Aprender
a pensar
Pedro J. Bondaczuk
A
educação é um processo holístico. É um todo.
Não pode ser, portanto, confundida (embora amiúde seja) com as partes
que a integram, como a instrução ou o adestramento físico e ou mental, por
exemplo. É muito mais ampla e completa e não se limita a determinado tempo.
Abrange toda nossa vida. Tem etapas que se desenvolvem no lar, na escola, na
igreja, no trabalho etc. Todavia estas não são separadas ou estanques, mas
simultâneas. Ao mesmo tempo que aprendemos com nossos pais princípios básicos
de higiene, cortesia e civilidade, nos valemos do conhecimento acumulado por
gerações nas escolas, preparando-nos para exercer profissões para as quais
tenhamos habilidade e formos devidamente habilitados.
O
filósofo norte-americano Will Durant, escreveu, a propósito, em seu clássico
“Filosofia da vida”: “A educação tem que produzir homens completos; deve
desenvolver todas as forças criadoras existentes no indivíduo, abrindo-lhe o
espírito para todos os aspectos amenos e instrutivos do mundo. Um homem
sobrecarregado de milhões, mas para quem Beethoven, Corot ou Thomás Hardy, ou o
fulgor de um ocaso do outono significam apenas sons e cor, não passa de matéria
prima dum homem; metade do mundo conserva-se fechada às janelas embaciadas do
seu espírito”. Esse tipo de educação que citei, o holístico, abrangendo tudo o
que possa ser potencialmente útil, à qual Will Durant se referiu, de forma tão
didática, é o ideal.
A
experiência me diz que poucos têm acesso a ele. À maioria é proporcionada uma
educação mais formal (e parcial), o que finda por lhe determinar papel
secundário na sociedade, para cuja participação plena não está devidamente
preparada. Durant observa, ainda: “Uma educação meramente científica transforma
o educado em mero instrumento; deixa-o estranho à beleza, afasta-o da
sabedoria”. Ou seja, seu paciente tem papel secundário previamente determinado:
o de cauda, jamais de cabeça. O de instrumento e não o de quem o maneje.
Will
Durant amplia essa observação sobre o processo educacional que, reitero, tem
que ser holístico, completo, total e absoluto para satisfazer seu principal
objetivo: conferir ao homem sua humanidade, ou seja, racionalidade. Escreve:
“Educação não significa tirar diplomas de perícia em comércio, em mineração, em
botânica, em jornalismo, ou epistemologia; significa, através da absorção da
herança moral, intelectual e estética da raça humana, alcançarmos o controle
tanto de nós mesmos como do mundo exterior; significa escolhermos o melhor como
o associado do nosso corpo e do nosso espírito; significa aprendermos a
adicionar a cortesia à cultura, a sabedoria ao conhecimento e a indulgência à
compreensão. Quando produzirão nossos colégios homens assim?”
Sim,
caro leitor, quando nossas escolas, nos mais variados níveis, poderão produzir
esse tipo de educando? Hoje, infelizmente, um aluno absorve muito mais hábitos
e comportamentos ditados por colegas do que os princípios e conhecimentos que
seus mestres se propõem a transmitir. A esse propósito, o filósofo Ralph Waldo
Emerson observou, em tom de indisfarçável decepção: “Manda teu filho para a
escola e os colegas o educarão”. Porventura, não é o que acontece? Portanto,
não há nenhum exagero em afirmar que a educação está em crise. Sempre esteve. E
ela é interminável, por estar distante do que seria o ideal.
Enfatizo
e reitero que o aprendizado que se obtém na escola é apenas parte da educação e
não toda ela, como tantos, erroneamente, interpretam. E esses centros de
ensino, salvo exceções que desconheço, cometem um pecado mortal. Os que os
comandam e ministram conhecimentos não entendem sua parcialidade ou não a
aceitam. Um dos maiores educadores brasileiros, Paulo Freire, assim se
expressou a respeito: “Um dos grandes
pecados da escola é desconsiderar tudo com que a criança chega a ela. A escola
decreta que antes dela não há nada”.O poeta Mário Quintana expressou isso de
uma forma, digamos, menos técnica, posto que mais saborosa. Afirmou, em
entrevista que deu ao jornalista Hermes Rodrigues Nery, em julho de 1988:”Para
mim as crianças até os sete anos são muito inteligentes; depois, os
professores, em vez de transformar as crianças em bons adultos, adulteram-nas.
Estragam tudo”.
Estou
plenamente de acordo com o saudoso ex-reitor e fundador da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Zeferino Vaz, quando disse, em entrevista ao
jornal Correio Popular: “Educar é
desenvolver no aluno a capacidade de pensar. O cérebro de um estudante não é um
cofre que se deve encher, mas sim uma tocha que é preciso acender”. Afinal,
queiram ou não, concordem ou discordem, são as idéias que, de fato,
governam o mundo e comandam sociedades, povos e civilizações. Muitas são
nefastas e destrutivas e impostas à força, não raro a poder de armas. Outras
impõem-se por si sós, por sua nobreza, eficácia e poder.
Pessoas
são mortas, mas ninguém tem o poder de matar idéias, quando construtivas e
necessárias. Todos as temos mescladas. Algumas são criadas por nós, outras
transmitidas pela tradição através da educação e, outras tantas, nos são
impostas, muitas vezes a ferro e fogo. Devemos fazer periódico exame de
consciência, se possível diário, e administrar o que pensamos. O escritor
Robert Musil nos adverte, com pertinência: “Tudo o que se pensa ou é afeto ou
aversão”. Cultivemos, pois, o primeiro desses tipos de pensamento e evitemos o
segundo. Só devemos, na verdade, ter aversão à violência, ao ódio, às
injustiças e à corrupção. No mais... é mister cultivar afetos, sem limites ou
restrições.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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