Lar
europeu está mais distante
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente Mikhail Gorbachev admite e até estimula divergências internas em
relação às suas idéias reformistas. A única coisa que sequer deseja ouvir falar
é quanto ao separatismo. Pelo contrário, seu sonho é muito mais amplo do que o
expressado no livro "Perestroika, Novas Idéias para o Meu País e o
Mundo". É o da criação do chamado "lar comum europeu", que
implique na integração política, econômica e social de todos os povos da Europa
numa comunidade cujos limites territoriais possam ir do Oceano Atlântico aos
Montes Urais.
Prega,
portanto, a aglutinação, não a separação. Gorbachev sequer respeita os líderes
nacionalistas das seis Repúblicas separatistas. Considera-os meros
"aventureiros" que não atinam com as implicações internas e de
estratégia mundial de seu secessionismo.
Certamente
o presidente não desejou lançar mão da força para reprimir a rebeldia,
principalmente na região do Báltico. Por exemplo, após a repressão militar
levada a efeito em janeiro passado, em Vilnius, na Lituânia, pelos temidos
"Boinas Negras", que redundou na morte de 14 pessoas quando da
ocupação da torre de televisão da cidade, ele revelou genuína surpresa ao ser
informado da operação. Seus assessores garantiram que Gorbachev nada sabia a
este respeito e que, portanto, a ordem não havia partido dele. E não há porque
duvidar da sua sinceridade.
Atos
de força como esse e como os levados a efeito posteriormente na Letônia, na
Estônia e atualmente na Geórgia, não se coadunam com o seu estilo,
caracterizado pela pressão econômica, pela argumentação política, mas jamais
pela agressão.
O
presidente, mais do que ninguém, tinha consciência das repercussões
internacionais da repressão. Todavia, se não foi ele quem ordenou o ataque de
Vilnius, foi ele quem pagou pelas conseqüências, com a aceleração do desgaste
da sua imagem.
É
um tanto estranha a atitude do Ocidente diante das dificuldades enfrentadas por
Gorbachev. É quase um consenso, em todas as partes do mundo, que uma eventual
queda do líder do Cremlin tende a provocar a desestabilização não apenas na
URSS, mas de caráter internacional. De Washington a Paris, de Ottawa a Tóquio,
teme-se pela sua queda.
Tanto
é que em fins de maio do ano passado, quando circularam rumores de sua
renúncia, houve pânico nos mercados financeiros do mundo todo. As bolsas de
valores sofreram quedas, as cotações do ouro e do dólar foram às nuvens e tudo
somente voltou ao normal quando ficou claro que o presidente soviético não
havia de fato renunciado.
Mas,
se sua presença no poder é tão importante, qual a razão dos que se dizem seus
amigos e aliados não lhe darem um apoio mais decisivo, concreto ou, na pior das
hipóteses, não se calarem e deixarem de agitar águas já por si sós turvas, com
suas críticas e previsões na maioria das vezes levianas? Trata-se, ainda, da
sobrevivência da retórica que caracterizou a guerra fria. Afinal, o "uso
do cachimbo deixa a boca torta".
O
próprio Gorbachev fez uma magoada constatação a esse respeito, em 25 de maio de
1990, ao lembrar que uma superpotência não deve procurar tirar vantagem das
dificuldades internas de outra, dizendo: "Quando as coisas ficam ruins na
União Soviética ou nos Estados Unidos, não devemos sucumbir à tentação de
esfregar as mãos jubilosamente ou de pescar em águas turvas".
(Artigo
publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 12 de abril de
1991)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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