Sunday, June 29, 2014

Vitória da vida

Pedro J. Bondaczuk

O brasileiro é tido e havido mundo afora, por quem nos conhece apenas superficialmente – pelo Carnaval, pelas praias ensolaradas e quentes, repletas de pessoas saudáveis, bonitas e desnudas, exibindo corpos bem talhados etc.etc.etc. – como povo alegre e feliz. Quando se aprofunda um pouquinho mais no conhecimento do nosso país, no entanto, quando atenta para o noticiário do dia a dia no Brasil – repleto de violência, corrupção, miséria e inconsciência – descobre, surpreso, que tudo o que achava de nós não passa de estereótipo. Não somos nada melhores (e nem piores) do que qualquer outro povo. Conclui que o brasileiro não é tão alegre como supunha e nem tão cordial. Ademais, a alegria não é questão coletiva, característica de algum grupo específico. É individual. Depende de como cada pessoa encara a realidade e das circunstâncias que a envolvem.

Entretanto,.a  melhor maneira de mostrarmos apreço e veneração pela vida é cultivarmos a alegria. Não é fácil, convenhamos. Somos confrontados, da manhã até a noite, com coisas tristes, acabrunhantes, preocupantes, não raro terríveis que tendem a nos tornar, no mínimo, azedos e mal-humorados. O ideal, todavia, é jamais nos deixarmos abater pelo que de ruim nos aconteça, ou ocorra ao nosso redor. É aprender a “sempre” extrair lições dos sofrimentos e tragédias próprios e/ou alheios. É atentarmos para os pequenos episódios positivos do dia a dia que, somados, se revelam maiúsculos, mas que, muitas vezes, entregues a tolas mágoas e estúpidos rancores, não sabemos valorizar devidamente.

Muitos, no íntimo, até concordam com essa colocação. Contudo, na hora de agir... é aquela tragédia! Optam, até inconscientemente, pelo ruim, pelo triste ou pelo violento. Ou pior: por todas essas características negativas simultaneamente. Foram condicionadas para isso. É o comportamento dominante ao seu redor. O filósofo, historiador e escritor norte-americano Will Durant (cujo nome de batismo era William James Durant), observou, no seu livro “Filosofia da Vida”, que “somos uma geração triste: nossa alegria não passa de tentativa para encher com a verbalidade o vazio do coração”. Exagero? O leitor sabe que não. Quem quiser pode conferir, agora mesmo, sem precisar se deslocar para lugar algum, esse comportamento coletivo. É só observar o que ocorre ao seu redor.
  
Renè Dèscartes, na tentativa de buscar a verdade, negou, inicialmente, a existência de tudo, até dele mesmo. Depois, partiu de uma premissa básica para "negar" sua negação: a célebre "cogito, ergo sum". Ou seja: penso, logo existo. Talvez hoje, a rigor, a única conclusão exata a que possamos chegar ainda seja apenas esta: existimos, porquanto pensamos. Mas o que é a vida? Hoje a ciência conhece praticamente tudo a seu respeito, como se origina, como funciona, o que fazer para que seja saudável etc.etc.etc. Só não sabe, todavia, o que de fato é.  A vida é, sobretudo, mistério. É muito mais do que o DNA, do que meros conjuntos de aminoácidos combinando para formar proteínas componentes de células, tecidos, órgãos, estruturas completas. Há algo impalpável que anatomista algum, nenhum cientista, por mais perito e competente que seja, conseguiu isolar, separar, dissecar, entender ou explicar, posto que é imaterial.

Apesar da raridade da vida, tanta gente atenta, 24 horas por dia, 365 dias de um ano, através de décadas, séculos, milênios, contra esse dom, esse mistério, esse milagre. O Brasil, infelizmente, é um dos países mais violentos do mundo. Sua história, relativamente curta, foi escrita com sangue, muito sangue, notadamente de negros e de índios. Hoje morrem mais pessoas em nossas cidades, vítimas da violência (assassinatos, roubos, acidentes de todos os tipos, principalmente os de trânsito etc.), do que as vítimas dos mais ferozes combates das várias guerras travadas mundo afora. Filmes, novelas, histórias passam a impressão, a cada momento, que matar é ato normal e corriqueiro. Que isso faz parte do processo de seleção natural existente no mundo. Claro que essa visão não é a correta! Lógico que essa posição é sumamente imoral! Evidentemente não é atitude de um ser racional, capaz de saber o que é o bem e o que é o mal. No entanto, é a que predomina, mostrando que o homem ainda tem muito a aprender para que de fato possa ser racional.

O Talmud, livro sagrado dos judeus, acentua que “quem salva uma só vida faz como se salvasse o mundo inteiro; quem destrói uma só vida faz como se houvesse destruído o mundo inteiro”. E não importa se esta for humana, animal ou vegetal. Embora muitos não se dêem conta, todos temos a ver com todos e com tudo o que nos cerca. Os que têm mais condições, os que são mais fortes, mais instruídos, mais sábios, têm, claro, maior responsabilidade, embora ninguém possa e nem deva se eximir dela. Sejamos, pois, hoje e sempre, agentes da construção e jamais da destruição. Saibamos valorizar, proteger e perpetuar esse milagre, esse privilégio, essa aventura maravilhosa que é a vida.

Carlos Drummond de Andrade escreveu, em certa ocasião, que “a poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais”. “Mas como?”, pergunto aos meus botões, ciente, como poucos, do teor do noticiário diário (afinal, sou e sempre fui editor de jornal), com seu desfile de taras, velhacarias, aberrações, violências e tensões. Seria mesmo assim ou o poeta estaria forçando a barra? Onde a beleza, por exemplo, dos ataques terroristas? Onde a beleza dos massacres, principalmente de crianças, mulheres e velhos? Como vislumbrar poesia na fome, no abandono, na depredação da natureza etc.etc.etc? Ocorre que, mesmo nessas distorções, há “vida”. Certamente Drummond quis referir-se a ela. E esta tem que ser, sempre, exaltada, valorizada, defendida e protegida, por se tratar de fenômeno precioso, de verdadeiro milagre e provavelmente raro na vastidão universal.


Viver é bom. É magnífico. É transcendental, sejam quais forem as circunstâncias. Não há como não concordar com Aléxis Carrel, quando afirma: “A alegria é o sinal pelo qual a vida marca seu triunfo”. Devemos viver com alegria e otimismo cada dia, mesmo (ou principalmente) aqueles momentos de aflição e de dor, que todos temos em nosso caminho quando menos esperamos. Nestes casos, uma postura alegre e positiva torna mais suave a travessia desses instantes ruins que, como tudo na vida, também são passageiros. Não conheço uma única pessoa, por mais amarga e infeliz que seja, que não defenda, pelo menos da boca para fora, a alegria.

A diferença é que tais indivíduos consideram que essa condição é para os “outros”, não para eles. Ou seja, não vivem o que pregam. São dos que deixam implícito o célebre “faça o que falo, não o que faço”. Daí serem tão amargos, tão mal-humorados e tão negativos. Apostam na infelicidade e, por conseqüência, são, de fato infelizes. Artur da Távola indaga, com pertinência, a propósito: “Do que adiantará um discurso sobre a alegria se o professor for um triste?”. Sim, de que vai adiantar?! Sejamos, pois, vencedores, sobrevivendo e ajudando outros a sobreviverem. E brindemos cada vitória da vida com o que caracteriza com perfeição esse sucesso: a inarredável alegria. Difícil? Sem dúvida, como demonstrei! Impossível? Jamais, a menos que sejamos renitentes derrotistas.


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