Tuesday, August 26, 2014

Luta de xiitas rivais


Pedro J. Bondaczuk


O Irã, passados oito anos do fim da sua monarquia, e quase o mesmo tempo de uma sangrenta e feroz guerra contra o Iraque, demonstra uma vitalidade impressionante. Observadores estimam que o conflito do Golfo Pérsico já tenha produzido em torno de dois milhões de vítimas diretas, entre mortos e feridos. Dessas, a maior parte é persa, com certeza, já que o território da República Islâmica permaneceu ocupado em cerca de um terço de sua área pelo adversário até meados de 1982 e sua Força Aérea perde, em quantidade, na proporção de oito para um, para a iraquiana. Em qualidade, nem dá para comparar.

As aeronaves iranianas são, ainda, os antigos F-4 norte-americanos, desgastadas pelo uso e, em geral, sem peças de reposição. Ainda assim, tendo a opinião pública mundial contra si, as duas superpotências também, e contando, somente, com a ajuda “subterrânea” conseguida a peso de ouro no mercado informal de armamentos, o país reverteu a situação a seu favor.

De invadido, passou a invasor. Da defensiva, passou a atacar. Não deixa de ser louvável, portanto, o espírito de luta desse povo, em geral classificado, na grande mídia impressa internacional, como sendo mero fanatismo.

Mas o mais notável é que, mesmo essa sociedade nacional sendo considerada uma ditadura dos aiatolás, as suas instituições básicas, bem ou mal, vêm funcionando. Por exemplo, hoje o Irã realiza a terceira eleição parlamentar desde a proclamação da República.

Anteriormente, ocorreram outras duas, para a presidência. Quantos países há, por aí, que têm essa mesma preocupação? Poucos, não é mesmo? E nenhum deles está vivendo o drama de uma chuva contínua de mísseis sobre o seu território, esses mensageiros da morte, que ceifam, indistintamente, pessoas de todas as categorias sociais e graus de instrução.

No entanto, na maioria dos Estados, há, hoje em dia, ou um ditador com cadeira cativa no poder (estima-se que haja mais de 70 ditaduras no mundo), ou políticos que engendram manobras prorrogacionistas, visando a aumentar o prazo do mandato que o povo lhe concedeu, por expedientes nem sempre justificáveis.

O Iraque, enquanto isso, permanece com o mesmo governante desde o início da guerra, o general Saddam Hussein. Recebe o respaldo das ricas monarquias do Golfo, que financia o seu esforço bélico. É abastecido por armas moderníssimas pela União Soviética, França e outras potências da Europa Ocidental. E nem assim vem conseguindo dobrar a resistência iraniana, mesmo usando armamentos proibidos por convenções internacionais (como os gases tóxicos, por exemplo) sob o olhar complacente dos que erguem um dedo em riste para os aiatolás, só porque eles lhes cortaram os privilégios que o xá lhes havia outorgado.  

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 8 de abril de 1988)

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