Revolução mundial?
Pedro J. Bondaczuk
Como as comunicações via satélite reduziram o Planeta à aldeia global apregoada por Marshall McLuhan, temos, em âmbito bastante ampliado, ou seja, mundial, situação idêntica à da França quando da deflagração da tal revolução. A fome, o desemprego, a falta de perspectivas de vida atormentam severamente a dois terços da humanidade, enquanto o um terço restante segue, estupidamente, incensando o “bezerro de ouro”, crente que a capacidade de tolerância ao sofrimento dos desvalidos seja infinita e inesgotável. Mas não é. O Nosso tempo, aliás, é o das grandes contradições.
Nunca se falou tanto, por exemplo, em direitos humanos e jamais eles foram tão profusamente desrespeitados, aqui, ali e acolá. Basta que qualquer pessoa leia os relatórios da Anistia Internacional para que venha a se inteirar da sucessão de taras e de tarados que dão vazão, impunemente, aos seus desvios e desmandos, aprisionando, torturando e matando semelhantes, usando, invariavelmente, como pretexto a defesa da “liberdade” e da “democracia”. Ou seja, lançando mão de duas palavrinhas tão prostituídas que até chegaram a perder o real sentido. Mas a maioria da população mundial não sabe disso e, se sabe, encara essas aberrações como “normais”. Óbvio que não são.
Os acontecimentos dramáticos que se verificam, atualmente, no Leste europeu, por exemplo, mais propriamente na Ucrânia e mais especificamente ainda na Criméia, e a movimentação política que ocorre em alguns países-chaves da Europa Ocidental vêm demonstrar, melhor do que nunca, que o tempo dos governos autocráticos, que não dão ouvidos às bases, está chegando ao fim. O povo, pelo menos nos países com maior tradição democrática, está redescobrindo sua força, à revelia dos políticos. E onde não há um aspecto tradicional, as massas se empenham por criar tal situação.
O
Estado existe, recorde-se, em função do indivíduo e não o inverso. É entidade
abstrata, composta por pessoas tais como nós, com as mesmas necessidades e
fraquezas que temos. O indivíduo, teoricamente, é seu grande beneficiário. Pelo
menos, deveria ser. Mas é? Raramente. Onde é, não passa de exceção, quando esse
princípio deveria ser a regra. Qualquer pessoa razoavelmente inteligente sabe,
ou intui, que o abstrato não pode se sobrepor ao concreto. Portanto, a
sociedade, que delegou poder aos que exorbitam, de forma corrupta e degradante,
de suas funções, tem o dever de cobrar deles.
Nos
tempos antigos, Cícero, em "De Legibus", já concluía, com rara
lucidez: "Se da reta razão resulta a lei e desta o Direito, este deve ser
igual para todos, assim como comum a todos é a fonte originária da razão
natural". Segundo Jellinek, as leis são ditadas pelo interesse geral. E à
maioria não interessa, óbvio, que haja torturas, degradações morais e execuções
arbitrárias como as que se denunciam na Síria, na Coréia do Norte, no Egito e
em tantas e tantas outras partes do mundo. Ainda mais quando esses crimes são
cometidos pelos que receberam (quando receberam) delegação popular exatamente
para coibi-los. Pior ainda é quando os criminosos usurparam o poder, à revelia
do seu legítimo dono: o povo. Os exemplos citados parecem ser os casos.
É doloroso constatar-se que até
países com grande tradição de respeito às leis também lançam mão de expedientes
que eles tanto condenam nos outros, nos fóruns internacionais. Em raras
ocasiões a paz foi tão apregoada, mas em nenhum período da história houve tanta
violência. Nos últimos 114 anos, além de duas guerras mundiais, houve mais de
300 conflitos armados regionais, com cerca de 120 milhões de vítimas fatais.
Poucas vezes se defendeu tanto a solidariedade, mas o que vem prevalecendo, e
se ampliando, é um individualismo exacerbado, um egoísmo feroz, alienado, burro
e desmedido.
É dever dos cidadãos que vivem sob democracias estáveis a cobrança de explicações de desvios de conduta de seus governantes. Que tais mazelas sejam exemplarmente punidas, mas rigorosamente ao amparo da lei, acima da qual ninguém pode estar (e exclusivamente sob sua égide) para que o exemplo de respeito à dignidade humana frutifique e atinja comunidades mais atrasadas e carentes. Para que haja parâmetro factível, que possibilite contínua evolução no campo do Direito. Para que seja lançada a semente, pelo menos uma, que conduza a humanidade (mesmo que isso venha a demorar um milênio ou mais) a uma era de compreensão e de fraternidade, tendo a justiça por corolário.
Contradições, infelizmente, eu
poderia mencionar às centenas, senão aos milhares, cada uma mais contundente do
que a outra. Como, por exemplo, o fato de nunca antes o mundo estar tão povoado
– tem hoje mais de 7 bilhões de habitantes – e jamais, nem nos tempos dos
maiores desregramentos morais do fim do Império Romano, haver tamanho apelo ao
sexo irresponsável, fora do casamento, sendo usados, para contrabalançar essa
ausência de autocontrole, métodos bárbaros e criminosos, tais como o aborto,
para evitar nascimentos indesejados. E há (uma infinidade) quem considere isso
“normal”. Estamos ou não estamos, pois, à beira de nova Revolução, desta vez não localizada,
como a francesa, mas de abrangência mundial?
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