Interlocutor ideal
Pedro J. Bondaczuk
O líder nacionalista negro, Nelson Mandela, foi
reconduzido, ontem, após 28 anos (já que foi preso em 1962), à vice-presidência
do Congresso Nacional Africano, para atuar ao lado (e possivelmente substituir)
de seu amigo de juventude, Oliver Tambo. Afinal, com a legalização do CNA, por
parte do governo sul-africano do presidente Frederik de Klerk, a organização se
viu investida de maior responsabilidade. Doravante, uma palavra mal colocada,
uma declaração imprudente, uma entrevista impensada da sua liderança podem pôr
a perder um longo e estafante trabalho de décadas, rumo ao objetivo maior, que
é o desmantelamento do sistema do "apartheid". A impressão que fica,
de tudo o que aconteceu em fevereiro passado, é a de que agora sim as partes
vão começar a negociar com seriedade.
Até aqui, o que imperava era a intransigência. Com
isso, o país sofria um severo boicote generalizado, internacional, que ainda
persiste, mas que pode ser amainado se as medidas já tomadas para acabar com a
segregação racial tiverem continuidade. Os obstáculos ainda existentes são
imensos. Eles residem, por sinal, nos dois lados. Entre a minoria branca, os
radicais pressionam de Klerk para que renuncie, ou antecipe as eleições,
acreditando ser possível manter indefinidamente o "status quo". No
campo oposto, os negros estão divididos em vários grupos rivais, que inclusive
recorrem à violência para impor seus pontos de vista um ao outro, como os
distúrbios sangrentos que vêm ocorrendo na província de Natal demonstram.
Mandela disse, no célebre discurso que pronunciou em
1964, no Tribunal de Rivônia, ser contrário a extremismos e extremistas de
ambas as partes. Ele entende que uma sociedade dividida jamais haverá de
prosperar. Por isso disse, e sempre repetiu, desde quando foi libertado da
prisão, em 11 de fevereiro passado, que se opõe a radicais brancos e negros.
O fato dele manter a luta armada como uma estratégia
vem sendo mal interpretado pelos que desconhecem a extensão e o alcance do
"apartheid". Trata-se, mais do que um simples e puro recurso à
violência, de mera "legítima defesa", já que ainda impera, na África
do Sul, o estado de emergência, que suspende os raríssimos direitos que a
maioria racial ainda possui.
O recente derrame sofrido por Oliver Tambo faz
prever que Mandela será, de fato, o grande condutor do diálogo com de Klerk,
visando a encontrar uma saída honrosa para ambas as partes, para o impasse que
a África do Sul vive desde maio de 1948, quando os partidários de Daniel Malan
venceram as eleições e instituíram essa monstruosidade que é o segregacionismo.
E a tarefa, convenhamos, está entregue a ótimas mãos.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 3 de março de 1990)
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