Maior problema mundial
Pedro J. Bondaczuk
O escritor, muito mais do
que o jornalista, é o guardião e a grande testemunha dos costumes e
comportamentos do seu tempo. Faz seus registros tanto mediante ficção – posto
que baseada na realidade que vive ou que constata – quanto por não ficção. No
primeiro caso, coloca suas opiniões sutilmente, na boca dos personagens que
cria. Não raro, porém, manifesta-se, também, mediante ensaios e outros tipos de
textos opinativos em livros que, quanto mais velhos ficam, mais preciosos se
tornam. Ao contrário do trabalho do jornalista, cujas notícias que traz ao
público “morrem” no dia seguinte, o do escritor sobrevive e serve de fonte aos
historiadores do futuro.
Como escritor, atento ao
que ocorre ao meu redor, pergunto: Qual o maior problema do nosso tempo? Bem,
são tantos, que sua simples enumeração preencheria páginas e mais páginas. Em
termos quantitativos, porém, o que envolve maior número de pessoas, entendo que
seja a miséria e o cada vez mais profundo fosso que divide os que têm demais a
ponto de esbanjar o que têm, sem consciência e nem receio, e as hordas, que
ascendem aos bilhões, de miseráveis.
Os norte-americanos, por
exemplo, são extremamente sensíveis a críticas ao sistema capitalista, a base e
a razão de ser de toda a prosperidade dos Estados Unidos, que levou esse país,
disparadamente, a se situar entre as sociedades mais ricas já existentes no
Planeta em todos os tempos. E têm razão. Afinal, conquistaram a posição que
ostentam com muito trabalho. Apenas para que o leitor tenha uma idéia, sua
população, estimada, em julho de 2011 em pouco mais de 313 milhões de
habitantes (por volta de 5% dos mais de sete bilhões que vivem no mundo) detém
por volta de 50% de toda a riqueza mundial, somada e acumulada desde o início
da civilização.
O
Produto Nacional Bruto de 157 países, em 2008, ascendia a algo em torno de US$
10 trilhões. Apenas o norte-americano, sozinho, era, na ocasião, de US$ 14,33
trilhões. Portanto, quanto ao aspecto acumulação de riqueza, ninguém pode negar
o sucesso do capitalismo nos EUA. Aliás, no mundo ocidental, o que se combate,
a rigor, não é esse sistema, quando praticado tendo em vista não apenas o lucro pelo lucro, mas o
desenvolvimento pleno do ser humano, da sociedade e do mundo. O capital é
indispensável quando serve ao homem, mas é um instrumento injusto quando o
escraviza. O que se reprova são as distorções e desvios do capitalismo, que
descambam para a prática imoral, e esta sim condenável sob qualquer aspecto que
se olhe, da pura exploração do semelhante.
O
padrão de vida do norte-americano é o sonho de cidadãos de qualquer outro país
do Planeta. Principalmente o de consumo. Para que o leitor tenha uma idéia,
estudo recente concluiu que para que todas as pessoas do mundo tivessem padrão
semelhante ao dos habitantes dos Estados Unidos, seriam necessários cinco
planetas Terra! Claro que só temos um. A todos os outros povos, portanto,
restam somente migalhas, se tanto. Esse brutal desnível gera toda a sorte de
ressentimentos. E nem estou discutindo se estes são justos ou injustos.
Simplesmente existem, ostensiva ou disfarçadamente. É um fato.
O ex-chanceler argentino,
Dante Caputo, fez, em 18 de fevereiro de 1989, em Genebra, perante a Comissão
de Direitos Humanos da ONU, brilhante discurso abordando tema bastante surrado,
evitado por muitos, mas sempre oportuno. Falou sobre a miséria e os riscos que
ela representa para a paz mundial e para o entendimento entre os povos. Na
oportunidade, chegou a usar de uma alegoria até bastante original. Disse que
ninguém pode viajar em segurança, na primeira classe de um transatlântico de
luxo, quando nos porões da embarcação há uma bomba, prestes a explodir. Para
Caputo, este artefato mortal vem a ser a miséria do Terceiro Mundo.
Mais
da metade da humanidade não sabe, por exemplo, o que é liberdade. Essa cifra
talvez já chegue a dois terços. Quase o mesmo tanto vegeta, sem nenhuma
perspectiva de futuro, nem para si e muito menos para os filhos, no mais
completo “Deus dará”. Esse estado de coisas, obviamente, é um caldo de cultura
ideal para o surgimento do terrorismo. Embora seja verdade que muitas vezes as
lideranças do terror emergem das universidades, são os milhões de deserdados da
sorte, de indivíduos que não têm onde morar, que não têm o que perder e que são
empurrados de um acampamento de refugiados para outro, que servem de massa de
manobra para líderes messiânicos, para oportunistas sem caráter e nem piedade
que acham que para chegar ao “céu” precisam, antes, estabelecer o “inferno” na
Terra.
É
possível um indivíduo abastado construir uma mansão, com todos os requintes
possíveis de luxo e suntuosidade, no meio de uma miserável favela e ainda assim
se sentir seguro em seu interior? O contraste gritante entre os extremos da
riqueza e da pobreza tenderá a acumular ódios e frustrações (isso é típico do
ser humano), que um dia, fatalmente, terminarão por desaguar em violências,
saques e destruições. É questão de lógica. O mesmo se aplica a países. É
possível que os Estados Unidos, mesmo com o magnífico poderio militar que
dispõem, se sintam totalmente seguros, cercados por tanta miséria e falta de
perspectivas, como existem ao seu redor no restante, já não digo do mundo, mas
das Repúblicas das Américas? Ouso afirmar que não.
Caputo
ressaltou, no discurso que citei, com muita propriedade, que é impossível
esperar uma paz duradoura e estável enquanto esta “bomba” estiver armada,
pronta para explodir a qualquer instante. Eu acrescentaria que não pode ser
pacífico um mundo em que 900 milhões de pessoas não sabem ler e nem escrever.
Em que um bilhão residem em taperas e cem milhões nem isso têm para lhes cobrir
a cabeça. Em que morrem 40 crianças por minuto, por falta de comida, quando há
tanto desperdício. Em que quase três bilhões e meio de seres humanos não são
livres para pensar, trabalhar e decidir seus destinos. Miséria, portanto, não
deveria ser assunto somente de intelectuais, mas de todos os que acreditam que
este mundo ainda tem salvação. Infelizmente, ainda é.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment