Crime e castigo
Pedro J.
Bondaczuk
O vazio de poder, verificado, atualmente, no Líbano, onde
o gabinete de unidade nacional mostra-se mais desunido do que nunca e as
virtuais autoridades (o primeiro-ministro Rashid Karami e o presidente Amin
Gemayel) praticamente não detêm qualquer condição de decisão, deverão trazer,
para esse país, doravante, sérias complicações.
Como uma decorrência natural das
atrocidades cometidas pelos dois seqüestradores do Boeing 727 da TWA, em 14 de
junho passado, especialmente do assassinato do mergulhador da Marinha
norte-americana, Robert Stethen, a Casa Branca está disposta a levar às últimas
conseqüências sua determinação de punir esses criminosos.
Até aí, o presidente Ronald
Reagan está coberto de todas as razões possíveis e imagináveis. Se os autores
de seqüestros ocorridos no ano passado tivessem sido levados às barras dos
tribunais e sentenciados por seus delitos, com todo o fanatismo que move esses
extremistas, dificilmente a ocupação intempestiva do Boeing da TWA teria
acontecido.
Crime é crime, quer seja cometido
no Líbano, quer nos Estados Unidos, no Zimbabwe ou em Papua-Nova Guiné. Não
importa. Existe um acordo internacional acerca desses seqüestros, do qual os
libaneses são signatários. Se eles, em virtude da situação peculiar do país,
vivendo uma suicida guerra civil de mais de dez anos de duração, não têm
condições de fazer com que os piratas aéreos paguem por sua infração, que os
deportem para os EUA, para que sejam submetidos aos rigores da lei.
A impunidade e, principalmente, a
certeza dela, é um estímulo para que novas sortidas terroristas sejam
perpetradas e que muitas vidas, de pessoas inocentes, sejam colocadas em risco.
O que nos parece contraproducente, contudo, e até extremamente cruel, é que os
países industrializados, politicamente estáveis e socialmente avançados que, a
rigor, muito pouco (ou quase nada) fizeram para prestigiar as autoridades
libanesas constituídas, punam, agora, todo o Líbano, com um rigor até
extremado.
O bloqueio, quase decidido, do Aeroporto
de Beirute, medida que poderá ter o apoio, na próxima semana, da Alemanha
Ocidental, Gr~-Bretanha, França, Itália, Japão e Canadá (além dos EUA, autores
da proposta) é sumamente injusto, quando se sabe que, num incidente parecido,
ocorrido em 8 de dezembro do ano passado com um Airbus A-300 do Kuwait,
desviado para Teerã, nada se fez contra o governo do Irã.
Naquela oportunidade, dois
norte-americanos, e não apenas um, como agora, foram mortos. E os iranianos,
ostensivamente contrários a tudo o que diga respeito aos Estados Unidos – a
quem eles chamam de “Satã”- foram, ao menos indiretamente, responsáveis por
aquele incidente.
O aeroporto de Teerã continuou
funcionando normalmente e os vôos de empresas ocidentais apenas foram
suspensos, uma medida de auto-segurança, quando o Iraque intensificou seus
bombardeios àquele campo de pouso.
Se o Líbano tem hoje um governo
fraco, se todas as determinações daquele país vêm de Damasco, se as milícias
libanesas possuem muito mais força e credibilidade do que o Exército nacional,
os norte-americanos têm a sua parcela de culpa. Por terem abandonado à própria
sorte aquela sociedade conflagrada, após serem vítimas de um atentado de
carro-bomba contra seu quartel-general.
Mas seus fuzileiros navais são
soldados. Sabiam, portanto, que num país em guerra civil, em franca
desagregação, o que eles poderiam esperar era exatamente isso. Ou seja, bombas,
tiros e toda a sorte de represálias. Se antes de deixarem o Líbano tivessem
fortalecido seu governo, hoje não teriam que passar por essa estranha situação
de precisarem punir centenas de milhares de inocentes apenas para poder atingir
algumas dezenas de culpados.
O que virá depois dessa
represália (e nem é preciso ser profeta para prever) será o de sempre. Ou seja,
mais seqüestros, mais carros-bombas e mais ameaças a vidas e propriedades. Até
onde essa escalada poderá chegar?
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 4 de
julho de 1985).
No comments:
Post a Comment