Friday, August 15, 2014

Avizinha-se grande “quebradeira” geral


 Pedro J. Bondaczuk


A questão da dívida externa, por uma série de razões estruturais, conjunturais e até de conspiração malévola da natureza (no caso os terremotos de El Salvador e Equador), atinge, neste início de 1987, um ponto crítico. Muita gente mal-informada, no Brasil e fora dele, tem criticado, de forma até maldosa, a atitude brasileira de suspender os pagamentos dos juros, da ordem de US$ 12 bilhões anuais, sem ver como anda a situação de outros endividados.

A maioria está à beira de assumir atitude idêntica e da mesma forma que as autoridades de Brasília. Não como uma confrontação com o sistema, mas por absoluta impossibilidade de pagar. Embora sempre tenha sido política geral dos devedores, em especial latino-americanos, evitar a formação de uma espécie de cartel, a tendência manifestada na reunião do Escritório de Coordenação do Movimento dos Países Não-Alinhados que se realiza em Georgetown, é a de adotar uma linha de ação comum perante os credores.

Duas teses foram levantadas e debatidas com insistência nesse encontro. Uma delas refere-se à prática preconizada pelo presidente Alan Garcia Perez, do Peru, desde a sua posse em julho de 1985, de somente efetuar pagamentos de juros até o limite de 10% das exportações nacionais.

A outra é de autoria brasileira. Prevê que a questão da dívida seja deslocada do plano meramente financeiro, onde sempre esteve até agora, e passe a ser tratada num âmbito político, de governo a governo. Foi o que o ministro da Fazenda, Dílson Funaro, e o presidente do Banco Central, Francisco Gros, tentaram fazer no recente giro que empreenderam pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Suíça, Alemanha Ocidental, Itália e Japão, para explicar as razões do Brasil ter tomado a atitude que tomou.

Um outro caminho apontado na reunião realizada em Georgetown, na República da Guiana, foi o do chanceler cubano, Isidoro Malmierca. Ele apenas reforçou aquilo que o presidente do seu país, Fidel Castro, vem dizendo há vários anos. Ou seja, que a dívida externa, da forma em que está estruturada, é absolutamente impagável.

Não há dúvida que o endividamento ameaça jogar a nascente democracia latino-americana no chão. Basta que se observe o que está acontecendo por toda a parte. Na Argentina, por exemplo, preços e salários foram recongelados e a inquietação trabalhista é impossível de se esconder.

No Uruguai, greves e mais greves se sucedem e o presidente Júlio Maria Sanguinetti não dispõe de grandes recursos parta modernizar seus meios de produção e assim gerar mais divisas. Na Bolívia, o setor de mineração vive dias amargos e a população atravessa momentos de sacrifício nunca vistos.

A Venezuela acaba de renegociar, pelo segundo ano consecutivo, dois terços do seu endividamento externo, para não parar de pagar. A Colômbia se vê ameaçada pela brutal queda nas cotações do café no mercado internacional e já está cogitando numa renegociação.

O Chile, não faz muito, obteve um financiamento de emergência para cobrir rombos em seu orçamento. O Equador, então, depois da série de terremotos que sacudiu o país, não pode nem pensar em saldar seus juros, pois não tem com quê. E a lista pode ser desfiada indefinidamente.

O curioso de se notar é que aquilo que o Brasil paga, anualmente, no chamado serviço da dívida (sem amortizar um só centavo do principal), equivale ao sétimo maior débito externo do continente e está entre os mais altos de todo o mundo.

Os países em desenvolvimento devem, em conjunto, cerca de US$ 1,1 trilhão, o que é mais do que todo o Produto Interno Bruto da União Soviética, a segunda maior potência do Planeta também em termos de riqueza nacional. Desse total, 40% cabem à América Latina, ou seja, US$ 400 bilhões, dos quais 25% são do Brasil.

Se os terceiromundistas têm que desembolsar mais do que emprestaram, por que certos cínicos ainda têm o desplante de vir a público e dizer que os credores nos ajudaram? Que ajuda é esta que nos tira até a roupa?

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 12 de março de 1987).


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