Monday, August 04, 2014

Interlocutor ideal


Pedro J. Bondaczuk


O líder nacionalista negro, Nelson Mandela, foi reconduzido, ontem, após 28 anos (já que foi preso em 1962), à vice-presidência do Congresso Nacional Africano, para atuar ao lado (e possivelmente substituir) de seu amigo de juventude, Oliver Tambo. Afinal, com a legalização do CNA, por parte do governo sul-africano do presidente Frederik de Klerk, a organização se viu investida de maior responsabilidade. Doravante, uma palavra mal colocada, uma declaração imprudente, uma entrevista impensada da sua liderança podem pôr a perder um longo e estafante trabalho de décadas, rumo ao objetivo maior, que é o desmantelamento do sistema do "apartheid". A impressão que fica, de tudo o que aconteceu em fevereiro passado, é a de que agora sim as partes vão começar a negociar com seriedade.

Até aqui, o que imperava era a intransigência. Com isso, o país sofria um severo boicote generalizado, internacional, que ainda persiste, mas que pode ser amainado se as medidas já tomadas para acabar com a segregação racial tiverem continuidade. Os obstáculos ainda existentes são imensos. Eles residem, por sinal, nos dois lados. Entre a minoria branca, os radicais pressionam de Klerk para que renuncie, ou antecipe as eleições, acreditando ser possível manter indefinidamente o "status quo". No campo oposto, os negros estão divididos em vários grupos rivais, que inclusive recorrem à violência para impor seus pontos de vista um ao outro, como os distúrbios sangrentos que vêm ocorrendo na província de Natal demonstram.

Mandela disse, no célebre discurso que pronunciou em 1964, no Tribunal de Rivônia, ser contrário a extremismos e extremistas de ambas as partes. Ele entende que uma sociedade dividida jamais haverá de prosperar. Por isso disse, e sempre repetiu, desde quando foi libertado da prisão, em 11 de fevereiro passado, que se opõe a radicais brancos e negros.

O fato dele manter a luta armada como uma estratégia vem sendo mal interpretado pelos que desconhecem a extensão e o alcance do "apartheid". Trata-se, mais do que um simples e puro recurso à violência, de mera "legítima defesa", já que ainda impera, na África do Sul, o estado de emergência, que suspende os raríssimos direitos que a maioria racial ainda possui.

O recente derrame sofrido por Oliver Tambo faz prever que Mandela será, de fato, o grande condutor do diálogo com de Klerk, visando a encontrar uma saída honrosa para ambas as partes, para o impasse que a África do Sul vive desde maio de 1948, quando os partidários de Daniel Malan venceram as eleições e instituíram essa monstruosidade que é o segregacionismo. E a tarefa, convenhamos, está entregue a ótimas mãos.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 3 de março de 1990)


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