Tuesday, June 10, 2014

Futebol e Literatura

Pedro J. Bondaczuk

O futebol, embora, em termos práticos, tenha sua importância nitidamente superestimada – basta ver a mobilização da imprensa mundial para a cobertura da Copa do Mundo – é um dos assuntos que despertam o maior interesse de, no mínimo, metade da humanidade. Estima-se, por exemplo, que o Mundial do Brasil será assistido por algo um pouco superior a três bilhões de pessoas, e Planeta afora. Isso sem falar nos que, por algum motivo, se limitarão a acompanhar a competição pelo rádio, ou pela internet ou por jornais e revistas, etc. nas mais diversas localidades e idiomas.

Que outro assunto atrai as atenções de tanta gente? Não conheço nenhum. No entanto... analisado à luz puramente da razão, sua importância real é praticamente nenhuma. Ou quase nenhuma. O mundo não iria parar se a modalidade não existisse, ou se extinguisse, embora, certamente, ficaria mais chato. Afinal, o futebol existe, relativamente, há pouco tempo. Há qualquer coisa como 150 anos, ou talvez um pouco mais. No entanto... a vida sempre seguiu sua marcha sem ele. Para uns, a modalidade é encarada como mera prática esportiva (no caso, pelos que a praticam de forma amadora), importante para a manutenção da saúde. Para outros (os que lidam com o futebol profissionalmente), é um jogo. Para os que o patrocinam ou financiam, é importante negócio, que envolve muito dinheiro, rios de euros, libras, dólares, reais etc. E para tantos outros – a imensa maioria – é válvula de escape de frustrações de toda a sorte e, por isso, desperta tantas e tão intensas paixões. Refiro-me, neste último caso, claro, ao mero torcedor. 

Recorro a estes argumentos até para justificar o fato de estar tratando de um assunto que, para muitos, deveria ficar restrito a espaços especializados em esporte, neste cantinho voltado à Literatura. Alguns leitores manifestaram-se por e-mail estranhando, no mínimo, minha atitude. Entendem que não se trata de tema literário, preocupação fundamental de escritores e de amantes das chamadas “belas letras”. Discordo. E por isso pretendo tratar dele, sob os mais variados enfoques, no mínimo até 13 de julho, data do encerramento da Copa do Mundo de 2014, com a consagração de um campeão e a conseqüente decepção de outros trinta e um competidores.

O futebol pode ser encarado como uma espécie de “metáfora da vida”. Tanto que conta com jargões exclusivos, todos metafóricos, nada, nada literais, e diferentes para seus três entes principais: os boleiros, os cronistas esportivos e os torcedores. Os que não estejam familiarizados com a modalidade, não entendem determinadas expressões, usadas por jogadores em campo, pelos que narram e comentam os jogos e pelos que se limitam a torcer, com inusitada paixão, por determinados clubes e/ou por seleções nacionais. Nem sempre estes três agentes entendem os jargões característicos uns dos outros. Há, é claro, casos de muitos que os dominam bem, não importa se atletas, jornalistas ou meros aficionados. Mas o linguajar, ou linguajares, têm acentuadas diferenças entre si. Ademais, não posso assegurar se só no Brasil há essa linguagem específica no futebol ou se ela ocorre, também, com outros idiomas. Presumo que ocorra. Acho que o boleiro francês (ou inglês, iraniano, japonês, alemão, não importa qual) tem lá sua gíria própria, não necessariamente correspondente à mesma dos nossos atletas. Isso vale, também, para profissionais de comunicação e para torcedores.

Numa mesma língua, os termos e os significados tendem a ser diferentes. Os jargões utilizados em Portugal por boleiros, jornalistas e torcida, por exemplo, não são sequer parecidos com os que se adotam no Brasil. Presumo que ocorra o mesmo na Espanha, Argentina, México, Chile, Colômbia, Equador, Costa Rica, Uruguai e Honduras, que falam o espanhol. Ou na Inglaterra, Austrália, Gana e Estados Unidos, que se expressam em inglês. Ou na França, Camarões e Costa do Marfim, que adotam o francês.

E por que o futebol é tema, também, de escritores? Bem, não me canso de afirmar e reiterar que nós, que fazemos Literatura e vivemos dela, somos testemunhas do nosso tempo, dos usos, costumes, comportamentos, moda, linguajar e vai por aí afora da época que vivemos. Nossos textos, se fieis ao nosso período de existência (e esta é nossa obrigação), tendem a se constituir em subsídios preciosíssimos para os historiadores do futuro. E o futebol, nesse contexto, é fenômeno que não pode e não deve ser ignorado, quer pelo interesse que desperta, quer por sua abrangência, notadamente nestes tempos em que os modernos meios de transporte e os ágeis e miraculosos veículos de comunicação “encolheram” o Planeta e o transformaram, literalmente, em uma “aldeia global”. Nunca é demais lembrar que a Fifa conta com número maior de membros do que a Organização das Nações Unidas.

Qual é o objeto primário do interesse do escritor? É, óbvio, a vida, com tudo o que de bom ou de ruim ela pode, ou tende, a nos proporcionar (e que, de fato, proporciona). O poeta, basicamente, trata de como ela “poderia” ser. O ficcionista trabalha com como ela “tende a” se apresentar, com seus heróis e vilões e inúmeras peripécias. E, por fim, o não ficcionista (sociólogio, filósofo, etólogo etc.)  debruça-se na descrição de como ela geralmente “é”. E o futebol, embora, em termos práticos, tenha sua importância superestimada, tende a ser assunto para especialistas de todos esses gêneros. Suscita inúmeras, intermináveis reflexões sobre o que somos, o que poderíamos ser e o que não deveríamos. Enfim...


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