Paz no Líbano é quase utopia
Pedro J. Bondaczuk
O
Líbano vive, há três semanas, mais um de seus periódicos surtos de violência.
Milicianos do grupo Amal e guerrilheiros palestinos travam um novo
"round" da inacabada "guerra dos acampamentos", deflagrada
no ano passado. O objetivo dos xiitas, liderados pelo ministro da Justiça
libanês, Nabih Berri, é impedir que o líder da Organização para a Libertação da
Palestina, Yasser Arafat, restabeleça suas bases de operação em Beirute, de
onde foi desalojado após a invasão israelense ao Líbano, feita em 1982, depois
de dramáticos combates, onde essa cidade acabou transformada num virtual montão
de ruínas. Aliás, isso já é rotineiro ali.
É
verdade que num país que vive uma guerra civil, de onze anos de duração e que
já matou 10% de sua população e arrasou com a economia e com a organização
social, esse novo episódio pode nem ter grande significação. Mas para o quadro
estratégico do Oriente Médio, pode ser decisivo.
Os
xiitas libaneses desejam que ao final deste longo e selvagem conflito, do qual
parecem ser (ao menos no momento) os grandes vencedores, que sua principal tese
afinal prevaleça. Eles desejam que, como a atual maioria religiosa do país,
lhes seja atribuída uma participação muito mais ampla no governo do que simples
ministérios, num gabinete que nunca se entendeu. Pretendem o próprio poder. Ou
a Presidência da República ou o cargo de primeiro-ministro, detido atualmente
por um sunita.
Seu
principal objetivo, portanto, nada tem a ver com Israel e com a longa luta que
se trava no Oriente Médio desde 1947. Se a milícia Amal hostiliza os
israelenses, é porque eles ocupam uma faixa do território libanês no Sul do
Líbano, onde os muçulmanos dessa seita são predominantes. Estão, portanto,
pouco se importando se os palestinos conseguirão, ou não, sucesso na sua
difícil missão de obter um território para
estabelecer um Estado independente. O que não desejam, é que seja
fornecido um novo pretexto para o retorno das tropas de Israel ao país, para
recomeçar tudo de novo, a exemplo do que ocorreu em 1982.
Yasser
Arafat, por outro lado, demonstrou possuir, política e fisicamente, autêntico
fôlego de gato. Após sucessivos reveses, primeiro diante dos israelenses e
posteriormente dos dissidentes da própria OLP (que entendem que a sua forma de
ação é excessivamente contemporizadora), quando foi expulso, pela segunda vez,
do Líbano, em 1983, tendo que deixar o porto de Tripoli num cargueiro grego,
para não ser morto ou capturado, recobrou boa parte do prestígio perdido. E
quer restabelecer suas bases às barbas do Estado judeu, para poder continuar a
sua luta sem fim.
Se
ele conseguir o seu intento, os libaneses, com toda a certeza, ficarão muito
mais distantes da pacificação que, convenhamos, no atual panorama, não deixa de
ser também algo extremamente utópico. Em primeiro lugar, reforçados, os
palestinos certamente passarão a lutar ao lado dos sunitas, que estão
emprestando apoio à sua causa no atual momento crítico. E os xiitas correm o
risco de nos futuros gabinetes não terem sequer o ministério estratégico que
hoje dispõem (o da Justiça), tendo lutado tanto tempo praticamente em troca de
nada.
Por
essa razão, a "guerra dos acampamentos", mesmo que tenha uma nova
trégua, ainda está muito distante do final. E a população de Beirute terá que
enfrentar, heroicamente, mais esta dura provação, por um tempo que pode se
prolongar por meses ou até indefinidamente. Nunca a paz esteve tão distante dos
libaneses quanto agora. E não há como fugir dessa duríssima realidade.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 4 de junho de
1986)
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