A política é um show na
TV
Pedro
J. Bondaczuk
O maior acontecimento
brasileiro dos últimos anos, a escolha de um presidente civil, mereceu, por
parte dos canais de televisão, uma cobertura que pode ser classificada de
regular para boa. E somente não foi ótima por circunstâncias alheias à sua
vontade. Afinal, o fato enfocado, a própria eleição, não apresentava nenhuma
competição, pois o seu resultado o país inteiro já conhecia antecipadamente,
antes mesmo do Colégio Eleitoral se reunir, desde meados de outubro do ano
passado. Mas valeu pelo registro histórico. E pelas gafes cometidas por
determinados políticos, que tiveram um súbito ataque de vedetismo e acabaram
servindo de motivo de riso para os telespectadores.
Apesar das emissoras
demonstrarem agilidade na cobertura, ao mostrarem, além da própria votação,
flashes interessantes da movimentação existente nos corredores do Congresso e
da festa realizada em diversas partes do Brasil, alguns pecados foram
cometidos. Por exemplo, ninguém ficou sabendo quem era o cidadão que lá pelo
meio da eleição teve que sair carregado do plenário. E nem a causa disso. Não
se esclareceu se a pessoa estava desmaiada, morta (supõe-se que não) se foi
vítima apenas do intenso calor oui da emoção do momento ou ate se sofreu algum
enfarte. O telespectador acabou ficando no ar. A imagem mostrou alguém sendo
retirado da sala nos braços de seis cidadãos, mas nenhum repórter se deu o
trabalho de explicar qualquer coisa.
Mas as falhas foram
menores do que os acertos e, no cômputo geral, a melhor cobertura acabou sendo
feita pela Rede Manchete, embora o trabalho da Globo tenha sido bastante ágil e
o da Bandeirantes bem didático. Os outros canais tiveram que se contentar mesmo
com uma transmissão apenas convencional, o chamado “feijão com arroz”, feita em
cadeia com a Radiobrás. Mas ninguém decepcionou.
Alguns políticos
encarregaram-se de dar as notas pitorescas da eleição, evitando que a
transmissão fosse monóitona. Foi o caso do presidente do Senado, que presidiu a
mesa do Colégio Eleitoral, senador Moacyr Dalla, que já na apresentação do
candidato pedessista começava a cometer gafes. Trocou até o nome do partido a
que ele próprio pertence (o que pode ser sintomático), anunciando: “Paulo
Maluf, do Partido Democrático Nacional”, ao invés de Social.
Outro momento de
agitação foi o do voto do cantor deputado (ou deputado cantor, como queiram)
Agnaldo Timóteo, que mexeu com os brios de todo o pessoal. Antes de enunciar o
nome de seu candidato preferido, disse: “Senhor presidente, contra os
desertores, oportunistas, fisiológicos, demagogos e mentirosos de ontem e de
sempre, Paulo Maluf e Flávio Marcílio”. Certamente ele esqueceui-se que também estava
desertando das fileiras de seu partido, o PDT, pelo qual se elegeu e cuja orientação era para votar em Tancredo
Neves. Quem fala o que não deve, ouve o que não quer. E foi o que aconteceu.
Timóteo acabou agraciado com uma estridente vaia, acompanhada de um famoso
corinho, muito comum nos estádios de futebol e usado para “elogiar” os árbitros
que cometem determinados erros, o qual nem é necessário enunciar, por ser
conhecido sobejamente.
O senador Moacyr Dalla,
que abriu os trabalhos cometendo um erro, o que mencionamos, encerrou com
outro. Colocou um “r” a mais no nome do presidente eleito. Ao anunciar o
vencedor da eleição, sapecou: “Está eleito presidente o senador Tancredo
Neves, imitando, nesse particular, o cacique Mário Juruna quando emitiu seu
voto em favor do candidato da Aliança Democrática.
A Rede Bandeirantes
conseguiu registrar esta “jóia” de proonunciamento feito por um truculento segyrança do Congresso
Nacional, quando perguntado se havia qualquer problema para a manutenção da
ordem: “Tá tudo calmo. O único problema são os refletores da TV, que dão uma
caloria sobrenatural” (sic). A Globo, por seu turno, não se sabe se intencional
ou casualmente, exibiu um flagrante no mínimo curioso. Primeiro mostrou o
senhor Paulo Maluf explicando ao repórter Álvaro Pereira: “Dei decisiva
contribuição para a implantação da democracia no País”. Neste ponto, o diretor
de TV cortou subitamente a imagem para mostrar o povo festejando a vitória de
Tancredo na Praça da Sé, em São Paulo, gritando o slogan: “Um, dois, três,
Maluf no xadrez...”.
Todas as emissoras,
portanto, deram corretamente o seu recado. Principalmente se for levado em
conta o ritmo, até preguiçoso, em coberturas nacionais, a que foram acostumadas
a trabalhar durante os últimos vinte e um anos. É como diz o velho e surrado
dito popular: “O uso continuado do cachimbo deixa a boca torta”.
O que o telespectador e
o crítico esperam, daqui para a frente, é uma outra visão, por parte dos
diretores de todos os canais, a respeito do papel da TV em nossa sociedade. Uma
contribuição bem maior do que a dada até aqui para que o Brasil e os
brasileiros se conheçam. Uma cobertura arrojada, eficiente e isenta do
indispensável debate, que vai ser iniciado nos próximos dias, visando a escolha
de uma Assembléia Nacional Constituinte verdadeiramente representativa de todos
os grupos e correntes do País. Enfim, que ela exerça seu papel de integração de
todos os brasileiros, auxiliando o presidente eleito na dura tarefa de
construir a Nova República com que todos sonhamos.
(Comentário
publicado na página 20, editoria de Artes e Variedades, do Correio Popular, em 18
de janeiro de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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