Monday, August 25, 2014

Revolução mundial?

 Pedro J. Bondaczuk

 A Revolução Francesa, cujo bicentenário foi comemorado com fausto e grandeza, em Paris, há já bom tempo, em 14 de julho de 1989, nasceu de uma situação parecida com a atual, que se verifica em várias regiões do mundo, embora, na época, ocorresse apenas em nível meramente nacional. Enquanto a massa, a grande maioria da população da França de então, de 1789, reclamava da falta de pão, os celeiros reais estavam repletos de trigo. E o rei Luiz XVI e sua consorte Maria Antonieta promoviam festas nababescas, caras e perdulárias.


Como as comunicações via satélite reduziram o Planeta à aldeia global apregoada por Marshall McLuhan, temos, em âmbito bastante ampliado, ou seja, mundial, situação idêntica à da França quando da deflagração da tal revolução. A fome, o desemprego, a falta de perspectivas de vida atormentam severamente a dois terços da humanidade, enquanto o um terço restante segue, estupidamente, incensando o “bezerro de ouro”, crente que a capacidade de tolerância ao sofrimento dos desvalidos seja infinita e inesgotável. Mas não é. O Nosso tempo, aliás, é o das grandes contradições.

Nunca se falou tanto, por exemplo, em direitos humanos e jamais eles foram tão profusamente desrespeitados, aqui, ali e acolá. Basta que qualquer pessoa leia os relatórios da Anistia Internacional para que venha a se inteirar da sucessão de taras e de tarados que dão vazão, impunemente, aos seus desvios e desmandos, aprisionando, torturando e matando semelhantes, usando, invariavelmente, como pretexto a defesa da “liberdade” e da “democracia”. Ou seja, lançando mão de duas palavrinhas tão prostituídas que até chegaram a perder o real sentido. Mas a maioria da população mundial não sabe disso e, se sabe, encara essas aberrações como “normais”. Óbvio que não são.

Os acontecimentos dramáticos que se verificam, atualmente, no Leste europeu, por exemplo, mais propriamente na Ucrânia e mais especificamente ainda na Criméia, e a movimentação política que ocorre em alguns países-chaves da Europa Ocidental vêm demonstrar, melhor do que nunca, que o tempo dos governos autocráticos, que não dão ouvidos às bases, está chegando ao fim. O povo, pelo menos nos países com maior tradição democrática, está redescobrindo sua força, à revelia dos políticos. E onde não há um aspecto tradicional, as massas se empenham por criar tal situação.

O Estado existe, recorde-se, em função do indivíduo e não o inverso. É entidade abstrata, composta por pessoas tais como nós, com as mesmas necessidades e fraquezas que temos. O indivíduo, teoricamente, é seu grande beneficiário. Pelo menos, deveria ser. Mas é? Raramente. Onde é, não passa de exceção, quando esse princípio deveria ser a regra. Qualquer pessoa razoavelmente inteligente sabe, ou intui, que o abstrato não pode se sobrepor ao concreto. Portanto, a sociedade, que delegou poder aos que exorbitam, de forma corrupta e degradante, de suas funções, tem o dever de cobrar deles.

Nos tempos antigos, Cícero, em "De Legibus", já concluía, com rara lucidez: "Se da reta razão resulta a lei e desta o Direito, este deve ser igual para todos, assim como comum a todos é a fonte originária da razão natural". Segundo Jellinek, as leis são ditadas pelo interesse geral. E à maioria não interessa, óbvio, que haja torturas, degradações morais e execuções arbitrárias como as que se denunciam na Síria, na Coréia do Norte, no Egito e em tantas e tantas outras partes do mundo. Ainda mais quando esses crimes são cometidos pelos que receberam (quando receberam) delegação popular exatamente para coibi-los. Pior ainda é quando os criminosos usurparam o poder, à revelia do seu legítimo dono: o povo. Os exemplos citados parecem ser os casos.

É doloroso constatar-se que até países com grande tradição de respeito às leis também lançam mão de expedientes que eles tanto condenam nos outros, nos fóruns internacionais. Em raras ocasiões a paz foi tão apregoada, mas em nenhum período da história houve tanta violência. Nos últimos 114 anos, além de duas guerras mundiais, houve mais de 300 conflitos armados regionais, com cerca de 120 milhões de vítimas fatais. Poucas vezes se defendeu tanto a solidariedade, mas o que vem prevalecendo, e se ampliando, é um individualismo exacerbado, um egoísmo feroz, alienado, burro e desmedido.

É dever dos cidadãos que vivem sob democracias estáveis a cobrança de explicações de desvios de conduta de seus governantes. Que tais mazelas sejam exemplarmente punidas, mas rigorosamente ao amparo da lei, acima da qual ninguém pode estar (e exclusivamente sob sua égide) para que o exemplo de respeito à dignidade humana frutifique e atinja comunidades mais atrasadas e carentes. Para que haja parâmetro factível, que possibilite contínua evolução no campo do Direito. Para que seja lançada a semente, pelo menos uma, que conduza a humanidade (mesmo que isso venha a demorar um milênio ou mais) a uma era de compreensão e de fraternidade, tendo a justiça por corolário.

Contradições, infelizmente, eu poderia mencionar às centenas, senão aos milhares, cada uma mais contundente do que a outra. Como, por exemplo, o fato de nunca antes o mundo estar tão povoado – tem hoje mais de 7 bilhões de habitantes – e jamais, nem nos tempos dos maiores desregramentos morais do fim do Império Romano, haver tamanho apelo ao sexo irresponsável, fora do casamento, sendo usados, para contrabalançar essa ausência de autocontrole, métodos bárbaros e criminosos, tais como o aborto, para evitar nascimentos indesejados. E há (uma infinidade) quem considere isso “normal”. Estamos ou não estamos, pois, à beira de  nova Revolução, desta vez não localizada, como a francesa, mas de abrangência mundial?

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