Wednesday, August 27, 2014

Paz no Líbano é quase utopia


Pedro J. Bondaczuk


O Líbano vive, há três semanas, mais um de seus periódicos surtos de violência. Milicianos do grupo Amal e guerrilheiros palestinos travam um novo "round" da inacabada "guerra dos acampamentos", deflagrada no ano passado. O objetivo dos xiitas, liderados pelo ministro da Justiça libanês, Nabih Berri, é impedir que o líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat, restabeleça suas bases de operação em Beirute, de onde foi desalojado após a invasão israelense ao Líbano, feita em 1982, depois de dramáticos combates, onde essa cidade acabou transformada num virtual montão de ruínas. Aliás, isso já é rotineiro ali.

É verdade que num país que vive uma guerra civil, de onze anos de duração e que já matou 10% de sua população e arrasou com a economia e com a organização social, esse novo episódio pode nem ter grande significação. Mas para o quadro estratégico do Oriente Médio, pode ser decisivo.

Os xiitas libaneses desejam que ao final deste longo e selvagem conflito, do qual parecem ser (ao menos no momento) os grandes vencedores, que sua principal tese afinal prevaleça. Eles desejam que, como a atual maioria religiosa do país, lhes seja atribuída uma participação muito mais ampla no governo do que simples ministérios, num gabinete que nunca se entendeu. Pretendem o próprio poder. Ou a Presidência da República ou o cargo de primeiro-ministro, detido atualmente por um sunita.

Seu principal objetivo, portanto, nada tem a ver com Israel e com a longa luta que se trava no Oriente Médio desde 1947. Se a milícia Amal hostiliza os israelenses, é porque eles ocupam uma faixa do território libanês no Sul do Líbano, onde os muçulmanos dessa seita são predominantes. Estão, portanto, pouco se importando se os palestinos conseguirão, ou não, sucesso na sua difícil missão de obter um território para  estabelecer um Estado independente. O que não desejam, é que seja fornecido um novo pretexto para o retorno das tropas de Israel ao país, para recomeçar tudo de novo, a exemplo do que ocorreu em 1982.

Yasser Arafat, por outro lado, demonstrou possuir, política e fisicamente, autêntico fôlego de gato. Após sucessivos reveses, primeiro diante dos israelenses e posteriormente dos dissidentes da própria OLP (que entendem que a sua forma de ação é excessivamente contemporizadora), quando foi expulso, pela segunda vez, do Líbano, em 1983, tendo que deixar o porto de Tripoli num cargueiro grego, para não ser morto ou capturado, recobrou boa parte do prestígio perdido. E quer restabelecer suas bases às barbas do Estado judeu, para poder continuar a sua luta sem fim.

Se ele conseguir o seu intento, os libaneses, com toda a certeza, ficarão muito mais distantes da pacificação que, convenhamos, no atual panorama, não deixa de ser também algo extremamente utópico. Em primeiro lugar, reforçados, os palestinos certamente passarão a lutar ao lado dos sunitas, que estão emprestando apoio à sua causa no atual momento crítico. E os xiitas correm o risco de nos futuros gabinetes não terem sequer o ministério estratégico que hoje dispõem (o da Justiça), tendo lutado tanto tempo praticamente em troca de nada.

Por essa razão, a "guerra dos acampamentos", mesmo que tenha uma nova trégua, ainda está muito distante do final. E a população de Beirute terá que enfrentar, heroicamente, mais esta dura provação, por um tempo que pode se prolongar por meses ou até indefinidamente. Nunca a paz esteve tão distante dos libaneses quanto agora. E não há como fugir dessa duríssima realidade.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 4 de junho de 1986)


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