (por volta de 5% dos mais de sete bilhões que vivem no mundo) detém por volta de 50% de toda a riqueza mundial, somada e acumulada desde o início da civilização.

O Produto Nacional Bruto de 157 países, em 2008, ascendia a algo em torno de US$ 10 trilhões. Apenas o norte-americano, sozinho, era, na ocasião, de US$ 14,33 trilhões. Portanto, quanto ao aspecto acumulação de riqueza, ninguém pode negar o sucesso do capitalismo nos EUA. Aliás, no mundo ocidental, o que se combate, a rigor, não é esse sistema, quando praticado tendo em  vista não apenas o lucro pelo lucro, mas o desenvolvimento pleno do ser humano, da sociedade e do mundo. O capital é indispensável quando serve ao homem, mas é um instrumento injusto quando o escraviza. O que se reprova são as distorções e desvios do capitalismo, que descambam para a prática imoral, e esta sim condenável sob qualquer aspecto que se olhe, da pura exploração do semelhante.

O padrão de vida do norte-americano é o sonho de cidadãos de qualquer outro país do Planeta. Principalmente o de consumo. Para que o leitor tenha uma idéia, estudo recente concluiu que para que todas as pessoas do mundo tivessem padrão semelhante ao dos habitantes dos Estados Unidos, seriam necessários cinco planetas Terra! Claro que só temos um. A todos os outros povos, portanto, restam somente migalhas, se tanto. Esse brutal desnível gera toda a sorte de ressentimentos. E nem estou discutindo se estes são justos ou injustos. Simplesmente existem, ostensiva ou disfarçadamente. É um fato.
 
O ex-chanceler argentino, Dante Caputo, fez, em 18 de fevereiro de 1989, em Genebra, perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU, brilhante discurso abordando tema bastante surrado, evitado por muitos, mas sempre oportuno. Falou sobre a miséria e os riscos que ela representa para a paz mundial e para o entendimento entre os povos. Na oportunidade, chegou a usar de uma alegoria até bastante original. Disse que ninguém pode viajar em segurança, na primeira classe de um transatlântico de luxo, quando nos porões da embarcação há uma bomba, prestes a explodir. Para Caputo, este artefato mortal vem a ser a miséria do Terceiro Mundo.

Mais da metade da humanidade não sabe, por exemplo, o que é liberdade. Essa cifra talvez já chegue a dois terços. Quase o mesmo tanto vegeta, sem nenhuma perspectiva de futuro, nem para si e muito menos para os filhos, no mais completo “Deus dará”. Esse estado de coisas, obviamente, é um caldo de cultura ideal para o surgimento do terrorismo. Embora seja verdade que muitas vezes as lideranças do terror emergem das universidades, são os milhões de deserdados da sorte, de indivíduos que não têm onde morar, que não têm o que perder e que são empurrados de um acampamento de refugiados para outro, que servem de massa de manobra para líderes messiânicos, para oportunistas sem caráter e nem piedade que acham que para chegar ao “céu” precisam, antes, estabelecer o “inferno” na Terra.

É possível um indivíduo abastado construir uma mansão, com todos os requintes possíveis de luxo e suntuosidade, no meio de uma miserável favela e ainda assim se sentir seguro em seu interior? O contraste gritante entre os extremos da riqueza e da pobreza tenderá a acumular ódios e frustrações (isso é típico do ser humano), que um dia, fatalmente, terminarão por desaguar em violências, saques e destruições. É questão de lógica. O mesmo se aplica a países. É possível que os Estados Unidos, mesmo com o magnífico poderio militar que dispõem, se sintam totalmente seguros, cercados por tanta miséria e falta de perspectivas, como existem ao seu redor no restante, já não digo do mundo, mas das Repúblicas das Américas? Ouso afirmar que não.
  
Caputo ressaltou, no discurso que citei, com muita propriedade, que é impossível esperar uma paz duradoura e estável enquanto esta “bomba” estiver armada, pronta para explodir a qualquer instante. Eu acrescentaria que não pode ser pacífico um mundo em que 900 milhões de pessoas não sabem ler e nem escrever. Em que um bilhão residem em taperas e cem milhões nem isso têm para lhes cobrir a cabeça. Em que morrem 40 crianças por minuto, por falta de comida, quando há tanto desperdício. Em que quase três bilhões e meio de seres humanos não são livres para pensar, trabalhar e decidir seus destinos. Miséria, portanto, não deveria ser assunto somente de intelectuais, mas de todos os que acreditam que este mundo ainda tem salvação. Infelizmente, ainda é.


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