Saturday, August 23, 2014

Operação aérea não é nem um pouco precisa


Pedro J. Bondaczuk


A tão apregoada "operação cirúrgica" dos duros e sistemáticos bombardeios aéreos de 28 dias contra o Iraque mostra-se uma grotesca farsa, mera peça de propaganda, já que está muito longe de ser o primor de precisão que se divulgou, ao confundir alvos civis com militares, destruindo ambos indiscriminadamente.

À medida em que a guerra do Golfo Pérsico evolui e mais informações, de fontes dignas de crédito, procedem de território iraquiano, isto vai se tornando cada vez mais claro. O cenário de terra arrasada em que se transformou esse outrora progressista país árabe mostra que as forças aliadas, lideradas pelos Estados Unidos, extrapolaram em muito o mandato que lhes foi conferido pela comunidade internacional. Comprova que o objetivo da Operação Tempestade no Deserto não é somente o de libertar o território kuwaitiano. Sua meta é a de lançar o Iraque muito aquém da Idade Média.

O que se está fazendo é lançar toda uma comunidade nacional no mínimo um século para trás em termos de condições de vida. Prova disso é a sistemática destruição de bens econômicos, culturais e até religiosos desse povo. A perda de pontes, usinas elétricas, rodovias, instalações de petróleo e outras precisará de décadas de sacrifícios e investimentos para a reconstrução.

Seu bombardeamento, portanto, não se destina à mera expulsão iraquiana do Kuwait, razão de ser das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Não se concebe a tremenda matança que se verifica entre a população civil, punida duplamente: pelo fato de ter um tirano no poder e por não ter forças para derrubá-lo.

O objetivo dessas ações parece ser o de colocar diante do povo desse país uma opção terrível: depor Saddam Hussein ou desaparecer. Mas o Ocidente é o grande culpado pelo fortalecimento desse líder, ao armá-lo até os dentes, de olho apenas nos seus petrodólares, sem atinar para as conseqüências que esse armamentismo poderia trazer, como de fato trouxe.

No atual estágio da guerra, é muito contestável se o conflito terá seqüência ou não com o ditador ou sem ele. Os estragos feitos em apenas 28 dias no país são de tal magnitude, que os iraquianos pouco têm a perder agora. E  é proverbial a força que o desespero costuma conferir a quem se sinta contra a parede.

Por causa do que vem acontecendo no Iraque é que tantos jornalistas veteranos, escolados com aquilo que geralmente ocorre num "front", vêm se rebelando contra a censura imposta ao noticiário pelos "donos da festa". A ausência do olhar vigilante e atento da imprensa enseja os excessos que vêm sendo cometidos.

Muitas das ações militares, sob o pretexto de serem partes de uma estratégia, extrapolam todos os limites da humanidade e da legalidade. Até para guerrear existem leis e convenções. E os massacres a civis, como a destruição, ontem, de um abrigo antiaéreo em Bagdá, que causou a morte de pelo menos 500 pessoas, só podem ser caracterizados como crimes de guerra.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 14 de fevereiro de 1991).


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