Saturday, August 30, 2014

Intransigência de Reagan


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, mantém-se irredutível em sua tentativa de depor o regime sandinista da Nicarágua, posição que ele demonstrou, com uma clareza cristalina, um dia após serem divulgados os resultados oficiais das eleições nos EUA, indicando sua esmagadora vitória sobre o democrata Walter Mondale.

Em contraposição, Daniel Ortega, depois de ser consagrado nas urnas como o primeiro presidente nicaragüense eleito em muitos anos, ao menos publicamente vem assumindo uma posição conciliadora diante de Washington, dispondo-se a atender a praticamente todas as exigências que partem da Casa Branca.

Essa diferença de posturas evidenciou-se no correr desta semana. Enquanto Reagan, terminada a proibição de um ano (determinada pelo Congresso de seu país) de ajudar financeiramente os anti-sandinistas, procurou, com todo o empenho, demonstrar o perigo que representa um novo regime marxista nas proximidades dos EUA, o presidente sandinista fez diversas concessões, há tempos exigidas. Como, por exemplo, mandar de volta a Cuba cerca de cem assessores militares. Ou libertar, e entregar aos representantes do Grupo de Contadora, o jovem Urbina Lara, que em outubro havia pedido asilo político à Costa Rica e que foi retirado, à força, da embaixada costarriquenha em Manágua, fazendo com que este país (secundado por El Salvador e Honduras) abandonasse uma importante reunião do Grupo de Contadora, que deveria ser realizada, há dez dias, na Cidade do Panamá.

Reagan quer, de todas as maneiras, fazer com que o Congresso dos EUA aprove uma verba de US$ 14 milhões, para financiar a guerrilha anti-sandinista, com bases nos vizinhos da Nicarágua. Classificou o atual governo nicaragüense de "indecente" e afirmou ser necessário "removê-lo".

Posteriormente, comparou o regime sandinista de uma nova Líbia, um verdadeiro "armazém de terrorismo". Suas invectivas foram acompanhadas de duros pronunciamentos, também, do secretário de Estado, George Shultz, e do vice-presidente, George Bush. Foi um autêntico show de frases feitas.

O arremate final de toda essa pantomima foi dado anteontem à noite pelo presidente norte-americano, num jantar da Comissão de Ação Política Conservadora, em Washington, quando ele afirmou ser contrário ao envio de tropas à América Central, mas que os "contras" precisam ser sustentados e amparados, os comparando, até, com os que combateram pela liberdade e independência dos EUA nos primórdios dessa grande nação. è claro que propositadamente ele exagerou em suas colocações.

O que na verdade a Casa Branca deseja não é tanto derrubar o governo sandinista, como pode, em princípio, dar a impressão. A Nicarágua é apenas pretexto para Reagan demonstrar a sua força perante um Congresso rebelde, e que cada vez mostra mais tendências de não estar propenso a "desperdícios" de verbas com aventuras militares, que nada acrescentam.

Afinal, quem garante ao presidente que os rebeldes anti-sandinistas vão seguir uma política de docilidade em relação aos EUA, nos moldes de Honduras e da Costa Rica?! Quem pode afirmar com certeza que os guerrilheiros, assim que conquistarem o poder, não irão travar uma luta fratricida, para dividir os espólios, causando muito maior instabilidade na região do que atualmente?

Afinal, são diversos os grupos que combatem o regime de Ortega. É claro que os seus respectivos líderes, dos quais pelo menos quatro têm grande destaque, como Adolfo Callero Portocarrero, da Frente Democrática Nicaragüense; Stedman Fagoth, do Grupo Misurata, que congrega indígenas misquitos, ramas e sumos; Éden Pastora Gomez, o "Comandante Zero", que desertou das fileiras do sandinismo; além de Fernando "Negro" Chamorro e o seu grupo político, Alfonso Robello, querem, apenas, o poder para si.

Todos eles, certamente, estão lutando, não porque acreditem que a Nicarágua não deva ser um país marxista na América Central. Há muita ambição pessoal envolvida nisso, sem dúvida alguma. E ninguém garante, por exemplo, que após a vitória (se essa vier a acontecer eventualmente algum dia), qualquer um dos três chefes guerrilheiros preteridos para ocupar o governo não venha a recorrer aos préstimos cubanos, ou soviéticos, para impor as suas pretensões.

Ao invés de buscar, afanosamente, custear o terror, que Washington (mui justamente) abomina, não seria mais sensato e humano prestigiar as gestões do Grupo de Contadora e obter concessões dos sandinistas, pacificando, dessa maneira, esse atormentado país?

Afinal, desde o dia em que foi eleito e concedeu anistia aos guerrilheiros que depuserem as armas, Daniel Ortega demonstrou estar disposto a ceder, desde que lhe seja dada a oportunidade de governar a Nicarágua em paz.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 3 de março de 1985).


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