Sunday, August 17, 2014

Falta de transparência


Pedro J. Bondaczuk


A falta de transparência, infelizmente, permeia a vida pública brasileira em praticamente todos os setores: na política, na economia, na segurança pública, na saúde, etc. E, para não fugir à regra, agora isso acontece também (ou se repete) no futebol. Aliás, essa "cortina-de-fumaça", envolvendo o esporte mais popular do País, há tempos que já se tornou rotina. É só lembrar os casos de tentativa de suborno de árbitros que nunca foram esclarecidos, episódios nebulosos de doping e outras irregularidades.

O caso da indisposição (ou convulsão, ou sabe-se lá o quê) do jogador Ronaldinho, poucas horas antes da decisão da Copa do Mundo, contra a França, continua sendo (e será por muito tempo) tema de acalorados debates entre especialistas, leigos, torcedores, jornalistas, etc. E por falta de explicação clara, sincera, honesta e completa, o assunto vem dando margem a especulações de toda a sorte, a maioria desabonadoras para o atleta.

O que de fato aconteceu naquela tarde de 12 de julho, no Chateau du Grand Romaine, em Ozoir-de la-Ferriére, a ponto de abalar de tal sorte a equipe e que a fez jogar de forma tão apática e ridícula, resultando na mais humilhante goleada já sofrida pelo futebol brasileiro em finais de Copas do Mundo? Inúmeras versões, partidas de jogadores da seleção, do médico da CBF, da comissão técnica e de jornalistas (nacionais e internacionais) correm por aí.

Algumas são absolutamente estapafúrdias, descambando para o ridículo, como o texto que circulou na Internet, dando conta de uma suposta "marmelada", em que o Brasil teria entregado o título à França, em troca da possibilidade de sediar o Mundial de 2002 (em caso de desistência de coreanos e japoneses) ou de 2006. Mesmo sabendo das tantas armações já ocorridas no futebol brasileiro, isso é inconcebível at‚ para o mais céptico dos cépticos ou cínico dos cínicos.

Outras tantas "explicações" do tipo têm circulado, com variações em um ou outro detalhe, embora o teor seja sempre o mesmo. Algumas versões são até verossímeis, como a do jornal britânico "The Mail", especulando que a reação sofrida por Ronaldinho poderia ter sido em decorrência da combinação do analgésico lignanina com cortisona, aplicada no craque para amainar suas dores no joelho. Esse procedimento, aliás, é bastante comum entre os atletas, apesar dos riscos que não o recomendam. E a droga apresenta, entre os efeitos colaterais, a possibilidade de convulsões no paciente.

Foi isso o que aconteceu? Se foi, por que o médico da seleção, doutor Lídio Toledo, não admite e assume? Se não foi, por que não diz o que de fato ocorreu? Ninguém, fora do grupo da seleção, pode dizer com segurança que sabe o que afetou o suposto "melhor jogador do mundo". Se a cortina de mistério em torno do caso é para proteger o atleta, o tiro tem saído pela culatra até aqui.

O jovem atacante, de possível vítima, tem posado aos olhos da maioria como virtual vilão, tendo a carreira ameaçada por um episódio que provavelmente fugiu ao seu controle. Fica a impressão que querem jogar nas costas de um garoto de 21 anos toda a responsabilidade por um fracasso, que na verdade foi coletivo. Um jogador ter mau desempenho, por razões de saúde ou de medo de assumir responsabilidade, é admissível e até certo ponto natural. Não seria a primeira vez (e possivelmente nem será a última) que isso aconteceria. Mas... e os outros dez? Também tiveram "convulsão"? Ridículo!


(Texto escrito em 20 de julho de 1998 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).



 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk    

No comments: