Avizinha-se grande “quebradeira” geral
A questão da dívida externa, por uma série de razões
estruturais, conjunturais e até de conspiração malévola da natureza (no caso os
terremotos de El Salvador e Equador), atinge, neste início de 1987, um ponto
crítico. Muita gente mal-informada, no Brasil e fora dele, tem criticado, de
forma até maldosa, a atitude brasileira de suspender os pagamentos dos juros,
da ordem de US$ 12 bilhões anuais, sem ver como anda a situação de outros
endividados.
A maioria está à beira de assumir
atitude idêntica e da mesma forma que as autoridades de Brasília. Não como uma
confrontação com o sistema, mas por absoluta impossibilidade de pagar. Embora
sempre tenha sido política geral dos devedores, em especial latino-americanos,
evitar a formação de uma espécie de cartel, a tendência manifestada na reunião
do Escritório de Coordenação do Movimento dos Países Não-Alinhados que se
realiza em Georgetown, é a de adotar uma linha de ação comum perante os
credores.
Duas teses foram levantadas e
debatidas com insistência nesse encontro. Uma delas refere-se à prática
preconizada pelo presidente Alan Garcia Perez, do Peru, desde a sua posse em
julho de 1985, de somente efetuar pagamentos de juros até o limite de 10% das exportações
nacionais.
A outra é de autoria brasileira.
Prevê que a questão da dívida seja deslocada do plano meramente financeiro,
onde sempre esteve até agora, e passe a ser tratada num âmbito político, de
governo a governo. Foi o que o ministro da Fazenda, Dílson Funaro, e o
presidente do Banco Central, Francisco Gros, tentaram fazer no recente giro que
empreenderam pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Suíça, Alemanha
Ocidental, Itália e Japão, para explicar as razões do Brasil ter tomado a atitude
que tomou.
Um outro caminho apontado na
reunião realizada em Georgetown, na República da Guiana, foi o do chanceler
cubano, Isidoro Malmierca. Ele apenas reforçou aquilo que o presidente do seu
país, Fidel Castro, vem dizendo há vários anos. Ou seja, que a dívida externa,
da forma em que está estruturada, é absolutamente impagável.
Não há dúvida que o endividamento
ameaça jogar a nascente democracia latino-americana no chão. Basta que se
observe o que está acontecendo por toda a parte. Na Argentina, por exemplo,
preços e salários foram recongelados e a inquietação trabalhista é impossível
de se esconder.
No Uruguai, greves e mais greves
se sucedem e o presidente Júlio Maria Sanguinetti não dispõe de grandes
recursos parta modernizar seus meios de produção e assim gerar mais divisas. Na
Bolívia, o setor de mineração vive dias amargos e a população atravessa
momentos de sacrifício nunca vistos.
A Venezuela acaba de renegociar,
pelo segundo ano consecutivo, dois terços do seu endividamento externo, para
não parar de pagar. A Colômbia se vê ameaçada pela brutal queda nas cotações do
café no mercado internacional e já está cogitando numa renegociação.
O Chile, não faz muito, obteve um
financiamento de emergência para cobrir rombos em seu orçamento. O Equador,
então, depois da série de terremotos que sacudiu o país, não pode nem pensar em
saldar seus juros, pois não tem com quê. E a lista pode ser desfiada
indefinidamente.
O curioso de se notar é que
aquilo que o Brasil paga, anualmente, no chamado serviço da dívida (sem
amortizar um só centavo do principal), equivale ao sétimo maior débito externo
do continente e está entre os mais altos de todo o mundo.
Os países em desenvolvimento
devem, em conjunto, cerca de US$ 1,1 trilhão, o que é mais do que todo o Produto
Interno Bruto da União Soviética, a segunda maior potência do Planeta também em
termos de riqueza nacional. Desse total, 40% cabem à América Latina, ou seja,
US$ 400 bilhões, dos quais 25% são do Brasil.
Se os terceiromundistas têm que
desembolsar mais do que emprestaram, por que certos cínicos ainda têm o
desplante de vir a público e dizer que os credores nos ajudaram? Que ajuda é
esta que nos tira até a roupa?
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 12
de março de 1987).
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