Sunday, August 24, 2014

Problemas para Rajiv


 Pedro J. Bondaczuk


O primeiro-ministro indiano, Rajiv Gandhi, após as duas recentes vitórias eleitorais que obteve recentemente (uma em dezembro, confirmando o seu gabinete e a outra há duas semanas, nos pleitos realizados em 11 dos 22 Estados da Índia, nos quais venceu em 8 unidades da Federação), tem pela frente dois grandes problemas a resolver. Ambos são extremamente delicados, por envolverem questões bastante explosivas: a da divisão de castas e a do separatismo.

O primeiro problema foi registrado no Estado ocidental de Gujarat (local onde o premier obteve um espetacular resultado eleitoral neste mês), motivado pelo descontentamento da população com a providência governamental que permite um maior acesso dos “intocáveis” ao ensino superior.

Para compreender essa questão é preciso que antes se entenda como funciona a divisão de castas na religião hinduísta, proibida pela Constituição, mas que persiste na prática. Os Vedas, livros sagrados que datam de milênios, dividiam todas as pessoas em quatro classes perfeitamente definidas: a superior, composta pelos sacerdotes védicos; a dos “xátrias”, ou guerreiros; a dos “vaisyas”, ou comerciantes e agricultores e a dos “sudras”, onde ficam os “párias”, considerados impuros e obrigados, durante toda a vida, a servir às categorias superiores. A eles está destinado o trabalho braçal.

O indivíduo que nasce numa casta, só pode casar com alguém pertencente a ela e morre obrigatoriamente nela, não podendo jamais passar para outra.

Embora desde a independência estejam sendo feitos esforços enormes para acabar com essa discriminação, os resultados até aqui, nesse sentido, são inexpressivos. Por causa da abertura de novas vagas nas escolas superiores aos “intocáveis”, a capital de Gujarat está em polvorosa, com enormes conflitos de rua, responsáveis pela morte de muitas pessoas.

Afinal, Ahmedabad não é uma cidadezinha qualquer, facilmente controlável. Trata-se de uma metrópole de mais de 2,8 milhões de habitantes, localizada às margens do Rio Sabarmati, que desemboca no Golfo de Cambay, no Noroeste da Índia. Foi necessária, até, a intervenção do Exército para serenar os ânimos.

É de se estranhar, sobretudo, tamanha intolerância numa localidade que há anos abrigou (e ouviu a pregação de não violência) de um dos homens mais tolerantes que o mundo conheceu neste século, o Mahatma Gandhi. Mas acostumes arraigados há pelo menos seis milênios não se mudam por simples decretos. E Rajiv terá que usar de toda a sua diplomacia para contornar esse impasse.

Outra questão que o jovem estadista terá que resolver é a exigência dos “sikhs”, do Punjab, por maior autonomia. E principalmente evitar que os radicais do Partido Akali Dal, que lutam pela independência da região e criação de um país chamado Khalistão, ganhem espaços. Especialmente após a invasão do Templo Dourado de Amritsar, o santuário mais sagrado do sikhismo, ocorrida em 6 de junho do ano passado e da morte do líder separatista, Jarnail Singh Bindrawale.

Rajiv, mostrando todo o seu ânimo conciliador, não teve dúvidas e foi ao Punjab ouvir pessoalmente os reclamos dos "sikh“", mesmo tendo sido eles os autores do assassinato de sua mãe, Indira Gandhi, em 31 de outubro de 1984. O premier indiano, assim, com muito talento (que deixaria cheio de orgulho o seu avô e ex-primeiro-ministro Jawaharlal Nehru), vem adotando uma tática de franqueza e de respeito pelos adversários, conquistando as simpatias até dos que não concordam com a sua linha de ação.

Está aí um exemplo para muitos governantes do Terceiro Mundo, que preferem protelar, ou esconder, as questões mais prementes, ao invés de procurarem, democraticamente, conciliar conflitos!

(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 24 de março de 1985).


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