Três mensagens para João Paulo II ler
O papa João Paulo II, acostumado a ver as misérias mais
terríveis em suas dezenas de viagens pastorais que realizou, em nove anos de
pontificado, por uma infinidade de países, tentará levar, dentro de quatro
dias, alívio para uma população que vive um doloroso drama desde 1973, a partir
da terça-feira da próxima semana.
Em mais de 96 horas, estará num
Estado independente que já foi apontado como modelar, e não faz muito tempo, no
que diz respeito à observância das regras de proteção das instituições e à
convivência de suas diversas classes sociais. Uma República sul-americana que
primava pelo liberalismo e pelo Estado de Direito e cujas Forças Armadas eram
as mais profissionalizadas da América Latina, não se imiscuindo de maneira
alguma em questões políticas.
Referimo-nos ao Chile, que no
momento em que o nosso continente foi varrido por uma avalanche de golpes, com
a instituição de inúmeras ditaduras, teve o heroísmo de despertar a consciência
mundial para as violações dos direitos humanos que ocorriam no hemisfério.
É verdade que não vão faltar
tentativas de sonegar a verdade ao Pontífice. O regime que mantém hoje as
prisões superlotadas de presos de consciência e que vem freqüentemente a público
perorar contra sociedades que desgraçadamente também adotam essa prática,
reparando no “cisco” no olho do irmão, sem se dar conta do “argueiro” que há em
seu próprio, tentará apresentar para João Paulo II uma imagem de pacificador.
Vai ressaltar que graças à
mediação papal, resolveu pacificamente a controvérsia sobre o Canal de Beagle
com a Argentina. Esse, por sinal, é um dos principais motivos da atual visita
do Papa ao Chile. Os vários letreiros que as autoridades mandaram colocar em
vários pontos de Santiago refletem essa preocupação de mostrar a imagem de um
país que não existe. De uma sociedade nacional em que hipoteticamente haveria
harmonia interna e concórdia em nível de vizinhança. Eles dizem: “João Paulo
II, Árbitro da Paz”.
A sociedade chilena, por seu
turno, quer desvincular a visita de qualquer conotação política que o regime e
seus opositores desejam dar. Por isso, vem se esforçando para que o evento se
constitua num congraçamento de fé e nada mais do que isso.
Ela também se preocupou em espalhar
“slogans” e mensagens, ressaltando esse aspecto meramente pastoral do encontro
do povo do Chile com o Papa. Aliás, o lema oficial do acontecimento não é o
governamental, mas o da hierarquia eclesiástica. E para reforçá-lo, ela mandou
cobrir a cidade de cartazes com os dizeres: “João Paulo II, Mensageiro da
Vida”.
Entretanto, será que o Pontífice,
traquejado nessas questões que envolvem tiranias e tiranizados (afinal, é
oriundo de um país que h’as muito desconhece o real significado de se viver em
liberdade) será ludibriado por essa “cortina de fumaça”?
Será que deixará de observar a
aflição e o desespero de um povo que não pede nada além do que o direito de
dirigir a sua própria existência? De escolher o seu governo, optar por um
caminho, participar da instituição de um sistema onde todos tenham voz e vez?
Porque os “slogans” dos chilenos
não são os que constam dos letreiros do governo e dos cartazes da Igreja. Eles
concordam, certamente, que João Paulo II seja “Árbitro da Paz” e “Mensageiro da
Vida”. Para o cidadão comum, porém, é desnecessário ressaltar aquilo que é
óbvio e que os povos das várias partes do mundo sabem sobejamente.
O que cada um deles deseja é
emitir o seu grito de socorro a quem o pode ouvir. Sua oportunidade de enviar
esse desesperado “SOS”, no entanto, é muito restrita. Não pode expressar o que
sente em letreiros e cartazes. Mas manifesta este sentimento em inscrições
pichadas nos muros e paredes de toda a cidade. Em forma de um apelo. De um
grito de agonia. De um agoniado pedido de socorro.
Suas palavras são mais diretas,
cruas, sem salamaleques. Suas inscrições, que incomodam a consciência um tanto
cauterizada do mundo, dizem, simplesmente: “Santo Padre, no Chile se
assassina”. E o Papa não deixará, com certeza, de fazer alguma coisa para que
isso não continue acontecendo. Ele haverá, de uma forma ou de outra, de receber
a verdadeira mensagem dos chilenos. Afinal, é impossível esconder para sempre a
verdade.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 28
de março de 1987).
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