Diálogo de surdos
Pedro J. Bondaczuk
As negociações para a
redução de armas nucleares das superpotências, que se realizam, desde o dia 12
passado, em Genebra, parece que começaram sob maus auspícios. Quando os
soviéticos anunciaram, ainda no ano passado, a sua disposição para a realização
desses encontros, a medida foi saudada até com uma dose exagerada de euforia
por algumas áreas mais afoitas e mal informadas. E a conferência já corre risco
de ser um fiasco.
No
começo deste ano, mais precisamente nos dias 7 e 8 de janeiro, o secretário de
Estado norte-americano, George Shultz, e o ministro de Relações Exteriores da
União Soviética, Andrei Gromiko, estabeleceram, em Genebra, as regras para esse
“tour de force”, estatuindo que três grupos de negociadores manteriam reuniões
concomitantes, cada um deles negociando uma categoria de armamento: os baseados
no espaço, os estratégicos e os de alcance intermediário. Na prática, todavia,
a teoria vem sendo outra. E nisso está a primeira dificuldade das conversações.
Começa
hoje a terceira rodada de negociações e a delegação norte-americana, rompendo
visivelmente um acordo tão recente, aglutinou tudo sob um tema genérico. Isto
é, vinculou todas as categorias de armas numa só, numa estratégia visando a
debater o assunto globalmente, para conseguir o máximo de concessão dos
soviéticos, sem dar, em troca, o que Moscou mais espera, ou seja, o
arquivamento do projeto “Iniciativa de Defesa Estratégica”, popularmente
conhecido por “Guerra nas Estrelas”.
Os
maus augúrios destas negociações já começaram a se mostrar no próprio início
delas. Na véspera da primeira reunião, a União Soviética mudou de liderança,
com a morte (há tempos esperada no Ocidente) de Constantin Chernenko, embora
seu substituto já viesse coordenando os assuntos administrativos do Cremlin
desde dezembro.
Isso
foi confirmado, inclusive, pelo próprio ministro de Relações Exteriores
soviético, Andrei Gromiko, que afirmou que Mikhail Gorbachev foi quem traçou as
diretrizes de Moscou para a reunião de Genebra.
Mas,
psicologicamente, o momento do início do processo negociador para os russos foi
inoportuno. E eles cometeram o erro de confirmar para o dia 12 a primeira reunião, quando
tinham todas as condições para pedir o adiamento.
Antes
da segunda rodada, novo golpe. No dia 15 de março, numa decisão até
surpreendente, o gabinete belga, de Wilfried Martens, anunciava a instalação
dos primeiros 16 mísseis “Cruise”, de um lote de 48, na Bélgica. Isso veio a
calhar para a estratégia norte-americana, que é a de mostrar a sua força ao
adversário e pressionar ao máximo os soviéticos, visando a obter concessões.
Só
que isso pode ser uma perigosa faca de dois gumes. Acossado por uma pressão
excessiva, Moscou pode resolver deixar a mesa de conversações ou, o que é pior,
continuar produzindo e instalando novos mísseis no Leste europeu a despeito das
negociações (o que é mais provável).
E
a reunião de Genebra, proposta com o objetivo de reduzir os arsenais das
superpotências, pode, na verdade, ser a responsável por sua multiplicação.
Talvez seja este o real objetivo deste autêntico “diálogo de surdos”.
Para
complicar tudo, antes da terceira rodada, prevista para hoje, os soviéticos
acabam de receber um novo “direto no queixo”, representado pela aprovação,
anteontem, no Senado norte-americano, da verba de US$ 1,5 bilhão para a
produção de 21 mísseis MX.
A
continuar nessa escalada, quando as negociações terminarem (e se não forem
abandonadas por nenhuma das partes, deverão durar anos), a quantidade de
balísticos e de ogivas das superpotências será, no mínimo, o triplo da atual.
Ainda mais levando-se em conta que soviéticos e norte-americanos produzem,
atualmente, em média, três novos mísseis nucleares por dia. E depois ainda têm
a coragem de afirmar publicamente que estão interessados em promover a paz. Só
se for a desoladora paz dos cemitérios!
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 21 de março de
1985)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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