País onde a violência é
lugar-comum
Pedro J. Bondaczuk
A
Colômbia que o papa João Paulo II vai ver, a partir de terça-feira, não é muito
diferente da visitada há quase vinte anos por Paulo VI. Não no aspecto
populacional, é evidente, já que hoje essa República é uma das mais povoadas do
continente sul-americano, com seus mais de 30 milhões de habitantes. Nem no
econômico, pois ela registrou uma quadruplicação na renda per capital anual do
seu povo nesse período, a despeito de ter uma taxa de desemprego de 14%,
saltando dos US$ 291 de fins da década de 60, para os US$ 1.200 atuais. A
similitude reside num arcaico sistema social, quase feudal, que é o responsável
direto por uma violência endêmica, quase que intermitente.
A
tragédia, quando ocorre, costuma ser sempre maiúscula nesse país. Até quando a
natureza se revolta, como no caso do Nevado del Ruiz. Por exemplo, em fins do
século passado, mais precisamente em 1899, a Colômbia foi palco de uma
devastadora guerra civil, travada entre liberais e conservadores. Em
decorrência desse lamentável confronto entre irmãos, cerca de cem mil pessoas
perderam a vida e a economia colombiana transformou-se numa autêntica ruína. O
país, na ocasião, literalmente foi à falência.
Há
38 anos uma nova tragédia nacional aconteceu e passou para a história com o
nome de "Bogotazzo". Foi um período de anarquia deflagrado com o
assassinato do então presidente Jorge Eliezer Gaitán, líder da ala esquerda do
liberalismo local.
Após
essa trágica ocorrência, verificada em pleno centro da capital, a desordem
generalizou-se. Alguém pretendeu até imitar os revolucionários franceses e
abriu as portas das prisões comuns, numa paródia da tomada da Bastilha, em
versão latino-americana.
Centenas
de delinqüentes foram para as ruas e a Colômbia viveu um período indescritível
de loucura coletiva. Em decorrência dele, centenas de milhares de pessoas
morreram. Milhares de cadáveres cobriram, na ocasião, as ruas de Bogotá, num
dos episódios de violência de mais triste lembrança na história da América do
Sul.
No
ano passado, eis que nova ação violenta deu origem à ocorrência de outra
tragédia. Desta feita, felizmente, a cifra de vítimas foi baixa, aquém de uma
centena de mortos. Foi o caso da ocupação do Palácio da Justiça, na capital
colombiana, por parte dos guerrilheiros do Movimento 19 de Abril. O prédio foi
retomado a ferro e fogo por tropas do Exército, numa autêntica operação de
guerra. O santuário da Justiça foi violado pelos instrumentos da insânia e da
violência e 11 magistrados da Suprema Corte acabaram imolados, entre os 98
mortos registrados nessa duplamente infeliz ação.
De
uns 20 anos para cá, as guerras vêm se constituindo num dos mais graves
problemas desse país (junto com a produção e tráfico de drogas) com cerca de
oito mil rebeldes, agrupados em seis facções, em armas, cometendo toda a sorte
de atos delituosos na capital e nas principais cidades.
Nas
vésperas da visita do Sumo Pontífice à Colômbia, esses extremistas iniciaram
uma nova campanha, caracterizada por pequenas ações, com o objetivo único de
chamar a atenção do mundo sobre o que ocorre nessa República. Como se fosse
possível alguém esquecer essa situação. Bem que o atual presidente, Belisário
Betancur, em fins de mandato, tentou um processo de reconciliação nacional.
Estendeu as mãos aos guerrilheiros que desejassem depor as armas e substituir a
violência pelo diálogo e pela convivência democrática.
Mas
faltou substância à oferta. A tentativa resultou inútil. O difícil para
qualquer um é atinar qual o resultado final de tanta insânia. Prazam os céus
que João Paulo II consiga sensibilizar os colombianos para que a situação não
se descontrole e o país jamais tenha que passar por um novo
"bogotazzo". Do jeito que as coisas andam, pouca coisa se pode
esperar além de uma nova loucura coletiva como essa.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 25 de junho de
1986)
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