Quando se duvida do homem
Pedro J. Bondaczuk
As crianças deste
turbulento fim de século, além de sofrerem os problemas decorrentes do abandono
a que são relegadas por seus pais (que muitas vezes não têm o preparo
suficiente sequer para cuidar de si próprios), estão sendo vítimas de uma
prática muito mais cruel, absurda e totalmente despida de qualquer foro de
humanidade. Vêm sendo responsabilizadas criminalmente em tribunais de vários
países (o que se constitui na mais insana aberração jurídica), encarceradas,
torturadas e mortas.
Essas
denúncias não são gratuitas e foram feitas no boletim deste mês da Anistia
Internacional, que relaciona 18 Estados onde esta prática cruel vem se tornando
costumeira. Muitos deles são, até mesmo, tidos e havidos como “democracias”.
Sabendo
dessas coisas, até dá para entender o desencanto do poeta argentino Jorge Luís
Borges, sempre que se referia a sistemas democráticos, o que gerou, inclusive,
alguns males entendidos a respeito de suas confusas posições políticas. Muitos
chegaram a achar que ele fosse favorável a ditaduras.
O
magistral escritor, numa entrevista concedida à revista “IstoÉ”, em 6 de
outubro de 1982, disse: “A democracia, como se sabe, é uma superstição baseada
na estatística”. A esse propósito o mexicano Octávio Paz, um dos intelectuais
mais lúcidos da América Latina, tem uma posição um pouco mais ponderada.
Afirma:
“A democracia, por si só, não constitui uma garantia da ambicionada justiça
social. Mas garante também a liberdade de pensar...” Só que diante de
aberrações, como as denunciadas pela Anistia Internacional, somos forçados a
achar que nem sempre há essa garantia.
De
duas, uma. Ou o sistema democrático – que pune crianças com prisões, que as
tortura para arrancar confissões dos pais, mata esses menores por causa de seus
eventuais delitos, entendendo a pena como “vingança da sociedade contra o
infrator” e não como uma reeducação (conforme reza a moderna doutrina jurídica)
–, é meramente nominal, ou Borges tinha razão.
Não
há como justificar uma arbitrariedade dessa espécie por parte de uma entidade
abstrata, no caso o Estado, integrada por seres ditos “humanos”, que deveriam,
na pior das hipóteses, Ter ao menos dentro de si o sentimento da piedade.
Como
pessoas que agem assim, em nome de uma sociedade (que certamente não avaliza
essas selvajarias) podem, ao regressar do trabalho, beijar seus filhos, quando
sabem que trucidaram os dos outros? Como indivíduos dessa espécie ousam se
prostrar perante seu Deus, tenham a religião que tiverem, com um crime tão
hediondo na consciência? A que estado de coisas a humanidade chegou neste
século, cantado e decantado como sendo o das luzes e da plena civilização!!!
(Artigo publicado na página 11,
Internacional, do Correio Popular, em 6 de janeiro de 1988).
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