Tuesday, August 05, 2014

Tomando o bonde no estribo



Pedro J. Bondaczuk


As autoridades comunistas de linha-dura da Alemanha Oriental tentaram, mesmo diante das evidências de que estavam remando contra a correnteza da história, conservar o país como ele sempre foi nos últimos 40 anos. Ou seja, um dos Estados mais fechados, inclusive do próprio Leste europeu.

Mesmo após o início do êxodo em massa de seus cidadãos para o Ocidente, a liderança do PC de então, sob a batuta um tanto esclerosada – ou pelo menos defasada – de Erich Honecker, ainda buscou “tapar o sol com a peneira”.

As fugas, por exemplo, foram atribuídas a hipotéticas campanhas de aliciamento partidas da Alemanha Ocidental. A cúpula partidária não teve isenção suficiente para fazer uma autocrítica serena e equilibrada, fanatizada que sempre esteve pela ideologia, ao ponto de perder o senso de realidade. E deu no que deu.

Ontem, a Alemanha Oriental amanheceu como um autêntico barco à deriva num mar tempestuoso, caracterizado por manifestações em massa e por descontentamento generalizado. Sem gabinete, já que anteontem os 44 membros do governo chefiado pelo primeiro-ministro Willi Stoph – inclusive ele próprio – renunciaram. E sem Politburo, que é o principal órgão decisório do país, este último dissolvido e horas depois reestruturado pelo novo homem-forte alemão oriental, Egon Krenz.

Mas a melhor novidade para aqueles que esperam ver um mundo pacificado, com o sepultamento definitivo das seqüelas deixadas pela Segunda Guerra Mundial, foi a indicação de Hans Modrow para ser o novo premier.

O líder do PC de Dresden sempre foi visto pelos reformistas locais como a grande esperança nacional. Mesmo antes das reformas empreendidas por Mikhail Gorbachev na União Soviética – a glasnost e a Perestroika – terem se popularizado no Leste europeu, ele já as defendia tenazmente, sendo malvisto pela cúpula de então.

Sua escolha, portanto, é um indicativo mais do que certo de que as coisas vão mudar de fato, doravante, na Alemanha Oriental, que se somará à Polônia e à Hungria como uma sociedade socialista que soube se reciclar na hora certa.

Finalmente, os alemães orientais estão conseguindo tomar seu lugar no “bonde da história”, mesmo que pendurados, à última hora, em seu estribo. Em comentários anteriores, quando Honecker esbravejava e ameaçava mundos e fundos, nós prevíamos esse desenrolar para os acontecimentos. Apenas não esperávamos que as coisas viessem a acontecer com tamanha velocidade.

O drama que se desenrola na “galáxia vermelha” está adquirindo características tão excitantes, que politicamente já é, de longe, o fato mais importante de 1989, marcado por tantos acontecimentos de destaque, tendentes a balizar a última década deste turbulento século XX.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 9 de novembro de 1989).


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