Falta de transparência
Pedro J. Bondaczuk
A
falta de transparência, infelizmente, permeia a vida pública brasileira em
praticamente todos os setores: na política, na economia, na segurança pública,
na saúde, etc. E, para não fugir à regra, agora isso acontece também (ou se
repete) no futebol. Aliás, essa "cortina-de-fumaça", envolvendo o
esporte mais popular do País, há tempos que já se tornou rotina. É só lembrar
os casos de tentativa de suborno de árbitros que nunca foram esclarecidos, episódios
nebulosos de doping e outras irregularidades.
O
caso da indisposição (ou convulsão, ou sabe-se lá o quê) do jogador Ronaldinho,
poucas horas antes da decisão da Copa do Mundo, contra a França, continua sendo
(e será por muito tempo) tema de acalorados debates entre especialistas,
leigos, torcedores, jornalistas, etc. E por falta de explicação clara, sincera,
honesta e completa, o assunto vem dando margem a especulações de toda a sorte,
a maioria desabonadoras para o atleta.
O
que de fato aconteceu naquela tarde de 12 de julho, no Chateau du Grand
Romaine, em Ozoir-de la-Ferriére, a ponto de abalar de tal sorte a equipe e que
a fez jogar de forma tão apática e ridícula, resultando na mais humilhante
goleada já sofrida pelo futebol brasileiro em finais de Copas do Mundo?
Inúmeras versões, partidas de jogadores da seleção, do médico da CBF, da
comissão técnica e de jornalistas (nacionais e internacionais) correm por aí.
Algumas
são absolutamente estapafúrdias, descambando para o ridículo, como o texto que
circulou na Internet, dando conta de uma suposta "marmelada", em que
o Brasil teria entregado o título à França, em troca da possibilidade de sediar
o Mundial de 2002 (em caso de desistência de coreanos e japoneses) ou de 2006.
Mesmo sabendo das tantas armações já ocorridas no futebol brasileiro, isso é
inconcebível at‚ para o mais céptico dos cépticos ou cínico dos cínicos.
Outras
tantas "explicações" do tipo têm circulado, com variações em um ou
outro detalhe, embora o teor seja sempre o mesmo. Algumas versões são até
verossímeis, como a do jornal britânico "The Mail", especulando que a
reação sofrida por Ronaldinho poderia ter sido em decorrência da combinação do
analgésico lignanina com cortisona, aplicada no craque para amainar suas dores
no joelho. Esse procedimento, aliás, é bastante comum entre os atletas, apesar
dos riscos que não o recomendam. E a droga apresenta, entre os efeitos
colaterais, a possibilidade de convulsões no paciente.
Foi
isso o que aconteceu? Se foi, por que o médico da seleção, doutor Lídio Toledo,
não admite e assume? Se não foi, por que não diz o que de fato ocorreu?
Ninguém, fora do grupo da seleção, pode dizer com segurança que sabe o que
afetou o suposto "melhor jogador do mundo". Se a cortina de mistério
em torno do caso é para proteger o atleta, o tiro tem saído pela culatra até
aqui.
O
jovem atacante, de possível vítima, tem posado aos olhos da maioria como
virtual vilão, tendo a carreira ameaçada por um episódio que provavelmente
fugiu ao seu controle. Fica a impressão que querem jogar nas costas de um
garoto de 21 anos toda a responsabilidade por um fracasso, que na verdade foi
coletivo. Um jogador ter mau desempenho, por razões de saúde ou de medo de
assumir responsabilidade, é admissível e até certo ponto natural. Não seria a primeira
vez (e possivelmente nem será a última) que isso aconteceria. Mas... e os
outros dez? Também tiveram "convulsão"? Ridículo!
(Texto
escrito em 20 de julho de 1998 e publicado como editorial na Folha do
Taquaral).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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