Monday, June 16, 2014

A política é um show na TV

Pedro J. Bondaczuk

O maior acontecimento brasileiro dos últimos anos, a escolha de um presidente civil, mereceu, por parte dos canais de televisão, uma cobertura que pode ser classificada de regular para boa. E somente não foi ótima por circunstâncias alheias à sua vontade. Afinal, o fato enfocado, a própria eleição, não apresentava nenhuma competição, pois o seu resultado o país inteiro já conhecia antecipadamente, antes mesmo do Colégio Eleitoral se reunir, desde meados de outubro do ano passado. Mas valeu pelo registro histórico. E pelas gafes cometidas por determinados políticos, que tiveram um súbito ataque de vedetismo e acabaram servindo de motivo de riso para os telespectadores.

Apesar das emissoras demonstrarem agilidade na cobertura, ao mostrarem, além da própria votação, flashes interessantes da movimentação existente nos corredores do Congresso e da festa realizada em diversas partes do Brasil, alguns pecados foram cometidos. Por exemplo, ninguém ficou sabendo quem era o cidadão que lá pelo meio da eleição teve que sair carregado do plenário. E nem a causa disso. Não se esclareceu se a pessoa estava desmaiada, morta (supõe-se que não) se foi vítima apenas do intenso calor oui da emoção do momento ou ate se sofreu algum enfarte. O telespectador acabou ficando no ar. A imagem mostrou alguém sendo retirado da sala nos braços de seis cidadãos, mas nenhum repórter se deu o trabalho de explicar qualquer coisa.

Mas as falhas foram menores do que os acertos e, no cômputo geral, a melhor cobertura acabou sendo feita pela Rede Manchete, embora o trabalho da Globo tenha sido bastante ágil e o da Bandeirantes bem didático. Os outros canais tiveram que se contentar mesmo com uma transmissão apenas convencional, o chamado “feijão com arroz”, feita em cadeia com a Radiobrás. Mas ninguém decepcionou.

Alguns políticos encarregaram-se de dar as notas pitorescas da eleição, evitando que a transmissão fosse monóitona. Foi o caso do presidente do Senado, que presidiu a mesa do Colégio Eleitoral, senador Moacyr Dalla, que já na apresentação do candidato pedessista começava a cometer gafes. Trocou até o nome do partido a que ele próprio pertence (o que pode ser sintomático), anunciando: “Paulo Maluf, do Partido Democrático Nacional”, ao invés de Social.

Outro momento de agitação foi o do voto do cantor deputado (ou deputado cantor, como queiram) Agnaldo Timóteo, que mexeu com os brios de todo o pessoal. Antes de enunciar o nome de seu candidato preferido, disse: “Senhor presidente, contra os desertores, oportunistas, fisiológicos, demagogos e mentirosos de ontem e de sempre, Paulo Maluf e Flávio Marcílio”. Certamente ele esqueceui-se que também estava desertando das fileiras de seu partido, o PDT, pelo qual se elegeu  e cuja orientação era para votar em Tancredo Neves. Quem fala o que não deve, ouve o que não quer. E foi o que aconteceu. Timóteo acabou agraciado com uma estridente vaia, acompanhada de um famoso corinho, muito comum nos estádios de futebol e usado para “elogiar” os árbitros que cometem determinados erros, o qual nem é necessário enunciar, por ser conhecido sobejamente.

O senador Moacyr Dalla, que abriu os trabalhos cometendo um erro, o que mencionamos, encerrou com outro. Colocou um “r” a mais no nome do presidente eleito. Ao anunciar o vencedor da eleição, sapecou: “Está eleito presidente o senador Tancredo Neves, imitando, nesse particular, o cacique Mário Juruna quando emitiu seu voto em favor do candidato da Aliança Democrática.

A Rede Bandeirantes conseguiu registrar esta “jóia” de proonunciamento feito  por um truculento segyrança do Congresso Nacional, quando perguntado se havia qualquer problema para a manutenção da ordem: “Tá tudo calmo. O único problema são os refletores da TV, que dão uma caloria sobrenatural” (sic). A Globo, por seu turno, não se sabe se intencional ou casualmente, exibiu um flagrante no mínimo curioso. Primeiro mostrou o senhor Paulo Maluf explicando ao repórter Álvaro Pereira: “Dei decisiva contribuição para a implantação da democracia no País”. Neste ponto, o diretor de TV cortou subitamente a imagem para mostrar o povo festejando a vitória de Tancredo na Praça da Sé, em São Paulo, gritando o slogan: “Um, dois, três, Maluf no xadrez...”.

Todas as emissoras, portanto, deram corretamente o seu recado. Principalmente se for levado em conta o ritmo, até preguiçoso, em coberturas nacionais, a que foram acostumadas a trabalhar durante os últimos vinte e um anos. É como diz o velho e surrado dito popular: “O uso continuado do cachimbo deixa a boca torta”.

O que o telespectador e o crítico esperam, daqui para a frente, é uma outra visão, por parte dos diretores de todos os canais, a respeito do papel da TV em nossa sociedade. Uma contribuição bem maior do que a dada até aqui para que o Brasil e os brasileiros se conheçam. Uma cobertura arrojada, eficiente e isenta do indispensável debate, que vai ser iniciado nos próximos dias, visando a escolha de uma Assembléia Nacional Constituinte verdadeiramente representativa de todos os grupos e correntes do País. Enfim, que ela exerça seu papel de integração de todos os brasileiros, auxiliando o presidente eleito na dura tarefa de construir a Nova República com que todos sonhamos.

(Comentário publicado na página 20, editoria de Artes e Variedades, do Correio Popular, em 18 de janeiro de 1985).


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