Ciência e arte da escrita
Pedro J. Bondaczuk
A exposição do que quer que
seja – pensamentos, sentimentos, descrições, fantasias, informações, opiniões
etc. –, por escrito, é, na minha modesta visão, simultaneamente, arte e
ciência. Sobretudo a feita com perícia e exatidão, com rigoroso apuro na
utilização das regras do idioma e cristalina clareza, que torne o texto
acessível às pessoas de qualquer nível de cultura e conhecimento sem
necessidade de recorrer a dicionários. Parece tarefa simples, não é verdade?
Mas, creiam-me, não é. Tanto é complexa, que a redação é disciplina
obrigatória, e eliminatória, em vestibulares, concursos e exames do Enem. Se
fosse fácil, não seria sequer incluída nessas provas de caráter seletivo.
Escrever, qualquer pessoa alfabetizada é capaz de fazer. Mas fazê-lo bem é
prerrogativa de poucos, de pouquíssimos intelectuais.
Por isso, valorizo tanto os
profissionais do texto (os bons, evidentemente), sobretudo jornalistas e
escritores, que fazem da escrita, simultaneamente, ciência e arte. Claro que
não basta o sujeito exercer essas profissões para, automaticamente, escrever
bem. Nem todos escrevem com a desejável perícia. Como em todas as atividades,
nestas duas que citei, também, há os devidamente preparados, aplicados e
atentos e os que o vulgo chamaria de “meias bocas”, ou seja, que apesar de exercerem
essas funções ou não estão capacitados para elas, ou não gostam do seu
exercício, quando não as duas coisas ao mesmo tempo.
Aliás, nem é necessário
gostar de escrever (embora seja desejável) para fazê-lo bem. Muitos não gostam,
mas são peritos nesta ciência, que também é arte. Há abissal distância entre
“gostar” de alguma atividade e “saber” exercê-la com correção e competência.
Tratei desse assunto em recente crônica, neste espaço, e destaquei esse
aspecto. Assinalei que “entre os textos
de Eugênio de Andrade, encontrei estas confidências, que considero
surpreendentes, mas pitorescas: ‘Eu nem
sequer gosto de escrever. Acontece-me às vezes estar tão desesperado que me
refugio no papel como quem se esconde para chorar. E o mais estranho é arrancar
da minha angústia palavras de profunda reconciliação com a vida’”. Todavia,
quem teve o privilégio de ler algum livro desse autor pode constatar que ele é
excelente, por qualquer critério que se utilize para avaliar seus textos.
E Eugênio de Andrade não é o
único escritor que revelou não gostar de escrever. Conheço inúmeros outros
casos e todos envolvendo “ases” da Literatura, clássicos cujas obras superam o
tempo e o esquecimento pela excelência. Não se trata, pois, de gostar ou não
gostar, mas de saber ou não saber. Se não gostando de escrever, Eugênio de
Andrade nos legou pérolas tão preciosas, páginas tão densas, emotivas e tão
perfeitas, imaginem se gostasse! Seu segredo estava, pois, no domínio dessa
ciência que também é arte e não na sua apreciação.
Pior
é quando um autor se precipita, deixa de lado a autocensura e permite a
publicação de textos dos quais venha a se arrepender no futuro de ter escrito.
Mesmo os bons escritores, às vezes, cometem esses atos de imprudência.
Precipitam-se, empolgam-se, deixam-se cegar pela vaidade e publicam livros que
repudiam anos mais tarde, quando adquirem maior experiência e consolidam um
estilo. Na escolha de um texto, para leitura e reflexão, raramente nos detemos
no conteúdo. E nem podemos. Apegamo-nos, muito mais, ao estilo do autor (em
geral com nome já firmado) mesmo que o teor seja um lixo. Até porque, a menos
que conheçamos outras obras do mesmo autor, nunca sabemos (é claro, antes de
ler), o que determinado livro contém. Por isso, o compramos e depois nos
arrependemos. Quase sempre, formamos precipitado conceito sobre esse escritor.
Ou seja, nunca mais compramos mais nada do que ele escreve, sem atentar para o
fato que as pessoas não raro evoluem.
É
evidente que o sucesso ou fracasso de um escritor independe, “apenas” do seu
talento e da qualidade e substância do seu texto. O "marketing", por
exemplo, conta muito, assim como a exposição na mídia e uma crítica favorável,
fatores, aliás, que nos induzem freqüentemente ao erro e nos levam a comprar
"gato por lebre". Ou seja, a adquirir obras sofríveis como sendo
autênticos "pilares da cultura". Reitero que escrever é um ato muito
mais complexo do que pensamos ou admitimos. E, às vezes, é até perigoso.
Raciocinemos.
Se na conversação informal, naquela que utilizamos no dia-a-dia, no lar, no
trabalho e em nossas relações sociais; a comum, trivial, corriqueira e na
maioria das vezes eivada de incorreções vocabulares e gramaticais, e que quase
nunca é policiada, temos enorme responsabilidade por tudo o que dizemos (embora
sequer atinemos), dadas as conseqüências produzidas, muito mais importante se
torna, é evidente, o que escrevemos, e como o fazemos. Entre outras coisas,
nunca sabemos, por exemplo, em que mãos esses textos vão cair, qual o uso que
deles será feito e, principalmente, por quem.
Entre
as necessidades imprescindíveis para que possamos escrever bem, a principal é a
de termos absoluto domínio sobre o assunto que nos propusermos a tratar.
Convenhamos, nem todos têm esse cuidado. Daí perpetrarem barbaridades de
fazerem corar até estátuas de pedra, caso isso fosse possível. Há sentimentos,
por exemplo, que por mais peritos que sejamos no uso da linguagem, por mais
expressivos que sejam os termos que empregarmos, se mostram impossíveis de
serem expressos. Fujamos deles!
Quantas
vezes, em face da pessoa amada, queremos dizer-lhe o quanto a amamos e só
conseguimos balbuciar palavras toscas, que a nós parecem de imensa indigência!
Imaginem isso tudo por escrito! Soa ridículo! É certo que os que sabem ler a
linguagem dos gestos, como a profundidade do olhar, a força do sorriso, a magia
do toque, a possessividade do abraço e o desespero do beijo, recebem essas
mensagens. Ainda assim, não expressam, na totalidade, a grandeza dos
sentimentos. E esses recursos são impossíveis de se utilizar, óbvio, em textos,
nos quais vale apenas o escrito, não o sentido ou o pensado.
Quantos
versos não deixam de ser compostos por fugirem as palavras adequadas que os
deveriam revestir! Eu mesmo “abortei” dezenas de poemas por minha inabilidade
de expressar o que estava sentindo em determinado momento. Nesses casos,
desistir de escrever é a atitude mais prudente, se não a mais sábia, a adotar,
mesmo que a desistência nos frustre (e frustra mesmo). O chileno Carlos
Trujillo faz essa intrigante indagação, no poema “Poemas do passado escritos
hoje”:
“Palavras
mastigadas no milênio completo
a
que anos-luz
em
que galáxia
se
encontra aquele poema
que
não encontra minha pena?”
Acompanhe-me pelo twitter: @bondsczuk
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