Saturday, June 28, 2014

Lar europeu está mais distante


Pedro J. Bondaczuk


O presidente Mikhail Gorbachev admite e até estimula divergências internas em relação às suas idéias reformistas. A única coisa que sequer deseja ouvir falar é quanto ao separatismo. Pelo contrário, seu sonho é muito mais amplo do que o expressado no livro "Perestroika, Novas Idéias para o Meu País e o Mundo". É o da criação do chamado "lar comum europeu", que implique na integração política, econômica e social de todos os povos da Europa numa comunidade cujos limites territoriais possam ir do Oceano Atlântico aos Montes Urais.

Prega, portanto, a aglutinação, não a separação. Gorbachev sequer respeita os líderes nacionalistas das seis Repúblicas separatistas. Considera-os meros "aventureiros" que não atinam com as implicações internas e de estratégia mundial de seu secessionismo.

Certamente o presidente não desejou lançar mão da força para reprimir a rebeldia, principalmente na região do Báltico. Por exemplo, após a repressão militar levada a efeito em janeiro passado, em Vilnius, na Lituânia, pelos temidos "Boinas Negras", que redundou na morte de 14 pessoas quando da ocupação da torre de televisão da cidade, ele revelou genuína surpresa ao ser informado da operação. Seus assessores garantiram que Gorbachev nada sabia a este respeito e que, portanto, a ordem não havia partido dele. E não há porque duvidar da sua sinceridade.

Atos de força como esse e como os levados a efeito posteriormente na Letônia, na Estônia e atualmente na Geórgia, não se coadunam com o seu estilo, caracterizado pela pressão econômica, pela argumentação política, mas jamais pela agressão.

O presidente, mais do que ninguém, tinha consciência das repercussões internacionais da repressão. Todavia, se não foi ele quem ordenou o ataque de Vilnius, foi ele quem pagou pelas conseqüências, com a aceleração do desgaste da sua imagem.

É um tanto estranha a atitude do Ocidente diante das dificuldades enfrentadas por Gorbachev. É quase um consenso, em todas as partes do mundo, que uma eventual queda do líder do Cremlin tende a provocar a desestabilização não apenas na URSS, mas de caráter internacional. De Washington a Paris, de Ottawa a Tóquio, teme-se pela sua queda.

Tanto é que em fins de maio do ano passado, quando circularam rumores de sua renúncia, houve pânico nos mercados financeiros do mundo todo. As bolsas de valores sofreram quedas, as cotações do ouro e do dólar foram às nuvens e tudo somente voltou ao normal quando ficou claro que o presidente soviético não havia de fato renunciado.

Mas, se sua presença no poder é tão importante, qual a razão dos que se dizem seus amigos e aliados não lhe darem um apoio mais decisivo, concreto ou, na pior das hipóteses, não se calarem e deixarem de agitar águas já por si sós turvas, com suas críticas e previsões na maioria das vezes levianas? Trata-se, ainda, da sobrevivência da retórica que caracterizou a guerra fria. Afinal, o "uso do cachimbo deixa a boca torta".

O próprio Gorbachev fez uma magoada constatação a esse respeito, em 25 de maio de 1990, ao lembrar que uma superpotência não deve procurar tirar vantagem das dificuldades internas de outra, dizendo: "Quando as coisas ficam ruins na União Soviética ou nos Estados Unidos, não devemos sucumbir à tentação de esfregar as mãos jubilosamente ou de pescar em águas turvas".


(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 12 de abril de 1991)

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