A solidão que dói
Pedro
J. Bondaczuk
O jornalista Mauro
Santayana escreveu, em certa ocasião, em um de seus tantos (e lúcidos) artigos
que a “educação para a vida deveria incluir aulas de solidão”. Não me recordo o
título, a data e o jornal (ou revista) em que o texto que contém essa citação
foi publicado e nem qual era sua contextualização. Só sei que o li, anotei,
concordei com ele após refletir a respeito e peço licença para partilhar as
reflexões que essa declaração me suscitou com vocês. Se tem uma coisa que raras
pessoas sabem (se é que alguém saiba) esta é como conviver com a solidão. Eu,
pelo menos, não sei. E faço o possível e o impossível para evitá-la, quando dá
para fazer isso. Nem sempre dá.
Não me refiro àquela
solidão ocasional, temporária, decidida por nós, aquela pausa que volta e meia
reservamos para meditar, ler ou escrever. Essa sequer dói, pois sabemos que no
momento que quisermos, poderemos romper esse isolamento, pela certeza de que em
nossa casa estão pessoas que nos amam e nos completam. A dolorosa e
angustiante, óbvio, não é esta. É a que às vezes somos forçados a suportar à
nossa revelia. É a perda de uma pessoa querida, de cuja presença não poderemos
mais privar, ou por algum tempo, ou por muito tempo ou para sempre, em virtude
de viagem, de rompimento definitivo de um relacionamento ou, pior, da morte
desse alguém que amamos. Essa solidão dói, e dói demais. E muitas vezes é dor
incurável, mesmo que atenuada pelo tempo. É essa que precisamos aprender a
administrar, de sorte que seja a menos dolorosa possível.
Admito que já escrevi
muito a propósito e nunca consegui esgotar o tema. Desconfio que seja
inesgotável. Abordei profusamente, e em diversas ocasiões, aquela solidão que
sentimos, paradoxalmente, em presença de outras pessoas. Não é física, porém
emocional. É caracterizada, principalmente, pela indiferença de quem amamos,
mas que não nos entende e nem nós a entendemos. Essa, desconfio, é
irremissível. Temos que suportar essa solidão, de preferência longe desse
alguém – que amamos, que às vezes nos ama, mas
que está separada de nós por um abismo não raro intransponível.
A esse propósito, ou
seja, sobre a necessidade do aprendizado para conviver com a solidão, lembro-me
de uma composição muito antiga, de uns 60 anos ou mais, dos irmãos Marcos e
Paulo Sérgio Valle, intitulada, justamente, de “Preciso aprender a ser só”.
Essa canção foi sucesso na voz de vários cantores diferentes, a começar por
Maysa Matarazzo, passando por Ellis Regina, por Tim Maia e vai por aí afora.
Para quem não a conhece, ou não se lembra dela, recomendo que a busque no Youtube.
Não vai se arrepender. O que me chamou a atenção, óbvio, não foi a melodia,
belíssima, mas letra, que diz:
“Ah,
se eu te pudesse fazer entender
Sem
teu amor eu não posso viver
Que
sem nós dois o que resta sou eu
Eu
assim tão só
E
eu preciso aprender a ser só
Poder
dormir sem sentir teu calor
A
ver que foi só um sonho e passou
Ah,
o amor
Quando
é demais ao findar leva a paz
Me
entreguei sem pensar
Que
a saudade existe e se vem
É
tão triste, vê
Meus
olhos choram a falta dos teus
Esses
teus olhos que foram tão meus
Por
Deus entenda que assim eu não vivo
Eu
morro pensando no nosso amor
Por
Deus entenda que assim eu não vivo
Eu
morro pensando no nosso amor
Ah
o amor
Quando
é demais ao findar leva a paz
Me
entreguei sem pensar
Que
a saudade existe e se vem
É
tão triste, vê
Meus
olhos choram a falta dos teus
Esses
teus olhos que foram tão meus
Por
Deus entenda que assim eu não vivo
Eu
morro pensando no nosso amor.”
A solidão, por sinal,
inspirou e continua inspirando poetas, de todas as gerações e de todas as
partes do mundo. Os versos de alguns poemas são belíssimos e chegamos a decorar
muitos deles. Mas o sentimento que os inspira é que são elas. Fugimos da
solidão caracterizada pela perda de um amor, que não considero nada bela.
Fazemos o possível e o impossível para nos livrar da que é causada pela
incompreensão e falta de sintonia. E rogamos aos céus que nos livrem da solidão
irreparável, que é a da morte de quem amamos.
Partilho com vocês dois
poemas, referentes ao tema, compostos por poetas de épocas, países e estilos
distintos, para ilustrar estas reflexões, que mostram, todavia, posturas
parecidas face essa questão. O primeiro é do austríaco Rainer Maria Rilke e
diz:
A Solidão
“A
solidão é como chuva.
Sobe
do mar nas tardes em declínio;
das
planícies perdidas na saudade
ele
se eleva ao céu, que é seu domínio,
para
cair do céu sobre a cidade.
Goteja
na hora dúbia quando os becos
anseiam
longamente pela aurora,
quando
os amantes se abandonam tristes
com
a desilusão que a carne chora;
quando
os homens, seus ódios sufocando,
num
mesmo leito vão deitar-se: é quando
a
solidão como os rios vai passando...”
O segundo poema é de
Guilherme de Almeida, o campineiro que, quando vivo, ostentou o título de
“Príncipe dos Poetas brasileiros”, exposto nestes termos:
Solidão
“Busquei
meu semelhante.
Andei
a vida,
andei
o mundo:
andei
o tempo,
andei
o espaço.
Treva.
Treva. Treva.
Acendi
minha lâmpada.
Véu
que saiu do meu corpo,
ritmo
que saiu do meu gesto:
um
crepe em vôo
atirou-se
no chão,
subiu
pela parede,
debateu-se
contra o teto.
Nem
minha própria sombra
se
parece comigo”.
Diante do exposto,
estou mais convicto do que nunca da exatidão da constatação de Mauro Santayana,
de que a “educação para a vida deveria incluir aulas de solidão”. Resta saber
quem seria o professor adequado, o habilitado a ministrá-las. Todavia, como os
irmãos Valle ressaltaram, eu também “preciso aprender a ser só”. E como!!! E
logo!!!
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