Escravidão
infantil
Pedro J. Bondaczuk
A
verdadeira civilização, a caracterizada pelo respeito irrestrito ao ser humano,
chegou a pouquíssimas partes do mundo, neste início de terceiro milênio da era
cristã, tido como o dos mais notáveis avanços no campo da tecnologia. Mas em
termos de relacionamento entre as pessoas, a humanidade, ou pelo menos parte
considerável dela, continua na Idade da Pedra, quando a luta pela sobrevivência
se caracterizava pelo extremo egoísmo; pelo instinto substituindo a razão, pela
prevalência da lei do mais forte.
O
comportamento humano não acompanhou o incrível avanço das ciências físicas e
biológicas, em especial após a segunda metade do século XIX. Por esta razão,
muitas das maravilhas criadas por mentes privilegiadas, que poderiam significar
a redenção da humanidade e a melhoria do seu padrão de vida, acabaram
transformadas em objetos de tortura, em armas terríveis para que se cometam as
mais abjetas ações e heresias que se possa imaginar.
A
todo o instante se ouve alguém reivindicar um elenco de direitos, alguns
legítimos e outros apenas imaginados. Mas o que esses indivíduos parecem
esquecer é que cada direito sempre tem que vir, necessariamente, acompanhado da
contrapartida do respectivo dever. Os dois são indissociáveis. Uma das
principais obrigações das pessoas, senão a principal, é a de viver e deixar
viver. Ninguém tem, nem pode ter, o poder de decidir sobre quem continuará
existindo, e como, e quem deve ser eliminado. Qualquer coisa que ao menos
lembre este tipo de comportamento é ilegítima, imoral e ilegal. É
arbitrariedade sem tamanho. Contraria a lógica, a razão e o bom-senso.
O
princípio básico de Justiça, o alicerce que lhe dá sustentação e força,
preceitua que “todos” são iguais perante a lei. O fato dessa igualdade não
passar, hoje em dia, de mera ficção, é que impede que, no campo do
comportamento, a humanidade acompanhe o vertiginoso progresso da ciência. O direito mais sagrado
e inalienável de qualquer ser é o da vida. Segue-se a ele em importância o da
liberdade. São prerrogativas tão óbvias que dispensariam leis que as
consagrassem. Deveriam ser até instintivas e respeitadas por todos, sem
exceção.
Os
delegados da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra,
ouviram, em 3 de agosto de 1989i, certamente estarrecidos, uma revelação,
sobretudo chocante. A de que cerca de 20 milhões de crianças trabalhavam,
naquela ocasião, como escravas, em parte considerável do Sul asiático. Embora
nestas questões não se deva olhar o lado quantitativo, mas o princípio em si, o
número era, simplesmente, assustador. Como ademais também seria se um único
menor fosse o escravizado, para produzir riquezas para outro indivíduo, pois
esta é uma brutalidade intolerável.
Pode
parecer óbvia, esta afirmação, mas há milhões de pessoas que não entendem isso.
Tanto, que existe uma quantidade tão grande de pequeninos sendo explorada da
maneira mais vil e covarde que se possa conceber. Mas não é somente o Sul da
Ásia que contava (e que ainda conta, infelizmente) com essa aberração. Foi
ventilado, na ONU, o caso de lá, porque a denúncia havia partido de um desses
(já um tanto raros) abnegados idealistas, que ainda existem por todas as partes
(poucos, infelizmente, e ficando a cada dia mais escassos), que realmente se
preocupam com os semelhantes, que era dessa região.
Se
a cifra revelada em 1989, de 20 milhões de crianças escravizadas, já chocou
tanta gente, o que dizer das estatísticas a propósito, divulgadas em 2008, que
deram conta de que, naquele ano, 400 milhões de meninos e meninas eram
explorados como escravos no mundo?! Não disponho de cifras mais recentes, mas
duvido que essa exploração absurda e irracional tenha refluído. É provável,
isso sim, que haja aumentado muito mais. Há seis anos, o trabalho infantil
escravo representava 10% da força de trabalho mundial. Gerava cerca de 13
milhões de euros anuais do Produto Interno Bruto do Planeta. Dinheiro... sempre
o dinheiro, tido e havido como mais importante do que vida e liberdade de
pessoas e, pior, das que sequer tiveram ainda oportunidade de viver plenamente.
Como intelectual, como escritor e, sobretudo, como ser humano, acho isso
odioso, repulsivo, revoltante e inconcebível.
Escravidão
infantil (ostensiva ou disfarçada), existe em várias partes do mundo. Comentei,
anos atrás, em artigo publicado em determinado jornal da minha cidade, a
respeito da imensa covardia praticada por alguns governos africanos, que
transformavam meninos, de oito a doze anos, em “soldados”. Melhor qualificaría
se dissesse que tais garotos faziam as vezes de “buchas de canhão”. Em muitas
regiões, as crianças são exploradas sexualmente, para satisfazer a tara de
degenerados, de seres doentios, que requerem tratamento adequado e não podem
estar andando à solta nas ruas (alguns ocupando, até, cargos de destaque na
sociedade).
Nas
Filipinas, por exemplo, um desses centros de pedofilia chega ao perverso
requinte de utilizar computadores para selecionar parceiros sexuais para as
crianças. São situações como essa que provocam asco e desalento naqueles que
ainda crêem que haja esperança para o mundo. Ela existe, mas é indispensável
que se cobre alguma ação, urgente, urgentíssima de quem de direito, para coibir
aberrações tão assustadoras, que mostram, entre outras coisas, que a sociedade
do nosso tempo está profundamente doente e carente de rumos, intoxicada pela
falácia do “ter” a qualquer custo, em detrimento do que é importante por
caracterizar-nos como humanos: o “ser”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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