Intransigência de Reagan
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente norte-americano, Ronald Reagan, mantém-se irredutível em sua
tentativa de depor o regime sandinista da Nicarágua, posição que ele
demonstrou, com uma clareza cristalina, um dia após serem divulgados os
resultados oficiais das eleições nos EUA, indicando sua esmagadora vitória
sobre o democrata Walter Mondale.
Em
contraposição, Daniel Ortega, depois de ser consagrado nas urnas como o
primeiro presidente nicaragüense eleito em muitos anos, ao menos publicamente
vem assumindo uma posição conciliadora diante de Washington, dispondo-se a
atender a praticamente todas as exigências que partem da Casa Branca.
Essa
diferença de posturas evidenciou-se no correr desta semana. Enquanto Reagan,
terminada a proibição de um ano (determinada pelo Congresso de seu país) de
ajudar financeiramente os anti-sandinistas, procurou, com todo o empenho,
demonstrar o perigo que representa um novo regime marxista nas proximidades dos
EUA, o presidente sandinista fez diversas concessões, há tempos exigidas. Como,
por exemplo, mandar de volta a Cuba cerca de cem assessores militares. Ou
libertar, e entregar aos representantes do Grupo de Contadora, o jovem Urbina
Lara, que em outubro havia pedido asilo político à Costa Rica e que foi
retirado, à força, da embaixada costarriquenha em Manágua, fazendo com que este
país (secundado por El Salvador e Honduras) abandonasse uma importante reunião
do Grupo de Contadora, que deveria ser realizada, há dez dias, na Cidade do
Panamá.
Reagan
quer, de todas as maneiras, fazer com que o Congresso dos EUA aprove uma verba
de US$ 14 milhões, para financiar a guerrilha anti-sandinista, com bases nos
vizinhos da Nicarágua. Classificou o atual governo nicaragüense de
"indecente" e afirmou ser necessário "removê-lo".
Posteriormente,
comparou o regime sandinista de uma nova Líbia, um verdadeiro "armazém de
terrorismo". Suas invectivas foram acompanhadas de duros pronunciamentos,
também, do secretário de Estado, George Shultz, e do vice-presidente, George
Bush. Foi um autêntico show de frases feitas.
O
arremate final de toda essa pantomima foi dado anteontem à noite pelo
presidente norte-americano, num jantar da Comissão de Ação Política
Conservadora, em Washington, quando ele afirmou ser contrário ao envio de
tropas à América Central, mas que os "contras" precisam ser
sustentados e amparados, os comparando, até, com os que combateram pela
liberdade e independência dos EUA nos primórdios dessa grande nação. è claro
que propositadamente ele exagerou em suas colocações.
O
que na verdade a Casa Branca deseja não é tanto derrubar o governo sandinista,
como pode, em princípio, dar a impressão. A Nicarágua é apenas pretexto para
Reagan demonstrar a sua força perante um Congresso rebelde, e que cada vez mostra
mais tendências de não estar propenso a "desperdícios" de verbas com
aventuras militares, que nada acrescentam.
Afinal,
quem garante ao presidente que os rebeldes anti-sandinistas vão seguir uma
política de docilidade em relação aos EUA, nos moldes de Honduras e da Costa
Rica?! Quem pode afirmar com certeza que os guerrilheiros, assim que
conquistarem o poder, não irão travar uma luta fratricida, para dividir os
espólios, causando muito maior instabilidade na região do que atualmente?
Afinal,
são diversos os grupos que combatem o regime de Ortega. É claro que os seus
respectivos líderes, dos quais pelo menos quatro têm grande destaque, como
Adolfo Callero Portocarrero, da Frente Democrática Nicaragüense; Stedman
Fagoth, do Grupo Misurata, que congrega indígenas misquitos, ramas e sumos;
Éden Pastora Gomez, o "Comandante Zero", que desertou das fileiras do
sandinismo; além de Fernando "Negro" Chamorro e o seu grupo político,
Alfonso Robello, querem, apenas, o poder para si.
Todos
eles, certamente, estão lutando, não porque acreditem que a Nicarágua não deva
ser um país marxista na América Central. Há muita ambição pessoal envolvida
nisso, sem dúvida alguma. E ninguém garante, por exemplo, que após a vitória
(se essa vier a acontecer eventualmente algum dia), qualquer um dos três chefes
guerrilheiros preteridos para ocupar o governo não venha a recorrer aos
préstimos cubanos, ou soviéticos, para impor as suas pretensões.
Ao
invés de buscar, afanosamente, custear o terror, que Washington (mui
justamente) abomina, não seria mais sensato e humano prestigiar as gestões do
Grupo de Contadora e obter concessões dos sandinistas, pacificando, dessa
maneira, esse atormentado país?
Afinal,
desde o dia em que foi eleito e concedeu anistia aos guerrilheiros que
depuserem as armas, Daniel Ortega demonstrou estar disposto a ceder, desde que
lhe seja dada a oportunidade de governar a Nicarágua em paz.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 3 de março de 1985).
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