Religião
substitui ideologias
Pedro J. Bondaczuk
A falência do modelo comunista --- com a
"Revolução de Veludo" em boa parte do Leste europeu, com a queda
pelas armas da ditadura de Nicolae Ceausescu na Romênia e com as dramáticas
mudanças políticas em andamento na região --- está acentuando cada vez mais uma
tendência antiga, que agora renasce com maior vigor: a do nacionalismo e do
fundamentalismo religioso substituírem ideologias como alternativas para várias
sociedades nacionais.
Ressalte-se que há tempos existem países onde Igreja
e Estado ainda se confundem e cujas Constituições consagram uma religião
oficial. São os casos, por exemplo, da Malásia, Maldivas, Marrocos, Mauritânia,
Paquistão e Somália, para mencionar apenas alguns.
A chegada dos aiatolás ao poder no Irã, em 1979,
acentuou ainda mais essa tendência, numa época em que essa idéia não passava
pela cabeça dos analistas e que, se alguém dissesse que o comunismo estava
morrendo, seria alvo de chacota generalizada. Como, aliás, o ex-presidente
norte-americano, Ronald Reagan, foi.
Pouco antes das eleições presidenciais dos Estados
Unidos, em 1980, ele previu, num rasgo profético, que o regime marxista não
sobreviveria a essa década, em nenhuma parte do mundo, classificando, na
oportunidade, a União Soviética, então liderada por Leonid Brezhnev, de
"Império do Mal".
O fundamentalismo religioso encontra campo fértil em
especial nas sociedades que passaram muito tempo sob tiranias de toda a sorte,
quer se tratasse de monarquias absolutistas, quer de ditaduras militares. O
primeiro caso é típico dos iranianos.
Uma exceção é o que ocorre na Índia, onde o
radicalismo religioso ganha crescente espaço. Trata-se da que é considerada a
maior democracia do mundo. O partido Bharatiya Janata, que defende a virtual
exclusão da vida pública dos que não sejam fiéis do hinduísmo, é um exemplo
clássico disso.
O prestígio eleitoral dessa facção vem crescendo de
eleição para eleição e nos próximos dois turnos eleitorais indianos, que
ocorrem na semana que vem, se teme que ela obtenha ganhos decisivos nas urnas,
suficientes para lhe conferir a chefia do governo. Principalmente depois que o
Partido do Congresso ficou virtualmente acéfalo com o assassinato do seu líder,
Rajiv Gandhi, em 21 de maio passado, quando ele tinha a vitória praticamente em
suas mãos para retornar em triunfo ao poder.
O fundamentalismo vem fazendo escola e hoje ameaça
países como a Argélia, o Egito, a Jordânia, o próprio Iraque, além das
monarquias do Golfo Pérsico, apenas para citar alguns. O caso que ganhou maior
relevo foi o argelino, onde os radicais islâmicos acabaram forçando o
presidente Chadli Bendjedid não somente a adiar as eleições do dia 27 próximo,
que seriam as primeiras de caráter multipartidário na curta história independente
de 29 anos do país, mas também a decretar o estado de sítio, para evitar um
banho de sangue, como o de outubro de 1988, quando cerca de 600 pessoas foram
mortas nas ruas de Argel em conflitos com a polícia, durante manifestação de
protesto.
O tema, pela sua oportunidade, merece uma abordagem
mais ampla. O historiador norte-americano, William McNeill, constatou, num
recente ensaio: "Nacionalismos separatistas são uma expressão da
politização das sociedades agrárias do mundo. Mas outras ideologias lutam pelo
apoio do campesinato e dos ex-camponeses. Na verdade, o fundamentalismo
religioso e o comunismo são quase tão atraentes quanto o nacionalismo e, nas
sociedades que deixaram de ser agrárias, o futuro certamente pertence a várias
mesclas e combinações dos três". Está aí um tema ideal para uma cuidadosa
análise.
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do
Correio Popular, em 7 de junho de 1991).
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