Tuesday, August 12, 2014

Religião substitui ideologias


Pedro J. Bondaczuk


A falência do modelo comunista --- com a "Revolução de Veludo" em boa parte do Leste europeu, com a queda pelas armas da ditadura de Nicolae Ceausescu na Romênia e com as dramáticas mudanças políticas em andamento na região --- está acentuando cada vez mais uma tendência antiga, que agora renasce com maior vigor: a do nacionalismo e do fundamentalismo religioso substituírem ideologias como alternativas para várias sociedades nacionais.

Ressalte-se que há tempos existem países onde Igreja e Estado ainda se confundem e cujas Constituições consagram uma religião oficial. São os casos, por exemplo, da Malásia, Maldivas, Marrocos, Mauritânia, Paquistão e Somália, para mencionar apenas alguns.

A chegada dos aiatolás ao poder no Irã, em 1979, acentuou ainda mais essa tendência, numa época em que essa idéia não passava pela cabeça dos analistas e que, se alguém dissesse que o comunismo estava morrendo, seria alvo de chacota generalizada. Como, aliás, o ex-presidente norte-americano, Ronald Reagan, foi.

Pouco antes das eleições presidenciais dos Estados Unidos, em 1980, ele previu, num rasgo profético, que o regime marxista não sobreviveria a essa década, em nenhuma parte do mundo, classificando, na oportunidade, a União Soviética, então liderada por Leonid Brezhnev, de "Império do Mal".

O fundamentalismo religioso encontra campo fértil em especial nas sociedades que passaram muito tempo sob tiranias de toda a sorte, quer se tratasse de monarquias absolutistas, quer de ditaduras militares. O primeiro caso é típico dos iranianos.

Uma exceção é o que ocorre na Índia, onde o radicalismo religioso ganha crescente espaço. Trata-se da que é considerada a maior democracia do mundo. O partido Bharatiya Janata, que defende a virtual exclusão da vida pública dos que não sejam fiéis do hinduísmo, é um exemplo clássico disso.

O prestígio eleitoral dessa facção vem crescendo de eleição para eleição e nos próximos dois turnos eleitorais indianos, que ocorrem na semana que vem, se teme que ela obtenha ganhos decisivos nas urnas, suficientes para lhe conferir a chefia do governo. Principalmente depois que o Partido do Congresso ficou virtualmente acéfalo com o assassinato do seu líder, Rajiv Gandhi, em 21 de maio passado, quando ele tinha a vitória praticamente em suas mãos para retornar em triunfo ao poder.

O fundamentalismo vem fazendo escola e hoje ameaça países como a Argélia, o Egito, a Jordânia, o próprio Iraque, além das monarquias do Golfo Pérsico, apenas para citar alguns. O caso que ganhou maior relevo foi o argelino, onde os radicais islâmicos acabaram forçando o presidente Chadli Bendjedid não somente a adiar as eleições do dia 27 próximo, que seriam as primeiras de caráter multipartidário na curta história independente de 29 anos do país, mas também a decretar o estado de sítio, para evitar um banho de sangue, como o de outubro de 1988, quando cerca de 600 pessoas foram mortas nas ruas de Argel em conflitos com a polícia, durante manifestação de protesto.

O tema, pela sua oportunidade, merece uma abordagem mais ampla. O historiador norte-americano, William McNeill, constatou, num recente ensaio: "Nacionalismos separatistas são uma expressão da politização das sociedades agrárias do mundo. Mas outras ideologias lutam pelo apoio do campesinato e dos ex-camponeses. Na verdade, o fundamentalismo religioso e o comunismo são quase tão atraentes quanto o nacionalismo e, nas sociedades que deixaram de ser agrárias, o futuro certamente pertence a várias mesclas e combinações dos três". Está aí um tema ideal para uma cuidadosa análise.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 7 de junho de 1991).


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