Thursday, June 26, 2014

Administrador de vaidades

Pedro J. Bondaczuk

O papel de um treinador de qualquer modalidade esportiva de grupo, ou seja, coletiva, extrapola o campo meramente técnico, notadamente tático. Cabe-lhe outra função tão importante quanto estas duas, se não mais: a de “administrador de vaidades”. A de disciplinador do vestiário. A de motivador, que saiba extrair o máximo de cada atleta em favor do grupo. Isso vale tanto para clubes, quanto, e principalmente, para seleções nacionais. Verifica-se, por exemplo, no basquete, no vôlei, no rugby, no baseball e em todos outros esportes coletivos. E, claro, no futebol. Mas antes de administrar a vaidade alheia, o treinador precisa, óbvio, administrar a própria.

Poucas atividades, esportivas ou não, fabricam mais ídolos do que o fascinante “esporte das multidões”. Muitos e muitos jogadores apenas medianos são alçados à categoria de craques por ação e obra da mídia. E quando caem do pedestal, ninguém admite o exagero cometido. Os que exageraram simplesmente se calam a respeito. Talvez apenas o show-business rivalize com, o futebol no que diz respeito à fabricação de ídolos, sobretudo os grandes astros e estrelas do rock. As principais “vedetes” futebolísticas têm suas habilidades exaltadas, não raro com nítido exagero, pela imprensa esportiva, que as canta em verso e prosa.

Essas figuras midiáticas são assediadas por apaixonados fãs de todas as idades e condições sociais e as mais destacadas chegam a ser endeusadas. Poucos, pouquíssimos, não se envaidecem com isso. Nem sei se existe alguém tão frio, tão realista e ponderado a ponto de não se empolgar com tanta badalação.  No mundo do futebol esse envaidecimento exagerado é conhecido como “máscara”. O leitor, com certeza, conhece, ou conheceu, muito jogador, mesmo que apenas mediano, “mascarado”. Aliás, gente assim há em toda e qualquer atividade.  Pudera! Provavelmente eu, você, Fulano, Sicrano e Beltrano nos envaideceríamos também em circunstâncias semelhantes.

O perigo (quando se trata de modalidade coletiva, como o futebol, em que todas as peças têm importância) – tanta que se alguma não funcionar, o resultado para o todo pode ser (e geralmente é) desastroso – é o sujeito, considerado astro, craque ou até “gênio” pela imprensa e pela torcida, achar que possa ganhar sozinho algum jogo ou, o que é pior, que tenha condições de vencer “todos” eles, todo um campeonato, sem a participação de mais ninguém. Muitos acham que sim. Quase sempre se dão mal.

O maior risco, nesses casos, é o da “estrela da companhia” exigir determinados privilégios em relação aos demais integrantes da equipe. Por que isso é arriscado? Por razões óbvias. Porque seus companheiros podem se ver tentados a boicotá-lo. E esse boicote, certamente, será prejudicial não apenas ao astro do time, que se verá impossibilitado de mostrar toda sua habilidade (se a tiver), mas se refletirá em todo o grupo, que correrá riscos de perder partidas que tinha potencial de sobra para vencer. As vaidades têm, portanto, que ser muito bem administradas. Na medida certa, elas podem ser benéficas, caso se trate, só, de autoconfiança, mesmo que exagerada. Se o principal astro da equipe entender que não joga sozinho e que todos seus companheiros têm a mesma importância, o grupo todo tende a se motivar e a render seu máximo. Essa tarefa cabe ao treinador.

Quem já comandou alguma equipe, quem foi técnico, por exemplo, de algum time de várzea ou mesmo de futebol de salão, sabe o desafio que essa administração de vaidades significa. O papel desse comandante é fazer com que todos seus comandados, sem qualquer exceção, remem, e sempre, na mesmíssima direção. Muitos jogos, e não raro até campeonatos, são vencidos nos vestiários. Mas muitos são perdidos ali também. Só quem já esteve em um deles sabe o que se passa lá. Nada do que ocorre nesse recinto (ou na concentração do clube) vaza para a imprensa. Não sei de nenhum caso em que os conflitos internos – as ciumeiras, as desavenças, os antagonismos e às vezes até bofetões entre desafetos – de algum grupo tenham vindo a público. Rolam boatos, sistematicamente desmentidos. Essa é uma zona secreta, secretíssima, fechada, fechadíssima, blindada, dos times e/ou seleções.

Já ouvi histórias incríveis, passadas em vestiários e concentrações, da boca de ex-jogadores, mas muito tempo depois de supostamente ocorridas, não raro, décadas mais tarde. Elas soam tão inverossímeis, que chegamos a duvidar que sejam verdadeiras. Quase sempre lhes damos ó mesmo crédito que às histórias de pescadores. Ou seja, nenhum. Tudo bem que possa haver exageros em um ou outro caso. Mas não creio que isso se verifique em todos. Muito jogador, que passou para a história como herói, foi, na verdade, vilão. E vice-versa. Mas quais são eles em cada uma dessas situações? Sabe-se lá!!!


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