Fundador da estirpe
paulista
Pedro
J. Bondaczuk
A importância de João
Ramalho para a colonização portuguesa da Capitania de São Vicente e para a
fundação e consolidação da que é hoje a mais importante e uma das mais
populosas metrópoles da América Latina – essa São Paulo que tanto fascina e ao
mesmo tempo tanto assusta quem pisa nela pela primeira vez – foi muito maior do
que os historiadores contemporâneos admitem. Sem a atuação desse misterioso
aventureiro, nada disso teria sido possível. E vou mais longe: o Brasil não
seria este país vastíssimo e miscigenado e talvez seria, hoje, mera colcha de
retalhos de republiquetas miseráveis, sem importância, obscuras e sem
viabilidade. Exagero meu? Longe disso.
No caso da expansão
territorial, é mister lembrar que o que se pode chamar – como Roberto Pompeu de
Toledo chamou, em excelente matéria publicada há algum tempo na “Veja São
Paulo” – de “Dinastia Mameluca”, não teria existido. Recorde-se que se atribui
a João Ramalho a geração de cerca de três centenas de filhos, com diversas
índias, sendo nove deles com Bartira. Multiplique isso por dez (pois naquele
tempo a taxa de natalidade média girava em torno dessa cifra) e teremos pelo
menos três mil netos. Sigam sempre multiplicando e chegarão a números muito
expressivos de bisnetos, tataranetos e vai por aí afora. Não é exagero dizer
que esse português truculento e misterioso povoou o inóspito território do
atual Estado de São Paulo, muito mais do
que as levas de colonos enviadas para cá pela Coroa portuguesa.
Embora não se possa
afirmar que João Ramalho tenha sido bandeirante – não o foi – as bandeiras
originaram-se dos ousados e temidos mamelucos paulistas, na imensa maioria seus
descendentes. E sem a atuação destes, o território do Brasil não teria sido
expandido às dimensões que foi e a população brasileira ficaria restrita, sem
dúvida, às faixas litorâneas.
Insisto em afirmar que
São Paulo não existiria sem sua atuação. A esse propósito, só posso concordar
com a afirmação de Roberto Pompeu de Toledo, na matéria que citei: “Manoel da
Nóbrega e José de Anchieta estudaram, ambos, na Universidade de Coimbra.
Escreviam com desenvoltura e sabiam latim. Não teriam levado a cabo a tarefa de
plantar um colégio no alto da serra, porém, não fosse a colaboração de uma
dupla bem mais tosca: o português João Ramalho e o índio Tibiriçá” E não teriam
mesmo. Nem eles e nem ninguém.
Não estranho, portanto,
o fato dos jesuítas terem “perdoado” os atos do aventureiro português, que
classificavam, em suas cartas a Inácio de Loyola, como “corrupções mais graves
do que as cometidas pelos habitantes de Sodoma e Gomorra”, que levaram Deus a
destruí-las, de acordo com os relatos bíblicos. Interpreto esse “perdão” como
político, como diplomático, dada a necessidade que tinham dos préstimos de João
Ramalho.
Pelos cânones de então,
da Igreja, em uma época em que a Inquisição complicava a vida de qualquer
pessoa que apenas desconfiasse que estivesse praticando atos que pudessem ser
interpretados como “heresias”, a suspensão da excomunhão daquele homem bruto,
daquela selvagem e indomável força da natureza, em condições normais, não
seria, sequer, cogitada. Vivesse na Europa de então, seria, mais do que certa,
sua imolação em uma fogueira, pelo delito de heresia. No entanto... foi
perdoado, batizado e aceito pela Igreja como membro pleno.
As tradicionais
famílias paulistas de hoje, que tanto se orgulham de suas raízes
“quatrocentonas”, descendem, praticamente todas, desse tronco comum: de João
Ramalho e seus filhos, netos, bisnetos, tataranetos etc.etc.etc. Qualquer
pesquisa genealógica comprovará essa origem até sem maiores esforços.
Muitos perguntam por
que esse pioneiro português foi alçado ao cargo de vereador em São Paulo, se
tinha a própria cidade, que havia fundado, com seus filhos, aliados e amigos,
para governar? Raimundo de Menezes esclarece esse ponto, no livro “Aconteceu no
velho São Paulo” (Coleção Saraiva, 1964): “Já nessa época, São Paulo de
Piratininga progredia, absorvendo completamente a vila (Santo André) que ficara
para trás. Mem de Sá determinara que Santo André se extinguisse e todos se
mudassem para São Paulo. O próprio João Ramalho acabou por concordar. E para
contentá-lo, nomearam-no capitão-mor de São Paulo. Era uma maneira jeitosa de
atraí-lo”. Todavia, a aceitação não foi imediata. Mas essa é “uma outra
história que fica para uma outra vez”, como diria o saudoso Júlio Gouveia, da
TV Tupi, ao fim de cada episódio do “Sítio do Pica-pau Amarelo”, o original,
aquele muito anterior à formação da própria Rede Globo, adaptado para a TV por
sua esposa, Tatiana Belinky).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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