Sinceridade
chinesa
Pedro J. Bondaczuk
A recente declaração publicada no suplemento
econômico do órgão oficial do PC chinês, "Diário do Povo",
considerando o marxismo obsoleto e insuficiente para resolver todos os
problemas atuais da China, causou sensação em diversas áreas. Afinal, em 35
anos de implantação do atual regime, nunca Pequim pôs tão diretamente em
questão a sua pretensa ideologia. Pelo menos não em palavras.
Entretanto, para os que vêm acompanhando a evolução
dos fatos que se registram na mais populosa nação do Planeta, essa atitude não
se reveste de surpresa tão grande. Era apenas uma questão de tempo para que se
cristalizasse em declarações tão claras o que já existia embrionariamente. O
que os chineses fizeram não foi nada mais do que acompanhar (posto que com oito
anos de atraso) a atitude de rebeldia dos partidos comunistas europeus, que em
30 de junho de 1976 proclamaram o direito de cada agremiação seguir sua própria
via para o socialismo. E a China decidiu optar pela sua, embora fosse um pouco
mais longe. Expressou em palavras aquilo que estava no pensamento de muita
gente, que no entanto temia externar uma opinião desse porte, talvez por receio
de que esta viesse a ser interpretada como intolerável "heresia".
O mundo na época em que Karl Marx viveu era muito
diferente do de hoje. Não apenas quanto à quantidade de habitantes, mas às
questões sociais e políticas. Em 1850, por exemplo, 14 anos antes do pensador
alemão encabeçar, em Londres, a constituição da Primeira Internacional, a população
mundial era de 1,09 bilhão. Hoje, apenas a China, sozinha, possui maior
quantidade de habitantes do que esta (1,27 bilhão). Não existiam meios de
comunicação rápidos e ágeis e as notícias chegavam, de um continente a outro,
meses após os fatos terem sido gerados. Hoje, a informação chega simultânea aos
acontecimentos.
Em 120 anos da existência do marxismo (que hoje é,
pretensamente, a ideologia de metade da humanidade), não se viu nenhum
resultado tão espetacular que levasse as pessoas à conclusão de que nele estava
o caminho para a pretendida justiça social. Ao contrário, os ditos regimes
comunistas, especialmente o soviético, desde a década de 20, transformaram-se
em meros Estados policiais, em instrumentos de opressão, decepcionando e
desencantando os que viam nele exatamente a libertação dos opressores. Desde
então, o marxismo-leninismo já vinha mostrando-se inviável.
Veja-se o caso da China, por exemplo. Durante muitos
anos, o líder Mao Tsé-Tung procurou massificar o país. Extinguiu tudo o que para
ele representasse "manifestação burguesa", abolindo até as patentes
militares no Exército. Estabeleceu um "culto à personalidade" (à
dele, é claro), como jamais se viu na história, tornando até os seus
pensamentos mais banais em dogmas políticos. Não se preocupou em forjar novas
lideranças, que conduzissem o país ao indispensável desenvolvimento. Nem
mostrou qualquer caminho para modernizar a China. A nação mais populosa do
mundo tinha a imperiosa necessidade de queimar etapas, para aumentar o "bolo"
da riqueza nacional a ser repartido por tantos comensais. Mas se perdeu em
planos quinqüenais irrealistas e inóquos e nos meandros de um burocratismo
verborrágico e estúpido.
A morte de Mao, em 9 de setembro de 1976, foi a
verdadeira data em que os chineses romperam de vez com o marxismo, pelo menos
na sua versão mais conhecida. A ruptura não foi formal, é óbvio, mas se deu em
seus corações. Ocorreu, é lógico, à
maneira oriental. Era de se esperar que as transformações se procedessem sem
saltos e nem sobressaltos. Mas a ascensão de Deng Xiaoping à liderança de fato
do Partido Comunista já deixava entrever que isso, mais dia menos dia, viria a
ocorrer.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do
Correio Popular, em 11 de dezembro de 1984)
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